Grupo ao qual pertence: Praia de Itaparica, Vila Velha. Entrevistador: Fernanda de Souza. Data da entrevista: 17/03/2014. Nome do pa...

Entrevistado: Alexandre Dávila D'Macedo



Grupo ao qual pertence: Praia de Itaparica, Vila Velha.
Entrevistador: Fernanda de Souza.
Data da entrevista: 17/03/2014.

Nome do pai: Marciano Alexandre D’Macedo
Nome da mãe: Alba Dávila D’Macedo
Casado, 2 filhos.

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[Como foi sua infância e adolescência?]

Eu nasci na Glória, próximo à prainha. Quando eu tinha uns três ou quatro anos de idade fui morar em Vila Velha, quando ainda tinha a Prainha de Vila Velha, hoje é um aterro. Toda a minha infância foi na beira da maré, vendo os outros pescar e aprendendo a pescar, eu gostava de ir pescar na maré.

Naquela época os oficiais do Exército moravam na Prainha de Vila Velha, o que facilitava o nosso acesso (direto) ao Exército e à Marinha. Nós entrávamos para pescar e brincar a hora que quiséssemos. Às vezes eles nos davam almoço, os oficiais eram nossos conhecidos. Então toda a minha infância foi brincar e aprender a pescar.

[Quais eram as brincadeiras?]

As brincadeiras eram balançar nos cipós das matas do Convento, tomar banho de maré ou ver os pescadores puxarem rede. Quando nós não estávamos na escola essa era a nossa brincadeira.

Nessa época dava muito peixe e todos os dias se passava rede de arrasto. Dava muito peixe. Como os pescadores eram todos conhecidos, nós sempre levávamos peixe para casa. Essa foi a minha infância. Fui criado na beira da maré.

Na adolescência comecei a gostar de esportes e comecei a praticar futebol. Joguei futebol de campo, de salão e voleibol. Depois comecei a gostar de surf e nadar em mar aberto, em Itaparica. Era minha paixão.

De 1970 para cá, foi tudo em Itaparica, aqui não tinha nada, era mato e praia, e nossa diversão era vir para a beira da praia, catar as frutas que davam na beira da praia, como pitanga, caju, maracujá e abiu. Aqui tinha uns abius muito bonitos que agora já não se vê mais. Eram do tamanho de uma jabuticaba e era a coisa mais deliciosa que tinha.

Tinha uma diversão que era muito boa, era pegar chocolate do lixo da fábrica de chocolates Garoto. Nós sabíamos até o dia e a hora que o carro do lixo passava, quando o caminhão de lixo da Garoto passava saía aquela galera todinha correndo atrás do caminhão. Ele ia pela estrada velha da Barra. Os chocolates que caíam das mãos dos embaladores não iam para o consumo e eram misturados com restos de papéis de bala, o lixo não era sujo, não tinha lixo orgânico, e por isso era fácil pegar, era só papel e se procurasse tinha bombons amassados ou sem embalagens. E nós enchíamos a sacola de bombons e vinha aquela turma embora comendo bombom.

A outra diversão gostosa era no final de tarde, no fim do mês de outubro e novembro. Nós vínhamos para a praia enchíamos uma sacola de pitanga, porque aqui nessa parte onde estão esses prédios era só pitangueiras. Nós enchíamos uma sacola de pitanga e quando chegava às 17, 18h, quando começava a escurecer, nós pegávamos tatuí.

Tatuí é um bichinho que dá na beira da praia. Quando a onda sobe ele entra na areia. Aí você cava e pega os bichinhos. De noite era aquela turm, e fazíamos uma farofa de tatuí. Havia um amigo nosso, o Manoel, que era bom de violão. Fazíamos um garrafão de batida de pitanga, um panelão de farofa de tatuí e ficávamos a noite toda na calçada, comendo tatuí e ouvindo violão.

Era uma época boa, podia-se dormir de janela aberta, não tinha bandidagem, vagabundos e não tinha drogas. Então foi uma infância e uma adolescência excelente.

Na minha juventude isso aqui começou a crescer. Depois dos meus 18, 19 anos de idade foi que começou a crescer e a virar cidade, a orla de Itaparica. Foi quando começou a vir muita gente de fora. Tem 5.000 apartamentos só no conjunto de Coqueiral de Itaparica, e ali moram pessoas de todos os lugares.[…] Depois, começou a aparecer as drogas que não havia. Nós nem sabíamos o que era droga.

