Noel Rosa em Vitória
Noel Rosa. |
Noel (nascimento, chegada, por extensão: novidade) Rosa (flor de muitas cores), um nome maior da música brasileira, nasceu em 11 de dezembro de 1910 no bairro de Vila Isabel, Rio de Janeiro, e morreu na mesma casa em 4 de maio de 1937, aos vinte e seis anos.
Filho de Manuel Medeiros Rosa e Marta de Azevedo, Noel Rosa já nasceu com problemas físicos em consequência de um parto difícil: o fórceps provocou fratura e afundamento do maxilar, além de ligeira paralisia na face direita, deixando-o desfigurado, apesar de sucessivas cirurgias, dos 6 aos 12 anos de idade, para correção do problema. A mãe era professora, lecionando em Vila Isabel, para sustentar, além de Noel, o seu irmão quatro anos mais novo, Henrique, enquanto o pai tentava a vida em São Paulo.
Na escola Noel ganhou o apelido de Queixinho. Aos 13 anos começou a tocar bandolim e logo, dois anos depois, participava de longas serenatas. Em 1928 integrou o conjunto musical Flor do Tempo, do seu bairro, transformado depois no Bando de Tangarás, de que participavam João de Barro, Almirante e Henrique Brito, entre outros. Em julho de 1928 esse grupo esteve em Vitória, apresentando-se no Teatro Carlos Gomes, a convite do governador Aristeu Borges de Aguiar, ocasião em que Almirante fez um desafio do palco a quem poderia improvisar versos como ele. Foi quando surgiu Átila Bezerra, considerado um grande repentista do Espírito Santo, roubando a cena do espetáculo. Não há notícia de que Noel teria participado dessa excursão. Desde 1930, quando estourou seu primeiro sucesso, “Com Que Roupa”, a carreira de Noel Rosa não mais parou. Em 1934, com o conjunto Gente do Morro, realizou a famosa excursão por Campos, RJ, Muqui e Vitória, ES, apresentando-se com Benedito Lacerda, Russo do Pandeiro e Canhoto. Em 1936 sua saúde começou a debilitar, e um ano depois Noel Rosa estava morto.
Sobre sua passagem por Vitória, adiantamos dois depoimentos de capixabas, concedidos ao jornalista Osmar Silva. O primeiro é de Clóvis Gomes, filho tradicional de Vitória, irmão do educador e político Rubens Gomes, boêmio por profissão em sua juventude, posteriormente representante farmacêutico ligado ao laboratório Clímax. O depoimento de Clóvis Gomes tem a ver com o seguinte registro de Almirante, no livro No Tempo de Noel: “Em abril a trupe chegou à Vitória, aboletou-se na pensão São Luiz e apresentou-se no Politeama. Mal orientados pelo secretário, cobraram entradas a preços exorbitantes, o que afastou o público, provocando total déficit nas bilheterias. Encerrada a temporada, desalentados e sem possibilidades de pagar as contas da pensão, alguns integrantes do grupo fugiram, alta noite, a tempo de alcançar o trem para o Rio. Todavia na estação seguinte foram detidos por dois policiais e recambiados para a delegacia de polícia. Passando aperto financeiro, amenizado com apresentações em Colatina e Cachoeiro de Itapemirim, o grupo — que tinha entre outros Canhoto do Cavaquinho, Benedito Lacerda e Russo do Pandeiro — retornou ao Rio permanecendo apenas Noel Rosa em Vitória,” segundo Almirante, “interessado por uma morena baixinha de nome Isaura, figura do cabaré Pensão da Badu.” Nesse ponto, Clóvis Gomes desmente a informação do historiador, porque não foi exatamente essa mulher que prendeu Noel por algum tempo no Espírito Santo: “Acho que posso dar melhores informações a respeito da passagem de Noel por Vitória, afinal de contas ele ficou hospedado por um bom tempo em minha casa, quando se viu sem condições de pagar a pensão. O Almirante não informou corretamente aí, deixando-se levar por dados errados e baseados mais na fama de boêmio do compositor. Mulherengo, Noel realmente se apaixonou por uma moça de Vitória, mas não se tratou dessa tal Isaura e sim de uma filha de família da sociedade da época, que sequer sabia da paixão de Noel Rosa — essa moça está residindo atualmente em Brasília, casou-se, está cheia de filhos e já deve ser avó a essa altura. Noel chegou a fazer uma música e dedicar a essa sua paixão (a música, pouco conhecida, devia chamar-se ‘Fiz Um Poema Para Te Dar’, pelo menos começava com este verso).”
