Entrevistado: Marcelo Farik Rego
Entrevistado: Marcelo Farik Rego
Grupo ao qual pertence: Barra do Jucu
Entrevistador: Fernanda de Souza
Data da entrevista: 26/03/2014.
Local / data de nascimento: Barra do Jucu, Vila Velha, 1968
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[Como foi sua infância e adolescência?]
Foi como todo menino de bairro pequeno. Sempre vivi na beira do rio, pegando camarão, caranguejo, siri e pescando. Essa foi minha infância.
[Quais eram as brincadeiras que vocês tinham?]
A brincadeira favorita era brincar na beira do rio. Como nós éramos pequenos, não íamos muito à praia, mas brincávamos muito na beira do rio. Na minha infância a água do rio era 100% limpa. Agora é só poluição.
Quando voltávamos da escola tirávamos a roupa e íamos para a maré, onde minha mãe estava lavando roupa. Tomávamos banho e brincávamos de pique-esconde.
[Qual a sua escolaridade?]
Estudei até o 2º ano do 2º grau, não cheguei a fazer curso profissionalizante. Estudei na Escola Marcílio Dias, na Barra do Jucu, depois na Maria Ermelina, na Francelino Setúbal e Manoel Veloso.
[Fale sobre seus pais e avós, eles trabalhavam com pesca?]
Meu pai era de Alfredo Chaves e de descendência pomerana, daí meu sobrenome ser de descendência pomerana. Ele (meu pai) era da roça. A minha mãe nasceu e foi criada aqui na Barra do Jucu, de onde vem a experiência da prática da pescaria, dos meus avôs e tios, todos eles eram pescadores. Meu avô por parte de mãe criou 18 filhos com a pesca. Meu avô paterno tinha fazenda e sítio.
Da parte da minha mãe é que vem a habilidade da prática da pescaria. Meu avô já faleceu, mas meus tios ainda continuam na pesca.
[Foi com seus avós e tios que você teve contato com a pesca?]
Foi com meus tios, na época do meu avô eu era muito pequeno tinha uns 10, 11 anos de idade. Nessa época a pesca era muito rígida e não era qualquer pessoa que ia pescar. Hoje, é uma bagunça, qualquer pessoa coloca um barco para pescar. Antigamente tinha o capataz, que era uma pessoa que regulamentava a pesca, hoje não existe mais isso, hoje o camarada coloca um barco na beira da praia e vai pescar.
Eu comecei aprender a pescar depois dos meus 16, 17 anos, foi quando comecei a sair para o mar junto com meus tios.
[Qual a profissão do seu pai?]
Ele trabalhou um bom tempo na prefeitura e depois ele passou a cuidar de fazendas e de terrenos. Minha mãe era do lar.
[Como foi o seu primeiro contato com a pesca?]
Havia muita fartura. Na minha época de 14, 15 anos nós íamos pescar e se via mais peixe do que água, bem diferente de agora. Era muito peixe e na maioria das vezes se guardava o peixe de um dia para o outro na folha de baúna, isso era uma tradição que se usava aqui. Guardavam o peixe na beira do nosso rio, onde antigamente era o posto médico, era a peixaria dos pescadores. Hoje nós não temos mais. Dava tanto peixe que se colocava na folha de baúna e o sereno servia de refrigerador, porque nos não tínhamos urnas, nem gelo, era dessa forma que se conservava o peixe. Dava muito peixe, camarão, siri. Siri nós pegávamos com o pé, não existia bereré. Nosso rio era farto. Naquela época existia rio, agora não existe mais.
[Como você ia pescar com seus tios?]
Sempre houve a curiosidade do querer ir. – Tio me leva? E assim foi caminhando. Fui uma, duas, três vezes até começar a ir sozinho. Com meus 20 anos já não tinha mais aquele rigor como antigamente que comentei antes, dos capatazes e dos xerifes da pesca. Já começou a perder o controle e dar mais liberdade para se fazer a pescaria. Não sei se foi bom ou ruim.
[Como era a Barra do Jucu antigamente?]
Não existia a Barra do Jucu, existia aqui uma vila de pescadores. Para se ter uma ideia os pescadores antigos nem conseguiam vender os peixes aqui na vila. Como tinha muito peixe, o pescador tinha que sair para tentar vender em Vila Velha, em Coqueiral e outros locais que não me lembro do nome.
Desde a época da vila dos pescadores já havia a cultura das bandas de congo. Foi aí que nasceram as bandas de congo que participavam os pescadores mais antigos da Barra do Jucu. A participação era por amor e não por interesse financeiro.