Foi quando comecei a trabalhar. Meu primeiro emprego foi no Hospital da Santa Casa, em 1978. Minha primeira experiência profissional foi no atendimento de pronto-socorro. Naquela época só existiam dois prontos-socorro dentro do Estado, era o da Santa Casa e o SAMU. Era um pronto-socorro que tinha muito movimento e se via coisas que nem se imaginava. Eu adquiri uma experiência muito grande com tudo o que eu vi lá.

De lá para cá a juventude foi passando e comecei a gostar do surf e de nadar em mar aberto. Quando você nasce dentro do mar, na beira da maré, não tem outra coisa. Você vai acabar gostando de alguma coisa que seja de mar, e comecei a surfar.

Tinha um rapaz chamado Raul no meu bairro que foi a primeira vez que vi alguém mergulhando. Ele tinha um pé de pato e uma máscara, ele fez um arpão com um cabo de sombrinha velha e ia às pedras lá fora (no mar). Nós íamos nadando até as pedras e eu ficava em cima das pedras vendo ele (Raul), descendo e mergulhando.

Ele matava um peixe e voltava, não tinha recurso, não tinha nada. Hoje o mergulhador coloca uma fieira na cintura e enquanto aquela fieira não estiver pesando para atrapalhar, ele está enchendo a fieira, e vem embora cheio de peixes. Naquela época Raul tinha que matar, tirar o peixe que estava agarrado no arpão e vinha nadando até a areia para tirar o peixe. Olha só como é a mudança!

Eu fui vendo aquilo e fui achando legal mergulhar. Todas as vezes que ele vinha mergulhar eu nadava com ele até lá, no coral, e ficava vendo ele (Raul) descer e mergulhar.

Com esse negócio de mergulhar começamos a fazer uma brincadeira até interessante. Nós íamos nadando, parava todo mundo e descíamos para pegar areia no fundo, quem não pegava não descia mais, e com isso ia-se acostumando a descer e mergulhar. Vai-se pegando as manhas. Tinha um colega nosso que ele nunca mergulhou, mas ele sempre descia mais ao fundo para ir pegar areia, eu não ficava atrás. Eu era meio terrorzinho. Foi quando meu irmão mais velho começou a se interessar por mergulho.

Certa vez eu estava com a prancha na praia para surfar e não tinha onda. Meu irmão chegou para mergulhar. Nessa praia aqui (Itaparica) só tinha dois quiosques, duas barracas de praia, uma do Jajá e outra do Vitalino. Era um barracãozinho que vendia refrigerante, nem tinha energia, vendia no gelo. Meu irmão chegou com o material para mergulhar e falou: hoje não está bom para surfar, porque não tem onda e a água está clarinha. Você não quer ir comigo? Você fica lá me acompanhando para ver como é. Aí eu fui com meu irmão para o coral. Meu irmão matou um mero de 13 kg e quando ele subiu com aquele peixão eu fiquei encantado. Ele me deu a máscara só para eu olhar o fundo. Quando eu coloquei a máscara no rosto e vi aquela coisa colorida em baixo eu fiquei encantado, fiquei doido, foi quando comprei todo o material de mergulho e passei a mergulhar.

Quando eu saí da Santa Casa fui trabalhar no Bamerindus. Tinha um colega meu que também estava gostando de mergulho e nós fizemos uma equipe de mergulho.

Nós trabalhávamos à noite e saíamos pela manhã. Quando eu chegava em casa, por volta das 8h da manhã, colocava um cobertor escuro no vidro do quarto para dormir. Entretanto, o organismo não está preparado para dormir naquele horário, aí passamos a fazer diferente. Chegávamos do trabalho e, em vez de ir dormir, íamos mergulhar. Então de tarde estava cansado e como eu entrava no trabalho às 23h, chegava em casa 12, 13h e dormia até a hora de ir trabalhar. Era mais prático do que chegar e dormir. Foi quando começamos a mergulhar eu, Rogério, Erildo e o Guaraci. O Guaraci era do Amazonas e era especialista em manutenção de correia de mineração, ele tinha muita experiência com borracha. O primeiro barco em que nós fomos pescar foi um barco de borracha que ele (Guaraci) fez no fundo do quintal da casa dele. Nós compramos um motor pequeno e começamos a mergulhar. Era uma época boa e dava bastante peixe. Tinha muita fartura. Não se pegava para estragar porque não tinha como vender. Pegava-se só para o consumo.