O outro depoimento é o de Clóvis Cruz. Natural de Campos, RJ, radicou-se em Vitória nos anos 20, sendo responsável por famosas orquestras dos principais clubes de Vitória, e que veio a ser o pai de Carlos Cruz, compositor e ex-diretor musical da extinta TV Manchete. Eis o depoimento de Clóvis Cruz ao jornalista Osmar Silva: “O Noel chegou à Vitória, com alguns companheiros como o Benedito Lacerda, em junho de 1935 [a data correta é abril de 1934]. Logo fez amizade com os colegas músicos, e por isso, certo dia o convidei a comparecer ao Palácio do Governo para participar de um baile onde eu ia tocar. Mas ele não quis ir, não gostava muito desses ambientes. Bom, num certo dia, entrei no Café Central e o encontrei em uma das mesas, ao lado do Benedito Lacerda. Veio o convite para que eu me sentasse e tomasse alguma coisa. No meio do papo, Noel me perguntou se eu conhecia um samba novo que tinha feito há pouco tempo, o ‘Filosofia’, e respondi que não. Aí, ele escreveu o samba, desenhou sua caricatura e assinou com uma dedicatória.”(2)
O primeiro biógrafo de Noel Rosa foi seu primo Jacy Pacheco, mas o trabalho mais completo é Noel Rosa: Uma Biografia (MÁXIMO, João e DIDIER, Carlos. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, Linha Gráfica Editora, 1990), de onde transcrevemos o trecho narrando a estada de Noel em Vitória. A biografia foi elaborada a quatro mãos pelo jornalista e crítico de música João Máximo, atualmente articulista de O Globo, e por Carlos Didier, músico, pesquisador, atualmente concluindo a biografia de Oreste Barbosa. Ambos, durante sete anos, entre 1981 e 1988, repassaram a história de vida desse verdadeiro artista brasileiro.
As informações sobre a passagem de Noel em Vitória foram fornecidas aos autores por Canhoto, do cavaquinho, e Russo, do pandeiro, que foram companheiros da excursão em terras capixabas, formando o conjunto Gente do Morro, liderado por Benedito Lacerda, considerado um dos grandes mestres da flauta brasileira. As informações originais partem de Almirante em seu livro No Tempo de Noel porém são os dois companheiros que despojadamente contam as histórias sem nenhuma censura, inclusive o fato de Noel ter abaixado as calças e se aliviado na Praça Costa Pereira. O escritor Reinaldo Santos Neves observa que deveria haver uma placa no logradouro com os dizeres: “Noel Rosa cagou aqui”. Afinal, há muitos bustos ali instalados de políticos e figuras desconhecidas do povão, povão esse que costuma reclamar de tantas “cagadas” dos políticos sobre suas cabeças.
Uma coletânea organizada pelo pesquisador Omar Jubran, lançada em 2000, intitulada Noel pela primeira vez (Minc, Funarte, AAF, Velas, Universal Music), reunindo 229 gravações em 14 cds, foi aditivo final para esse livro fundamental, e, somados, contribuem para o conhecimento, não só da obra de Noel Rosa como o de uma época em que o Brasil, especificamente o Rio de Janeiro, vivia um novo momento político e social, entre o final dos anos 20 e o nascer da Revolução de 30, entre a Belle-Epoque e o Modernismo. Nada mais justo que tanta homenagem à genialidade desse que foi o maior cronista musical de seu tempo. São trabalhos que constituem uma verdadeira dádiva a todos que se dedicam ao conhecimento da cultura brasileira. Fiquem com Noel, em Vitória.
[Fontes de pesquisa: Enciclopédia da Música Brasileira, Art Editora Ltda, São Paulo, 1977, e Música Popular Capixaba – 1900-1980, de Osmar Silva. DEC-SEDU, Vitória, 1986.]
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Rogério Coimbra é pesquisador de temas relacionados à música e funcionário público aposentado.
Muito bacana a postagem sobre o grande Noel Rosa. Gostaria de fazer uma ressalva. A foto lá de cima, que está identificada como sendo do poeta da Vila é, na verdade, de João Petra de Barros, que gravou canções de Noel e foi amigo dele. Petra morreu jovem. Em 1946 sofreu um acidente devido ao qual teve uma perna amputada, entrando em profunda depressão e se retirando definitivamente do cenário artístico. Após duas tentativas ele comete suicídio, em janeiro de 1948, aos 33 anos. A primeira gravação da marchinha As Pastorinhas (Noel Rosa/Braguinha), foi dele, em 1934, ainda com o título de Linda Pequena.
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