Estrada de Ferro Vitória a Minas ___________________________________________ CAPÍTULO III Moços de cidade. Conversas de família. O...

O desbravamento das selvas do Rio Doce (Memórias) - EFVM III

12/01/2015 0 Comentários

Estrada de Ferro Vitória a Minas

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CAPÍTULO III


Moços de cidade. Conversas de família. O carneiro de Djalma e a inveja do autor. O Professor ou o Coronel Xandoca. Itinerário de viagem. "O mata a fome" ou "o mata à fome". 0 almoxarifado. Aquisição de mantimentos. A amizade entre o coronel e o chefe. Pagamento atrasado. Dificuldades de trânsito. A família do coronel. Louvores ao Rio Doce. O pé-de-alferes do auxiliar à filha do coronel. Ótimas recomendações.

Devagar a palestra, quando almoçávamos, ia-se animando e vieram à baila fatos ocorridos com os moços da cidade. Uns não conheciam o bicho-de-pé; outros queixavam-se de comichão por todo o corpo, e do mucuim de que nunca ouviram falar; alguns, espavoridos, fogem de sapos... A esta altura o nosso bondoso hospedeiro interveio:

— O senhor, com certeza, não teme ataques de bichos-de-pé, mordidas de mucuins, e sabe que os sapos não arremetem a ninguém... — E continuou: — Quem monta, a cavalo, com o seu desembaraço percebe-se, de pronto, que está familiarizado com a vida do Interior, embora venha das oficinas do Engenho de Dentro. O senhor é paulista do interior?

— Não senhor. Somos espírito-santense do Norte.

— Não pode avaliar como isto me agrada — e, dirigindo-se a todos: — é filho desta terra que é, a meu ver, uma das regiões mais interessantes do país. O Espírito Santo une o Norte com o Sul. Aqui se encontra a hospitalidade, o carinho do baiano, e a singeleza, a bondade do fluminense. A colonização estrangeira, às vezes, ilude a gente que pensa estar em São Paulo. Então o senhor é co-estaduano do Coronel Alexandre Calmon, do Xandoca, a quem muito considero e com quem penso haver tratado uma amizade que se não extinguirá facilmente. Terá o senhor a ventura de o conhecer?

— Sim. É amigo de meu pai e aos nove anos de idade quase que fomos matriculado na escola primária de que ele era o professor, só não o sendo, porque o Juiz de Direito de São Mateus resolveu admitir-nos, como aluno, num curso particular que mantinha. Nesse tempo o seu filho, o Djalma, montava em um carneiro que, impando, corria a Praça de São Benedito, onde era situada a casa de residência do Professor Xandoca. Guardamos essas reminiscências bem vivas, porque invejávamos a sorte do Djalma de ser o dono de animal tão manso que, embora constrangido, se associava às suas incríveis traquinadas.

— Pois fique o senhor sabendo que ele até hoje ainda traquina. É, porém, moço ativo, trabalhador, bravo e decidido. É possível que o senhor, também, conheça o Emílio Cunha. É um colega boníssimo e o serviço da sua secção está bem adiantado. É espírito-santense do Sul do Estado.

— Sabemos que é filho do Dr. Leopoldo Cunha, mas nunca nos avistamos com ele.

— Um outro espírito-santense é o Dr. Olyntho de Carvalho. Foi nosso médico e ainda não faz um ano que se retirou. É bom clínico. E, por certo, com esse não teve o senhor também o ensejo de se amistar.

— Pelo contrário, é meu cunhado. Repare minha mulher como está satisfeita com o elogio que o senhor acaba de fazer ao irmão. Agradecemos-lhes muito, eu e ela.

Riram-se todos de meu imprevisto cunhadio com o ex-médico da Companhia, e o dono da casa, prazenteiro, aproveitou o momento de euforia para sugerir que passássemos à varanda. Lá seria, dentro em pouco, servido o café.