Mais tarde essa região (de Itaparica), começou a crescer e aparecer movimento. Construíram Coqueiral e apareceu mais gente. Eu fiz uma parceria com Leonardo e nós mergulhávamos juntos, mas sempre pescando só para o consumo. Quando se pescava demais, distribuíamos para os vizinhos e amigos até chegar nessa fase que estamos hoje. Hoje se pesca para consumo, para se ganhar um dinheiro extra. Existem aqui (na orla), pessoas de um padrão superior que tudo o que se pega se vende. Qualquer pescado que se pega aqui na beira da praia se vende rapinho. Agora é uma necessidade do momento. Eu não estou trabalhando, estou desempregado, mas estou recebendo auxílio doença.

Nas minhas horas vagas eu vou pescar e dá para ganhar um dinheirinho. Se une o útil ao agradável ao mesmo tempo em que se está fazendo o que se gosta, está ganhando um trocadinho que dá para fazer uma comprinha. Dá para comprar a carne, a verdura, comprar umas frutas e colocar gasolina no carro. É um dinheiro que tem ajudado bastante.

Aqui na colônia tem muitos pescadores, amigos e muitos pescadores que não são profissionais, mas que gostam da prática da pescaria e se reúnem aqui. É um lugar de família e muitos que vem aqui são aposentados, é melhor do que ficar em casa, vêm para cá e batem papo agradável, tomam umas cervejinhas e até fazem churrasco. O ambiente foi crescendo. O desejo do pessoal da colônia é que um dia o Poder Público possa olhar para o pescador de uma forma diferenciada. Colocar uma colônia como tem em qualquer lugar por aí. […]

Nós temos uma orla com as praias mais bonitas do Brasil e com um mar rico de pescado. Então, tem nada que se possa fazer para se melhorar? O Poder Público não ajuda em nada, não preserva, e nem olha por nada. E fica essa dificuldade. Ver que é uma colônia registrada como colônia, e o que tem é um barracão, não tem nada ainda como uma colônia.

Os bacanas que moram nesses prédios acham que são donos de tudo, acham que porque pagam impostos para morarem em beira de praia eles mandam na praia, fazem o que querem, como querem e à hora que querem, mas não sabem que antes de eles virem para a praia já tinha os pescadores aqui há mais de 40 anos. Aprenderam a pescar, viveram a vida deles e sobrevivem até hoje da pesca.

O Zenildo e o Neném são dois pescadores que nós ajudamos. Nós que não somos pescadores de todos os dias, mas de momentos é que damos apoio para eles.

Muitas dessas embarcações que estão aí na praia não são de pessoas dependentes da pesca que nem eles. São pessoas de que têm seu emprego, outros são aposentados. Se ele não pegar nada ele tem o salário da aposentadora. Eles (Zenildo e Neném) não têm. Por isso é que alguns como eu, quando eu posso, seja no verão ou no inverno estou aqui sempre para ajudá-los e sempre à disposição, porque sei qual é a dificuldade. Eles (os pescadores) têm que pegar os frutos do verão para sobreviver no inverno. O pescador calcula aquilo que ele pega no verão e guarda uma parte para o inverno, para que numa época de dificuldade tenham um dinheirinho para poder sobreviver.

Eu acho que não tem nada melhor do que a pescaria que é um contato direto com a natureza, porém tem o outro lado, todo mundo acha que o pescado é caro. Eu queria que aqueles que acham o pescado caro acompanhassem um dia do pescador, só um dia, que fossem com um pescador no mar para ver como funciona.

Um dia pega, outro dia não pega, e se precisa do dinheiro. Quanto mais não se pega, mais cansado se fica. Quando tem peixe, quanto mais se pega, mais disposição se tem, porque é psicológico. Se você vai e está pegando, você está bem. Se a mente estiver bem, o corpo também vai estar. Quando não se pega nada vai cansando, desanimando e o pescador sabe que ele não pode desanimar porque ele sabe que quando chegar em casa tem que levar o sustento.

[Você estudou até que série?]

Eu fiz o 2º grau completo, fiz técnico de administração, de telefonia e de edificações. Fiz vários cursos.

[Você chegou a trabalhar em alguma dessas áreas?]