A pesca era farta e o local era muito tranquilo.
[Como era a pesca antigamente e como é hoje?]
Isso é muito simples de se falar. O que acontece: a vida do mar necessita da vida do rio. Se o rio perde a vida, o mar também perde a vida. A quantidade de peixes que encostavam para se alimentarem na beirada do rio, hoje não chegam mais. Muitos pescadores reclamam que não tem mais cardume de sarda, chicharro e de outros peixes. É porque não temos mais o rio como era: grande, fundo e bonito, por isso não temos mais peixes na nossa costa.
A comparação que pode ser feita hoje com antigamente é que era um rio com quase 20m de profundidade, hoje tem 2m. Eu estou falando do rio porque ele alimenta o mar, todo pescador vai falar isso […] A maioria dos peixes desovam no rio.
[E a quantidade?]
Antigamente, na época da enchova que era um peixe que dava bastante, se trazia fácil uns 200, 300kg por dia. Hoje nem se pega enchova, é difícil, se pega 40, 50kg. A proporção caiu muito.
[E que tipos de peixes se pescava?]
A enchova, o xaréu, o chicharro, a sarda, a manjuba de lomba azul, uma larga. E sardinha dava pouco. Nós dávamos redadas aqui de pegar 200, 300kg para mais. Hoje ela nem chega na costa, isso acontece porque ela está nas águas mais limpas, porque a sardinha e a manjuba só nadam em águas limpas.
O baiacu sumiu e a nossa peroá desapareceu. Será que foi a pesca de linha que fez com os peixes sumissem? Eu não acredito. Porque nossa pesca de linha é bem artesanal. Acredito que seja a pesca industrial que entrou, que tenha conseguido dar esse sumiço nos peixes, juntamente com as pesquisas das nossas grandes empresas, a Petrobrás etc.
[O que você acha que tenha causado o sumiço e a redução dos peixes?]
Pelo pouco que eu sei, acredito que seja pela grande exploração que está existindo no mar e os grandes navios chamados “chupa cabras” que vêm detonando tudo. Os “chupa cabras” são navios de pesquisa.
Tenho amigos que pescam lá fora, no barranco principalmente, e dizem que quando sai um navio vem um rebocador na frente mandando todo mundo sair da frente do navio que está passando, porque ele vem com um cabo fazendo sondagem.
[São as traineiras?]
Não, a traineira é outro detalhe, elas também interferem no nosso pescado.
[Desde quando começou a aparecer essa mudança?]
Isso tem em torno de uns 20 anos para cá que vem caindo bastante. Vou fazer pela minha idade: quando em tinha 26 anos eu ia pescar peroá e conseguia trazer com pouco tempo de pesca aqui perto umas 4, 5 caixas de peroá. Hoje vou lá e nem vejo peroá.
[Atualmente a pesca é a sua única fonte de renda?]
Antes eu trabalhava em empresa. De 2005 para cá eu defini a pesca como meu único rendimento mensal e até hoje vivo exclusivamente da pesca. Eu sobrevivo da pesca, o que eu ganho, o que eu tenho e o que pago é com a pesca, com muito sacrifício e luta, mas…
[Hoje, quais são os peixes que mais se pesca?]
Hoje é a coibira e a pescadinha, que sempre tem. Uma vez ou outra nós pegamos umas pescadas, uns robalos, mas em menor quantidade.
[Esses peixes têm época ou se pesca durante todo o ano?]
Todo peixe tem sua época que dá maior quantidade. A coibira, na meada de dezembro até meada de março ela ainda dá bem, depois começa a aparecer uma, duas, mas em menor quantidade. O robalo entra no período de defeso, que não se pesca, e quando sai do defeso se mata 2, 3 ou 4, não é grande coisa também. O forte da sarda é de dezembro até fevereiro, mas esse ano foi bem fraco, fraquíssimo, até a sarda está começando a enfraquecer. A pescadinha esse ano foi bem melhor, nós pescamos a pescadinha à noite, o que fica mais sacrificado porque tem que pescar às 0:00h, 1h da manhã para chegar em terra às 9 ou 10h, é uma pescaria mais puxada. Antes se pescava (a sardinha) mais cedo, entre 20h até 23h, mas está bom, enquanto estiver pegando está bom.
[Como é sua rotina como pescador?]
Geralmente o pescador acorda entre 4, 4:30h. Quando se está com rede armada, seja rede de fundo ou boieira, vai-se mirar as redes, quando se está pescando de linha, vai para a linha. Esse horário de acordar é variável, como tem peixes que comem à noite, se pesca à noite e não tem hora de acordar.