* * *

Antes mesmo de se saborear o "capitania" providenciou o Dr. Bosísio no comparecimento do Coronel Alexandre Calmon ao escritório. Queria, sem tardança, surpreender o amigo com a nossa presença.

O Professor Xandoca não nos reconheceria, mas no ato da apresentação o nome declinado trouxe-lhe, à memória, o filho do amigo, o menino que se extasiava com as travessuras do Djalma, certamente, morrendo de inveja de não poder igualá-las.

Com muita alegria o coronel nos abraçou e augurou-nos felicidades na estrada e que podíamos contar com ele para servir-nos em tudo que lhe fosse possível. Quando terminamos nossos agradecimentos pela gentileza de sua oferta, o chefe disse-lhe que, quando o convidara para vir ao escritório, tivera em vista pedir-lhe que o auxiliasse nas providências para nossa ida até Mascarenhas, no Rio Doce.

— Vou organizar o itinerário da viagem menos fatigante que possa ele proporcionar à senhora e à criança que está iniciando a vida como filho de homem de cacaio, embora seja o pai engenheiro. A excelentíssima acompanha-o receando, talvez, que ele se desvie do bom caminho desses sítios desertos — e prosseguiu, gracejando ainda, — ou pela curiosidade de provar da vida de desconforto que passam as esposas dos outros profissionais ou, quem sabe, pela tara da família de tentar aventuras como o irmão, o médico que, agora, clinica no Rio e já pretende ir para São Paulo, ou como o outro que é auxiliar do empório comercial do Buriche, em Porto da Esperança. Dou um camarada para levá-los, conhecedor de todos os caminhos, trilhos e atalhos, de inteira e absoluta confiança. Emprestarei dois burros marcha dores muito mansos, sem manhas, sem nicas e sem haver notícia, até hoje, de se terem pegado. Ambos não refugam o silhão e minha mulher e minhas filhas não querem saber de outros para suas viagens. Cargueiros terá tantos quantos forem precisos para transportar a bagagem. O itinerário será o seguinte: partirão daqui às seis horas da manhã e almoçarão em Demétrio Ribeiro. Aí farão a sesta e seguirão, quando o sol já estiver bem descambado, até às cinco horas e meia, mais ou menos, para pernoitar na colônia que o camarada indicar. A região é toda colonizada não havendo por isso dificuldade em encontrar pousada. No dia seguinte a derrota será folgada. Troteando os animais, com regularidade, chegarão ao povoado de Baunilha dentro de duas a três horas. É o ponto do almoço e, depois do descanso, estão no Rio Doce, em Porto Alegre, fazenda de meu irmão Virgínio, antes das cinco horas. Ele os receberá com prazer e mandará aparelhar canoa segura para os transportar ao Porto da Esperança, distante de Mascarenhas cerca de um quilômetro.

— Vão fazer boa viagem -disse-nos o Professor Xandoca, que achou de nos declarar não ser mais mestre-escola e sim comerciante representante da firma comercial sob a razão social de Empresa Sá Carvalho e Companhia, cuja finalidade era fornecer de mercadorias os trabalhadores e todo o pessoal da construção da estrada de ferro. Com a palavra, o chefe esclareceu que o barracão da firma é "o mata a fome" de todos, mas acontece haver escassez e, não raro, faltas de gêneros de primeira necessidade e nestes casos passa a ser denominado "o mata à fome". Pareceu-nos que os lábios do coronel mal desabrocharam um riso amarelo e procuramos mudar de assunto para socorrê-lo.

— Coronel, prometemos-lhe não o chamar de professor, com a condição de queimar o senhor o título de doutor, que nos tem dado.

— Está na hora de darmos um passeio pelos arredores sentencia o chefe.

E o coronel, de pronto:

— Também me associo a esta excursão e, à noite, trarei a família para visitar o engenheiro, o coestaduano, e sua excelentíssima senhora — e despede-se das donas.