A última que trabalhei foi como técnico de telefonia. Quanto parei estava como encarregado e tinha seis anos como encarregado de turno em telefonia.

[Seus pais, seus avós tiveram algum contato com a pesca?]

Não, nenhum deles. Meu avô por parte de pai morava no sertão da Paraíba, em Boqueirão, Campina Grande. Não tive contato nem conheci meu avô. Minha avó por parte de pai não tenho lembrança dela, porque eu era muito pequeno, só conheço por fotografia. Meus avós por parte de mãe também não tinham ligação com pesca, só gostavam muito de peixe. Meu avô era capitão da Polícia Militar e minha avó era do lar. Todos já faleceram.

Meu pai já faleceu, mas minha mãe ainda está viva, com 84 anos. Também foi criada em beira de praia, adora peixe e frutos do mar. É uma especialista na culinária de frutos do mar, sabe tudo.

[Com que idade você começou a praticar a pesca de mergulho?]

Comecei aos 18 anos e pratiquei durante uns 30 anos.

[Como foi que você deixou de mergulhar e começou a praticar a pesca com barco?]

Quando eu tinha cinco anos de idade fui curado de uma bronquite asmática. Tive uma dengue pela 1ª vez e através dessa dengue, segundo as informações clínicas, quando você pega a dengue ela abaixa a imunidade do corpo e assim ela trouxe uma bronquite que tive na infância e se tornou crônica. Tenho bronquite crônica e sou dependente de medicamentos. Tenho que tomar medicamento pela manhã e de noite para não dar crise. Eu tinha de 3 a 4 crises por semana e vivia em pronto socorro ingerindo corticoides. Hoje, sou dependente de corticoide. Você percebe que quando eu falo, e minha voz vai embora, justamente por causa da bronquite. Eu faço tratamento da bronquite periodicamente, devido a dengue.

Uma vez fui pescar com um amigo, o Marujo. Ele me levou para pescar e eu fui, eu já tinha um barco e mergulhava. Através desse barco que eu mergulhava, o Marujo fez umas linhas e me chamou para pegar pescadinha. Como eu era curioso para pegar pescadinha fui. Antigamente tinha uma lama perto daquelas pedras, perto daqueles candeeiros de dentro, onde todo mundo só pegava pescadinha ali. Dava muita. Como eu nadava muito devido à bronquite, porque quanto mais se nada é melhor, eu nadava até perto daqueles barquinhos e via os caras pescando. Eu tinha curiosidade de saber como se pegava as pescadinhas. Ele (o Marujo) fez as linhas e eu fui com ele, aí eu me encantei. Pescar pescadinha é muito bom. Acabei me apaixonando pela pescaria de pescadinha que é a que eu mais gosto.

[O Marujo era de que ponto?]

Ele tinha uma barraca de praia, agora ele tem um quiosque aqui em Coqueiral.

Isso foi bem mais tarde. Quando fui pescar de linha. Quando eu estava trabalhando na ativa eu ficava um mês de férias e passava quase todo o mês aqui na colônia, só pescando com os meninos (os pescadores). Agora, como eu estou nessa posição, eu estou pescando todos os dias. Só não venho aos domingos porque que é o dia que estou com a minha família.

[Como era a pesca nos anos anteriores e como é hoje?]

Quando eu estava na caça submarina a fartura de pescado era muito grande, pegava bastante peixe. Aqui nesse coral, naquele roxo, eu entrava ali e com duas horas de pescaria tinha que vir embora, porque não tinha mais aonde colocar os peixes. Nós usávamos uma boinha de isopor com uma rede embaixo, tipo um saco onde […] os peixes. Peixes, lagostas, o que se pegava. Só que quando ficava pesado demais a boinha começava a afundar, não aguentava o peso, e tinha que vir embora. Pegava-se dentão, sarda de beiço, sarda de dente, sarda, chicharro, […] do cabo, perubu, bodião, batata, sem contar lagosta que tinha bastante. Hoje pode ter a certeza de que com duas horas de mergulho não se trás um quilo de peixe. Não tem mais, foi-se acabando com o tempo, não se sabe o porquê. Nós não temos nenhuma condição de dizer se é porque mergulharam demais, se o número de pescadores triplicou e acabaram com os peixes, é difícil dizer isso. Mas antigamente a fartura era bem maior do que hoje, com certeza era.