O meu peixe eu não entrego para o cambista (atravessador), eu mesmo pego, beneficio, guardo e vendo para o mercado. Eu tenho duas etapas de trabalho: a do mar e a de terra. Quando chego pego meu peixe, vou para minha peixaria, limpo e guardo. Usualmente eu acordo às 4h da manhã e trabalho até às 16h com peixe. Detalhe: como nós temos umas redes boieiras armadas que miramos sempre entre 16h até as 18h, então praticamente o horário é das 4h da manhã até às 17h.
Se o peixe estiver comendo (a pescadinha), vou dar uma pescada. Saio para pescar às 4h, por volta das 8h ou 08:30h saio e miro minhas redes para não deixar o peixe ficar muito tempo e venho para terra.
[O que você faz quando chega em terra?]
Primeiro coloco a embarcação para cima, limpo o barco, junto o peixe e trago. Nós temos um morro para atravessar o peixe, um morro de 500m de subida e de descida. Venho para casa, trato e limpo todo o peixe e empacoto. Alguns eu vendo, outros coloco no meu freezer para congelar.
Limpo meu peixe em minha casa, não existe beneficiamento em praia. Eu não faço, se alguns companheiros fazem eu não vejo. Na nossa área de pesca não tem comercialização. Se vende um peixe ou outro para o turista, mas não tem banca de venda. Do outro lado da praia tem uns companheiros que colocam umas banquinhas e vendem o peixe. Mas já é em outra praia. Existem duas praias. A nossa área de pesca é na praia da Concha e tem a praia de Frente, que é o […], são duas praias diferentes.
[Como é o processo de preparação as redes?]
Existem três tipos de redes: a rede de fundo, porque fica no fundo da água, é uma rede mais baixa; a rede boieira, que fica na superfície; e a de caída, que é uma rede boieira, mas só não deixamos cair de mar abaixo. A boieira, muitas vezes, ela fica fixa.
[Você produz ou compra a rede?]
Nós compramos o pano da rede e aí entralha. Entralhar é colocar a distância de uma boia para outra e entralhar a rede na corda. Isso é entralhar rede. Depois é o chumbo que é embutido dentro da corda e entralha a parte do chumbo. Desta forma se faz a boieira e a rede de fundo.
Hoje a rede é comprada, na época do meu avô era confeccionada à mão. Uma rede dessas leva no mínimo três meses para se feita. Como hoje ela é feita à máquina, se compra a rede, coloca-se no mar e pesca-se. Nesses três meses você está pegando peixe.
[O que é linha de fundo?]
É a pesca de mão. Nesse tipo de pescaria se pega pescadinha, pé de banco, baiacu, peroá, oreocó. A linha de fundo é o anzol, a linha e o chumbo. Geralmente se joga a linha com três anzóis.
A rede de espera é uma rede boieira que fica armada, como nós temos na nossa área de pesca. Ela espera o peixe passar. A rede de fundo é a rede que fica na parte mais baixa do mar, é uma rede mais baixa, por isso que se fala rede de fundo. Pega-se vários tipos de peixes como pescadinha, pé de banco entre outros. É uma rede de fundo, mais baixa. A rede boieira, é a rede do alto, ela é flutuante, e a de fundo é mais baixa.
[E o processo de arrastão?]
O arrastão é a puxada na praia. Arrastão vem de arrasto: faz-se o cerco com uma rede e puxa-se com uma corda na praia, essa é a puxada de arrasto. Nós temos cinco ou seis redes de arrasto. Eu não sou muito chegado à rede de arrasto porque depende de várias pessoas e envolve muita gente para se fazer a puxada. É uma rede muito grande. Eu prefiro trabalhar com a boieira, a de fundo e a de linha.
[Você vai verificar suas redes todos os dias?]
Vou todos os dias, faça chuva ou sol tenho que olhar a rede. Tem que estar sempre prevenido com o tempo porque quando o tempo mudo tem que se retirar as redes e colocar em terra. Por exemplo: no sábado para o domingo entrou vento sul e colocamos nossas redes em terra, porque se o mar engrossar se perde tudo, principalmente aqui na Barra, é terrível. E se perde rede de R$ 500,00, 600,00, 700,00. Eu tenho de três a cinco redes dentro d’água, então é um prejuízo.
[O que é mirar?]
Mirar não é tirar, a rede de espera não se tira só mira, levanta-se o chumbo mirando (olhando) todo o pano para ver se tem peixe e deixa-se no mesmo lugar. Chama-se rede de espera porque ela fica esperando. Quando está rede suja tira-se, lava-se e retorna-se para o mesmo lugar. Se o mar ficar bravo, recolhe-se e traz para a terra. O peixe é tirado lá no mar e lá a rede permanece.
