Entrega do traslado pelos alunos. Há cem anos, José Pereira da Graça Aranha publicou seu romance Canaã , inspirando-se em fatos reais pa...

Introdução aos autos, pelo Centro Educacional Leonardo Da Vinci

Entrega do traslado pelos alunos.
Entrega do traslado pelos alunos.
Há cem anos, José Pereira da Graça Aranha publicou seu romance Canaã, inspirando-se em fatos reais passados na região interiorana do Espírito Santo. Dentre os momentos mais marcantes da obra centenária, consta a descrição da morte de uma criança recém-nascida, devorada pelos porcos (na ficção). O fato real vinculado a essa cena diria respeito a um crime de morte supostamente praticado por Guilhermina Lübke, mãe do bebê, tendo sido instaurada ação judicial na qual Graça Aranha atuou na fase de julgamento, na condição de Juiz Municipal do Porto de Cachoeiro, atual Santa Leopoldina.

Neste Traslado dos autos, datado de 1891, “Anno de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo”, estão contidas as suposições em torno do fato, segundo diversos pontos de vista; os encaminhamentos legais; as laudas de acusação e defesa, bem como os desdobramentos da decisão judicial.

Neste ano da comemoração do centenário da obra, merece ser destacado o movimento do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES) e de sua representação em Santa Teresa (IHGST), para que seja erigido um monumento alusivo ao romance e à data, valorizando o homem, as terras e o enredo. Em julho, os membros do IHGES e representantes do “Da Vinci” realizaram roteiro cultural pelas “Três Santas”, com leituras de trechos do romance e, na última etapa, visita ao mirante do Vale do Canaã, em Santa Teresa, local contemplado pelas andanças de Milkau e Lentz pelo interior do Espírito Santo, imortalizado na obra graciana.

O CENTRO EDUCACIONAL LEONARDO DA VINCI, exercendo as funções de associada e coordenadora do Programa de Escolas Associadas da UNESCO, tem desenvolvido projetos para a preservação do patrimônio histórico e cultural, com a intensa participação de seus alunos, professores, funcionários e direção, interferindo na realidade de modo significativo. No presente caso, respirando a atmosfera de Canaã e Graça Aranha, professores e alunos, em Viagem Acadêmica às três “santas capixabas” (Santa Leopoldina, Santa Maria e Santa Teresa) em que a tônica era o envolvimento com o povo, a história, os costumes e o cotidiano das três localidades, conheceram o documento original dos Autos no Cartório de Santa Leopoldina. Percebendo a necessidade de preservação de tão autêntico arquivo de nossa história, ensaiaram, ainda na viagem, algumas iniciativas que resultassem na proteção do documento, propondo-se reproduzir uma cópia para ser manuseada por estudiosos, enquanto o original ficaria guardado, protegido dos danos causados pelo manuseio, por mais cuidadoso que fosse, em face do estado “quebradiço” em que se encontravam as folhas do processo, com seus 111 anos de existência.

Augusto Emílio Estellita Lins, em Graça Aranha e o Canaã, Livraria São José, 1967, já advertia, à página 75, quanto à conveniência de guarda e conservação dos documentos originais, na praça de Santa Leopoldina:

Todo esse manancial, compreendendo o sumário crime contra Guilhermina Lübke, é um tesouro que, sem diminuição do acatamento que mereceu a sugestão de ínclitos magistrados, para os conservar em mais seguro local, fora dali, deve permanecer no mesmo Cartório respectivo, de Paulo Antônio Médice, em Santa Leopoldina. A cultura e o turismo, tão celebrados hoje, o impõem. Deve-se despertar a curiosidade geral para tais documentos e estudar a maneira de os guardar e defender plenamente, é verdade, mas isto sem os segregar do alcance dos doutos, que neles muito terão que ver ou investigar, máxime em cotejo com inúmeros outros ali existentes e em flagrante confronto com as realidades ecológicas e históricas da região, talvez inacessíveis se a solução não for esta.