O único peixe que não parou de ser farto foi a pescadinha. Porque a pescadinha não é um peixe de beirada, ela só aparece no verão. É complicado também […] porque, segundo nós analisamos, a pescadinha, por ela ser um peixe de verão, ela vem para a beirada para desovar. Não sabemos se pelo fato de pescar a pescadinha sempre na beirada quando vem desovar, o que será futuramente. Até então ela nunca diminuiu. Todo ano é a mesma coisa, é fartura de pescadinha, por isso é que o pescador investe muito em pegar pescadinha. É um peixe saudável, limpo e de carne branca. Antigamente nós chamávamos a pescadinha de peixe de doente, porque ela não tem nenhuma impureza. Hoje tivemos uma pescaria muito boa e sempre está tendo pescadinha, até então não diminuiu.

[Qual a média de pescadinha que se pesca hoje?]

Quando o mar está bom como hoje, cada pescador trás 20, 15kg. Existem pescadores que vão pela manhã e de tarde. Aí a quantidade de peixe que se pega é bem superior de quem só pesca pela manhã.

Nós saímos para pescar quando o dia começa a clarear, quando começa a sentir o raio da claridade no mar, porque tem as ondas que atrapalham. Nós entramos às 5h, 5:30h porque é quando começa a clarear e se começa a ver os raios do sol para poder ver a ondulação da onda que está vindo para empurrar o barquinho, e vamos pescar.

Costumamos voltar às 9h porque é quando o sol começa a ficar castigante e a incomodar. Como eu gosto de pescar, se tiver peixe eu fico até as 12h.

[Como é a sua rotina como pescador?]

Meu horário de acordar é às 4h. O celular desperta às 4h e me levanto. Ligo para meu parceiro Gildo, porque ele é que tem o barquinho e me leva para pescar com ele, é o meu “mestre”. Nós chamamos de “mestre” porque ele é o dono do barco e nós somos marinheiros dele. O marinheiro é quem joga a âncora, puxa, corta a isca, empurra barco e toma umas broncas. Mas tudo em nome da pescaria, do esporte e do lazer. Vale a pena! Nós saímos nesse horário.

[Qual é o seu transporte para vir para a praia?]

Eu venho de carro e gasto da minha casa até a praia cinco min. Eu chego à praia por volta das 4:30h.

[Você prepara alguma coisa em casa para trazer?]

Eu levanto, pego minha caixa térmica e coloco gelo. Eu gosto de pegar o peixe e colocar no gelo porque ele chega à praia mais conservado. Nós chamamos de “dar choque”. Se pega a caixa térmica com gelo e coloca água do mar: a água fica bem gelada. Quando se tira o peixe do mar, do anzol, e joga na água gelada ele (o peixe) dá só uma rabanadinha, e morre no gelo. Fica durinho, fresquinho e chega à praia com o aspecto de um peixe saudável. Não fica um peixe molenga, fica durinho como se tivesse tirado da água naquele instante. É mais fácil de vender e de conservar.

Na maioria das vezes, minha filha de treze anos faz meu lanchinho no dia anterior e deixa tudo prontinho para eu levar para o mar.

[O que você faz antes de entrar no mar?]

O primeiro que chega é quem abre o barracão, eu não abro o barracão porque não tenho a chave, não faço parte da colônia, então eu fico esperando o primeiro que chega para abrir o barracão. Eu sei que meu “mestre”, o dono do barco, ainda não chegou e enquanto ele não chega, tenho que providenciar os remos, preparar o barco, limpar o barco se estiver sujo. Preparo o barco e deixo na posição para quando o mestre chegar agilizar mais rápido para ir para o mar.

[Vocês vão para o mar no remo ou a motor?]

Quando o peixe está comendo na beirada é um peixe de lama. A lama do mar é uma lama limpa, saudável. Tão saudável que dá esse peixe que é uma maravilha. Desta forma, se o peixe está na beirada vamos de remo, porque é muito difícil colocar o motor no mar, é pesado e ainda existe risco de perder o motor porque, as ondas podem estar muito altas. Daí, não ter necessidade de quando o peixe está na beirada de entrar de barco a motor, entra-se de remo.

Na maioria das vezes, o peixe costuma comer lá fora. Quando é mais longe, vamos de motor. Quando o motor está com problemas vamos de remo, e na volta sempre tem um colega para rebocar, que ajuda a retornar.

[Quanto tempo se leva daqui da praia até ao local da pesca?]

Gastamos vinte minutos.