[Tem alguma diferença entre a rede de espera e a boieira no momento de se colocar as redes?]
Não, porque as redes são praticamente iguais, as redes são feitas no padrão. Retira-se a rede do local onde ela está com o tamanho certinho, quando se coloca é a mesma coisa. Não tem nenhuma diferença.
[Sempre se colocam os dois tipos de redes?]
Isso depende do pescador. Tem pescador que gosta de trabalhar com a de fundo e outros gostam de trabalhar com rede boieira. Eu gosto de trabalhar com rede boieira. Eu tenho rede de fundo, mas quase não trabalho com rede de fundo.
[Porque você gosta de trabalhar com a boieira?]
Porque ela trás mais rendimento de quantidade de peixes. A de fundo suja muito pelo fato dela ficar no fundo e dá muito mais trabalho e menos produção. A boieira eu posso colocar em vários pontos diferentes, e a quantidade do peixe é melhor, menos sujeira na rede e até menos trabalho, fica mais fácil de trabalhar. Isso a gente vai aprendendo com o passar do tempo, eu já sofri muito com rede de fundo.
[E a pesca de linha? Que instrumentos são necessários para esse tipo de pesca?]
Geralmente se usa um burrinho, que é um ferro que se enverga e se faz um L, com um chumbinho no meio, e coloca-se um cabo. Em uma linha vem um prendedor no burrinho. O burrinho é feito de um ferrinho de latinha de tinta com chumbo, um distorcedor com uma pernada de nylon, com três anzóis, isso é a linha de fundo e com isso se pega pescadinha. Antigamente se pegava peroá, se pega também o baiacu, é uma linha simples.
[Com quantos conjuntos desses você pesca?]
De forma geral pescamos com duas linhas, uma na direita e outra na esquerda, e se estiver bom se pesca com uma boieira, que é uma linha que se joga para trás. Coloca-se uma boia com um anzol maior, onde se pega uma espada, um xaréu ou uma enchova. Sempre se pega um peixe melhor na boieira.
[Você pesca sozinho ou você tem um ajudante?]
Frequentemente meus irmãos pescam comigo ou vou com um companheiro de pesca. Entretanto hoje em dia está difícil encontrar um companheiro certo de pesca, ajudante é mais difícil ainda.
[Porque essa dificuldade?]
Devido ao rendimento da pesca ser muito baixo. Às vezes é preferível pescar sozinho. Por exemplo: se pescar 10 ou 6kg de peixe, como se vai dividir para dois? Na época da coibira, se pegar 200kg de peixe tem que dar para o companheiro pela ajuda, tem que dar peixe para os dois que trabalharam.
A pescadinha o pessoal pesca sozinho, porque é uma pescaria fácil, tranquila de se fazer e o rendimento é bom.
[Você tem barco?]
Sim, eu tenho um barco, tinha dois, mas um eu vendi. O nome é Aquático.
[Porque esse nome?]
Porque vem de um apelido meu. De forma geral os pescadores têm apelidos. Graças a Deus, comigo nenhum apelido pegou, mas eu tinha um amigo que sempre me chamava de homem do fundo do mar, Aquático. Ele é dono de uma pizzaria. Aí, quando comprei meu barco, coloquei o nome de Aquático. Já tenho meu barco há uns dez anos, ele é o meu “ganha pão”.
[Há quanto tempo você pesca nesse ponto da Barra do Jucu?]
Desde que me entendo por pescador, sempre pesquei aqui. O meu forte sempre foi na Barra. Já fui pescar em outros lugares como no rio Mucuri, Anchieta e Piúma, mas como diversão, não como profissional.
[Quais são sua lembranças desse ponto da Barra do Jucu?]
A minha infância não foi uma infância de garoto saído, como os jovens de hoje, que vão a toda parte. Nós naquela época não tínhamos essa liberdade, era de baixo da guarda da gururumba, sempre vivemos de baixo da guarda do pai e da mãe, era regime de pai e mãe.
Daqui da Barra eu me lembro: de quando dava ribada de manjuba, não me esqueço nunca. Era manjuba de sair pelo ladrão da rede, às vezes até estourava de tanto peixe.
Meu tio Geovani era um homem de 2m e forte. Ele gritava na praia, lá de cima, – manjuba! – e o baiateiro ouvia. Essa é uma boa lembrança que tenho. Aqui sempre deu muito xaréu, ele descia aquele morro da Concha, onde nós pescamos, com cinco xaréus nas costas, cada um com 12, 15kg.
