Introdução
A pesquisa foi realizada entre outubro de 2013 e março de 2014, tendo sido entrevistadas 21 pessoas, predominantemente pescadores estabelecidos na Praia de Itapuã, na Praia da Costa, Praia do Ribeiro, Prainha e Barra do Jucu, priorizando-se aqueles com maior experiência, fluência de comunicação e disposição para participar do projeto. Foram incluídas algumas entrevistas com familiares e outros participantes da pesca para enriquecimento e apresentação de outro viés da atividade.
Em cada entrevista, além das gravações de voz com os relatos de vida, história pessoal e experiência do pescador, foram produzidos fotografias e vídeos. As fotografias reproduzem o entorno, artefatos da atividade pesqueira e ângulos do entrevistado, enquanto a maior parte dos vídeos mostra os pescadores em suas atividades rotineiras, esclarecendo diversos elementos dessa atividade.
Os registros produzidos revelam história familiar, pessoal e profissional, informando sobre rotinas, origens do aprendizado, técnicas empregadas na pesca e na produção de artefatos, tipos de pescado encontrados e etapas da comercialização. Paralelamente às entrevistas foram registradas observações de processos em andamento, como puxada de redes, preparação de iscas, limpeza de pescados para venda, reparos e preparação de redes.
Em termos de ambiente, observam-se em cada um dos grupos elementos comuns: barcos reunidos na areia, redes espalhadas ou penduradas em árvores, barracões nos quais os pescadores guardam seus apetrechos menores, bancada para limpeza e venda do pescado e homens reunidos, entre pescadores e ajudantes.
Eles saem cedo para o mar, por volta das cinco ou seis horas da manhã, e voltam de lá com o que conseguiram na pesca com anzol e também com as redes de espera. Trazem o produto no fundo do barco mesmo, sendo ajudados por aqueles que não saem de terra, que arrastam o barco para cima e levam os peixes em baldes ou caixas para a bancada, onde serão limpos e vendidos.
A pesca de anzol é feita no um a um, pendendo de cada barco cerca de seis linhas com iscas que ao mais leve sinal são puxadas uma a uma para trazer abordo o pescado, quando este não escapa levando consigo a isca. Essa pesca é lenta e nem sempre traz bons resultados, mas ainda assim é prática constante entre os pescadores artesanais juntamente com as demais técnicas.
A pesca de arrastão não tem hora certa, depende da aparição do cardume. Quando aparece todos se agitam: correm para o barco, que já tem dentro a rede de arrasto preparada, deixam uma ponta dela em terra, com alguns homens, partem para o mar, cercam o cardume e trazem a outra ponta da rede que será puxada, trazendo para a areia o resultado do esforço. Muitas vezes, e são muitas mesmo, a malha traz pouca coisa, deixando todos decepcionados. Mesmo assim a partilha é feita: metade vai para o dono da rede e a outra metade é dividida entre aqueles que ajudaram na puxada, e cada um leva pra casa o seu quinhão, garantindo o almoço do dia. Em dias de pesca magra nem pequenos siris escapam, servindo de almoço para os mais necessitados. Se a pesca foi boa, faz-se a venda do excedente aos transeuntes, alguns poucos fregueses que vêm à procura de peixe fresco, normalmente pequenos e escassos.
A comercialização vem em sequência à chegada do pescado, seja dos barcos, seja do arrastão: o peixe é trazido em caixas e baldes e colocado sobre a banca. À medida que os fregueses chegam fazendo seus pedidos, o pescador dono da rede e do barco, ou seus auxiliares, preparam o peixe removendo escamas e entranhas, cortando a cabeça e algumas vezes fazendo filés, se o peixe for maior e se assim quiser o freguês.
Além da atividade pesqueira em si, há outras que correm paralelamente a ela e que complementam o universo da pesca artesanal. A confecção, preparo e conserto das redes, por exemplo, o preparo de iscas, a manutenção dos barcos, a comercialização e a socialização de todos os elementos, entre os quais os próprios pescadores, aqueles que, não possuindo barcos nem redes próprios, auxiliam os que os possuem, assim como alguns dos familiares que de alguma forma participam da atividade.
Em termos de socialização, fora dos momentos da pesca, observa-se a predominância da camaradagem e, em muitos dos pescadores, a permanência no local da pesca mesmo quando não há perspectiva de atividade. É nesses momentos que os pescadores tiram tempo para remendar e preparar redes.
Os barcos são, de maneira geral, comprados do Estaleiro da Glória (Vila Velha). Já as redes são compradas em panos, a metro, em lojas especializadas (alguns citaram a Vila Rubim, Vitória, ES), e preparadas na praia, presas a cordas e boias, reunindo diferentes malhas, conforme a aplicação que se pretende.
Uma das peculiaridades observadas é a prática de dar nomes aos barcos. Predominam nomes próprios femininos intercalados vez ou outra por dizeres como Peixe que é bom nada, Malha miúda, Vai com Deus, Ave indomável, Rainha do mar, Minha vitória, Só tomando uma, e outros nomes como Sigma, África do Sul, Gabiroba, Santa Júlia, França, entre tantos outros.
Raros são os artesãos que ainda tecem redes. Um dos entrevistados, o senhor João da Cruz Cardoso, o João de Zeco, é um desses poucos. Atualmente aposentado, mora em Itapuã, no mesmo local em que sempre pescou. Em sua casa há um cômodo destinado à sua atividade, onde guarda todos os seus apetrechos e também as redes prontas, que faz por encomenda para clientes de fora, inclusive do Rio de Janeiro. Costuma trabalhar em sua varanda, de onde de vez em quando olha para o mar enquanto tece com suas mãos ágeis. É dos poucos sobreviventes nessa arte, se não o único em Vila Velha. Não tivemos oportunidade de encontrar outros.
Ao longo do trabalho foram perceptíveis as grandes dificuldades encontradas por esses profissionais no dia-a-dia para garantir a sobrevivência com os poucos recursos advindos do mar. Pôde-se observar que a maioria dos mais antigos pescadores vive exclusivamente da pesca e deixaram patentes suas insatisfações e tristezas com a escassez de pescados com os quais muitas vezes não conseguem sequer alimentar a família. Reclamam principalmente da pesca industrial, que tudo leva em seus balões, extinguindo espécies há poucos anos presentes em nossos mares, como é o caso do peroá, da anchova, da sarda, da garoupa, que hoje só raramente são encontradas.
Observa-se um arrefecimento na prática artesanal. As novas gerações não são incentivadas pelos pais a dar continuidade à prática, posto que estes não veem nela nenhuma possibilidade de futuro para seus filhos. Com isso podemos recear que em futuro bem próximo a pesca artesanal faça parte apenas de nossas lembranças.
De maneira ampla, nosso objetivo foi registrar aspectos da memória da pesca artesanal em Vila Velha para preservar e divulgar alguns de seus aspectos mais importantes e perpetuar lembranças de seus principais protagonistas.
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