[O que tem que levar no barco?]

Mesmo sendo barco de motor tem que levar o remo e caixa para colocar o pescado. No meu caso eu levo uma caixa térmica com gelo, nosso lanche, colete salva-vidas para a segurança e o bicheiro, que é um anzol grande na ponta de uma haste forte para o caso de se pegar um peixe grande que a linha não suporte. É necessário para jogar para dentro do barco. Tem que ter o bicheiro para fisgar e puxar para cima do barco. Levamos as caixas de linha e cada pescador tem seu saco de linha. Nós chamamos de “paradinhas” que são uns pedaços de isopor com as linhas enroladas com anzol, linhas e chumbada. Sempre levando de sobra, porque nunca se sabe. Pode-se perder uma linha e com uma só linha não se mata tanto peixe.

[E quando chega o que tem que ser feito?]

Quando chegamos sempre tem alguém para puxar o barco para cima. Chegamos e tiramos tudo do barco, às vezes joga-se uma água no barco. Hoje não fizemos devido à quantidade de peixe que tem para limpar, mas amanhã nós iremos lavar o barco.

Recolhe-se tudo o que tem no barco, vamos para a banca e começamos a limpar nosso pescado. Limpamos, pesamos, ensacolamos e fazemos as porções de 1kg, também fazemos as bandejinhas de filés. Pesamos 2kg de pescadinha para fazer uma porção de 1kg de filé e os pacotinhos de 1kg.

[E a venda?]

Vendemos na colônia, outros levamos para casa. Tenho uns clientes na minha rua que compram o pescado. O quilo da pescadinha esse ano está custando R$ 10,00. Pode ser que no próximo ano venha a subir de preço, está muito barato R$ 10,00.

[Você pratica pesca de anzol e linha?]

O “mestre” Zenildo, mais conhecido como Meloso tem rede de arrasto. Quando aparecem cardumes de beirada: cardume de sardinha, chicharro e manjuba a rede de arrasto é lançada e precisa de bastante mão-de-obra para puxar essa rede. Funciona assim: a rede sendo do Meloso, quando se pega o pescado, 50% do pescado é do material dele, pertence à rede e ao barco dele, os outros 50% são divididos entre aqueles que ajudaram a puxar e a tirar os peixes da rede.

Quando ele vende o pescado nós acompanhamos. Ficamos aqui na praia com ele, ajudamos na pesagem para facilitar o trabalho dele e ele vai recolhendo o dinheiro. Às vezes tem alguém só para ficar segurando o dinheiro do pescado e, quando termina de vender todo o pescado, ele faz o rateio. Tira a parte dele, conta o dinheiro que é da parte do material dele, e a outra parte é dividia por partes quase iguais, porque ele não solta a rede sozinho. Mesmo ele sendo dono da rede não tem como ele soltar a rede sozinho, ele sempre terá um marinheiro para soltar a rede e remar. Esse que rema a rede ele ganha uma cota a mais. O marinheiro ganha duas cotas, ganha a cota por estar remando e a cota da divisão dos 50% da parte.

[Vocês também praticam a pesca de rede de fundo?]

Sim, também praticamos. A rede de espera nós chamamos de trasmalho. Existem trasmalhos de tamanhos diferenciados, como a malha para berezeira, que é para peixe menor, e a malha maior para peixes maiores. Elas ficam em cima da lama, onde passam as corvinas, pescadas, linguados e guaiabira. Essa é a rede de espera.

[E a rede de fundo?]

Existe uma rede de fundo que é rede de arrasto. Eu estou falando da parte de trasmalho. A rede de fundo nós não temos, não praticamos rede de fundo porque não funciona, aqui tem pedras, com pedras no fundo não dá para fazer arrasto de fundo. Arrasto de fundo só lá para cima, em Itapuã.

[E a rede boieira?]

A rede de arrasto que nós temos é a boieira. Existe a rede de arrasto boieira e a de fundo, e existe o trasmalho boieira e o de fundo. O trasmalho boieira é aquele que fica com a boia, que fica boiando. É para pegar peixe de passagem (que passa) como a coibira, a sarda, o pampo, a samendoara e a enchova. São os peixes que vêm na rede boieira.

Na rede de fundo, de trasmalho de espera, são os peixes que passam pelo fundo como a pescada, o linguado e a corvina, e costuma malhar também as lagostas que estão no fundo, próximo aos cascalhos. Costuma-se pegar lagosta na rede malhada de fundo.