Na praia tinha muita pitangueira e nós saíamos para catar pitangas. Em um quilômetro nós catávamos 10l de pitangas, hoje não tem mais isso, acabou tudo. Lembro-me do nosso rio e da nossa ponte. Quando nós chegávamos da praia, mergulhávamos na ponte e saíamos do outro lado. Colocávamos a roupa e com isso já tinha tomado banho, não tinha chuveiro, era de baldinho, tinha o rio que nos dava esse apoio. Nós tomávamos banho nessa beirada de rio, isso fica em nossa lembrança.
Havia muita fartura de camarões e siri, isso acabou, o rio está praticamente morto, não tem mais siri nem camarão, não tem mais nada, só esgoto.
[Quais são os pontos negativos, as dificuldades da vida de um pescador?]
Eu vejo o seguinte: você tem que fazer na vida o que gosta e se ainda existem pescadores no mundo é porque eles gostam do que fazem porque se eles não gostassem do que fazem eles não seriam pescadores. […] O pescador hoje em dia, do jeito que ele está sendo sufocado, só o é porque gosta do que faz. Ninguém vai sair de casa, do quentinho, às 4:30h da manhã, debaixo de chuva, muitas vezes, para mirar rede e ganhar seu sustento. Mas ele está fazendo porque gosta. Eu faço com maior prazer. O pescador que sobrevive da pesca, o faz porque gosta, não é por brincadeira ou diversão.
[E os pontos positivos?]
É gostar de se fazer o que se gosta, não estar prestando satisfação ao patrão, você é o seu patrão. A parte boa é que se você não estiver a fim de pescar, pega as redes, coloca em terra e fica três dias sem pescar. Vou descansar um pouco. É claro que tem que ter suporte, não se vai entrar em dificuldade para fazer isso, essa é uma das vantagens. Outra coisa boa é o conhecimento que se tem com o mar e com a natureza. Muitas vezes nós pescadores vamos às reuniões e chegam os engenheiros de pesca, coordenadores de projetos e querem aprender conosco, isso é muito lega, poder repassar os nossos conhecimentos, como estamos fazendo aqui.
[Qual a maior lição que você leva para sua vida da sua experiência como pescador?]
Eu creio que o que mais se aprende com a vida de pescador e que procuro passar para minha família é que a natureza merece muito respeito e além de tudo saber trabalhar com a natureza. Não adianta medir força com a natureza seja em relação ao vento, ao mar e a chuva. Hoje estamos tendo grandes exemplos sobre isso, de cidades que o mar está tomando conta e enchentes. Não adianta querer brigar com a natureza e sim respeitá-la. Não é ter medo, é respeito.
[Você pretende pescar até quando?]
Até eu me aposentar, mas não é parar de pescar, continuar pescando de uma forma […] Sempre converso com meus amigos, não é porque vamos aposentar que vamos parar de pescar. Nós não conseguimos perder a rotina, mas nosso ritmo de trabalho vai diminuindo porque a idade também chega. Eu pretendo me aposentar, mas continuar pescando com um ritmo menor: acordar às 6h, fazer uma pescaria mais leve ou outros tipos de pescaria, ajudar nosso rio, fazer passeios pelo rio, fazer outro tipo de atividade, mas dentro da área que também seja da pesca.
[Você se se imagina fazendo outra coisa que não seja trabalhando com a pesca?]
Hoje não. Já tive oportunidade para isso, posso até fazer outra coisa, mas que seja dentro do mar. Eu e o mar somos grandes parceiros. Eu mudei minha carteira de pescador pop, de pescador profissional para auxiliar de convés. Então eu tenho oportunidade de fazer um embarque. Se aparecer, tudo bem, se não, continuo na pesca tranquilamente. Mas, se acontecer de mudar quero estar dentro do mar, embarcado em um veleiro, rebocador ou em uma lancha, mas dentro do mar.
[Você gostaria de acrescentar alguma coisa?]
Eu gostaria de acrescentar nessa pesquisa o evento que aconteceu essa semana, que foi a descida do rio Jucu, no último dia 23. Eu participei como pescador, fazendo parte do rio e do mar. Gostaria de solicitar aos órgãos públicos um pouco mais de atenção para o rio. Se o rio Jucu continuar da forma como está, seco e assoreado, daqui a alguns dias não teremos mais água nem para beber. Esse é o meu pequeno recado que deixo, como pescador.
[Entrevista exclusiva para o site Estação Capixaba. Reprodução autorizada pelo entrevistado.]
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