Imediatamente ao retorno à Escola, foi enviada correspondência ao Juiz da Comarca, Dr. Fernando Fraguas Esteves que, após considerar as ponderações Promotor Dr. Roberto Silveira Silva, decidiu deferir as seguintes solicitações:

a) O empréstimo do documento até 15 de agosto;

b) Realização de cópias para o Da Vinci, para o IHGES, para o IHGST e para o historiador Desembargador Luiz Carlos Biasutti.

No mesmo despacho, o Juiz Dr. Fernando indeferiu nosso pedido de publicação desse material, em parte ou no todo, através de escritos ou pela Internet, baseando-se no entendimento de que não seria conveniente a veiculação dos nomes envolvidos, sem a concordância dos descendentes, deixando, entretanto, uma possibilidade de flexibilização, após “estudo mais profundo do caso”, com o que concordamos plenamente.

Como parte dos compromissos assumidos pelo Da Vinci em torno da preservação dos documentos originais, o Cartório está recebendo, capeada por este documento e seus anexos, uma cópia do “Traslado” (serviços realizados confidencialmente no interior da escola), para efeito de manuseio por pesquisadores e interessados.

Além dessa providência, estivemos, educadores e alguns alunos participantes da viagem acadêmica supracitada, no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, órgão especializado na preservação de documentos, que nos sugeriu, para maior durabilidade dos documentos originais, a implementação das seguintes providências, pelo Cartório responsável:

1 – Fazer a microfilmagem para garantir a perenidade. O próprio Arquivo Público estaria propenso a realizar esse trabalho, sem custos, necessitando, para tanto, de aproximadamente dez dias de retenção dos documentos, com possibilidades inclusive de promover pequenas restaurações das folhas em pior estado de conservação.

2 – Nunca colar documentos com durex ou qualquer fita adesiva. Esse procedimento atrai insetos (ou outros pequenos animais) que danificam as folhas, sem possibilidade de recuperação.

3 – Nunca arquivar documentos com clips ou grampos de metal.

4 – Nunca dobrar documentos.

5 – Somente manusear documentos com as mãos limpas. Em alguns casos, é recomendável o uso de luvas.

6 – Nunca deixar que o documento seja molhado. Guardá-lo em local com pouca umidade, porém, não seco.

7 – Inserir uma folha de papel alcalino entre cada duas folhas do documento.

A essas recomendações, e para evitar que tal processo esteja exposto ao risco de ser retirado da região e não mais retorne — a exemplo do que nos foi noticiado em relação ao processo original de Guihermina Lübke, bem como de livros de registros dos cartórios de Santa Leopoldina ou de Mangaraí —, permitimo-nos acrescentar:

a) Que o documento original seja guardado em caixa especial, como a utilizada para acondicionamento dos referidos originais (por providência do Arquivo Público), em local seguro, sob todos os aspectos.

b) Que as cópias que agora enviamos sejam colocadas à disposição dos pesquisadores, evitando-se o manuseio do documento original, adotando-se, em relação a elas, os mesmos cuidados que mereceria a documentação original (carga no Livro de Registro)

c) Que, quando houver um museu em Santa Leopoldina, em condições de abrigar com segurança o “Traslado dos Autos”, dentro de caixa com tampa de vidro, devidamente protegido em todos os aspectos, com manuseio impossibilitado, seja esse processo ali exposto. Não teria sentido sua guarda eterna sem que pudesse ser visualizado pela população. A título de sugestão, ao lado dos originais, poderia ser disponibilizada uma cópia, para efeito de socialização e eventuais consultas.

Vitória (ES), 12 de agosto de 2002

CENTRO EDUCACIONAL LEONARDO DA VINCI
Coordenador da Rede PEA – UNESCO no Espírito Santo


[Reprodução autorizada pelo Centro Educacional Leonardo Da Vinci, Vitória, ES, 2004.]

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