A rede de fundo da qual estou falando é a que tem a malha maior. Eu não sei se é a malha 50 ou 75. Tem ainda a rede berezeira que é uma rede de malha menor, que pega outros tipos de peixes. A própria pescadinha malha nessa rede menor, o pé-de-banco, a corvina menor e o peixe relógio que dá muito durante o verão. Outros peixes que passam: a pescada dentuça malha muito na rede berezeira, que é uma rede pequena. É um peixe muito saboroso, tem um gosto bom e costuma dar um bom dinheiro para o pescador.

[Como é a prática de pesca com anzol?]

Aqui nós pescamos com nylon 100, que é um nylon para descer o peso, e lá em baixo usa-se o nylon 60, onde ficam os anzóis. A melhor isca que costumamos usar para esse tipo de pesca é a sardinha e a tainha, que nós compramos. Costumamos comprar mais à frente, na praia de Itapuã, quando puxam rede e pegam cardume de sardinha, mas esse ano a sardinha não tem encostado muito na beirada.

Temos saído para pescar mais lá fora e temos visto bastantes cardumes de sardinhas. […] Alguns dizem que é por causa da água fria, que elas não estão encostando-se à beirada. Mas eu não acredito porque nos meses de janeiro e fevereiro a água esteve morna e mesmo assim o peixe não migrou para a beirada. Então esse ano a pesca da sardinha, que é a melhor isca para a pescadinha, ela não favoreceu o pescador, tivemos que comprar fora, na cooperativa que traz de Cabo Frio, Angra dos Reis e de Santa Catarina, as caixas de iscas, porque ele é um fornecedor de iscas para as grandes embarcações que pescam em alto-mar. Nós compramos as caixas de iscas que vêm de fora.

[Há quanto tempo você pesca nesse ponto de Coqueiral de Itaparica?]

Mais ou menos há uns dez anos.

[Você já pescou em outros pontos de Vila Velha?]

Já pesquei em muitos lugares de Vila Velha. Já pesquei em todas as praias de Vila Velha: Praia da Costa, Itapoã, Itaparica, Barra do Jucu, Interlagos, Ponta da Fruta e Praia do Sol.

[Quais são suas lembranças desses pontos de pesca?]

Não existe praia e mar para se pescar como Itaparica, isso aqui é minha paixão. Sou apaixonado por Itaparica. Se Vila Velha não fosse um lugar tão esquecido pelo poder público nós teríamos uma vida bem melhor, seria uma maravilha. A praia de Itaparica é um paraíso. Poucos entendem e valorizam. A maioria que mora não valoriza o que tem, às vezes não valorizam nem o próprio pescador. Uns acham que os pescadores fedem e incomodam, outros vêm aqui e trazem um tira-gosto, um suco ou refrigerante, vêm saber por que ainda não temos uma colônia adequada para o nosso pescado, outros acham que é nojeira e olham de longe, preferem ir ao supermercado comprar aqueles peixes velhos, congelados e fedorentos. Mas o cheiro do nosso (peixe) é de fresquinho e não dão nenhum valor.

[Por quanto tempo você ainda pretende pescar?]

Meu desejo é um dia me aposentar e só me dedicar à pesca enquanto eu tiver saúde. Isso aqui é minha vida. Sou apaixonado por pescaria e por beira de praia. Nasci em beira de praia e quero que quando papai do céu me levar […] Se pudesse ser enterrado o mar. Ser jogado no mar igual aos tripulantes de navios.

[Qual a maior lição que você leva com sua experiência com a pesca, o que você mais aprendeu e o que você transmite para suas filhas?]

O que eu transmito às vezes até incomoda porque mesmo estando pescando e levando tudo para casa eles se preocupam muito. Reclamam que chego do mar e não digo que cheguei, ficam muito preocupados. Não sabem eles que não tem coisa melhor: o relaxamento mental, o bem-estar de estar pescando. Isso se leva para casa. Você fica mais calmo e mais tranquilo, tanto na fartura, quanto na dificuldade, é muito bom. É uma lição de vida maravilhosa, apesar de a maioria dos pescadores não ter muita cultura e às vezes isso dificulta o convívio. Mas tem que usar a sabedoria para um entender o outro.


[Entrevista exclusiva para o site Estação Capixaba. Reprodução autorizada pelo entrevistado.]


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