* * *

Começamos visitando o almoxarifado da seção de construção. Na porta estava, de guarda, o maneta da mina encravada. Saudou-nos respeitosamente.

Não havia estoque apreciável. Enxadas, pás, picaretas, marretas, vergalhões de ferro, galeotas, fouces, machados, carrinhos, trilhos de Décauville, muito usados... tudo em pequena quantidade e bem arrumado. E o chefe ia explicando:

— Todo o material que está aqui foi trazido pelas turmas que acabaram suas tarefas. Estou providenciando para as picaretas serem calçadas, as fouces amoladas, as galeotas, carrinhos e carroças consertados. Mandei que se levasse parte da tropa, para um pasto melhor. As folhas de zinco recebidas das turmas, que se retiraram, foram separadas as inutilizadas das perfeitas. Desejo fazer instalação rápida para atacar, sem demora, a construção do trecho que me será dado no Rio Doce e para conseguir isso já se está inventariando o que se tem, a fim de ser pedida a remessa das faltas com urgência. Vou mostrar-lhe, agora, o depósito de explosivo. É um pequeno túnel na ponta daquele espigão.

Para lá encaminhamo-nos e, as medidas acauteladoras para evitar acidentes, ouvimos com atenção.

Nessa altura, manifestou o Coronel Alexandre Calmon desejo de nos receber no barracão ou armazém geral distribuidor de víveres e de utilidades a toda a estrada e com vislumbre de reabilitação convida o chefe para verificar a abundância e a boa qualidade das mercadorias.

— Com prazer aceito o convite. Vamos.

E conversando conosco, como se estivéssemos sós, declarou:

—O Coronel é o braço-direito da construção desta estrada.

Aqui na ponta dos trilhos, o fornecimento ao pessoal satisfaz plenamente. Gracejei quando apelidei o armazém de "o mata à fome". Cometi uma indiscrição, mas ele, cavalheiro como é, escusar-me-á porque tem, ele próprio, a segurança de que o trabalhador 6 quem está certo quando afirma: "Vou ao mata a fome."

Prontamente o coronel redargúi:

— Dr. Bosísio, você sabe que não me pico com seus gracejos. Não serão eles, por certo, que criarão embaraços à nossa amizade.

E já chegados à porta do barracão ele principiou vasta explanação sobre o abastecimento de mercadorias e sua distribuição.

— A aquisição de gêneros faz-se nas praças do Sul. Acontece, com freqüência, não haver embarcação para Vitória e ficam as cargas lá detidas. Procura-se remediar essa carência de transporte comprando em Vitória nas casas que vendem por atacado, as quais, nem sempre, têm estoque suficiente para atender pedidos avultados. A situação torna-se complicada e tem-se que recorrer às grandes firmas de Cachoeiro de Santa Leopoldina que, nem sempre, podem fazer o suprimento. Esgotam-se todas as providências locais e reforçam-se as que já haviam sido tomadas algures. Chovem os telegramas à Empresa, aos fornecedores e aos armadores da marinha mercante fazendo apelos instantes para remeterem os víveres encomendados a fim de não haver a paralisação dos trabalhos e prevenir a fome que ameaça todo o pessoal. E quando essas diligências, esses esforços, tardam a ser atendidos, despontam as faltas e as justas reclamações de trabalhadores, de operários, de administradores e de engenheiros. Não é prática a manutenção de grandes estoques para impedir as faltas porque há mercadorias que se deterioram, se não forem consumidas em certo tempo e, ainda, porque a Companhia atrasa, freqüentemente, o pagamento das importâncias mensais descontadas dos salários dos trabalhadores, e isso acarreta dificuldades e obriga a Empresa a retardar a satisfação de seus compromissos com as firmas abastecedoras. A remessa de mercadorias para as sucursais deste barracão é feita por tropa de muares andando maus caminhos que, em certas quadras do ano, se tornam, muitas vezes, intransitáveis porque as chuvas os escavam, as ferraduras das patas dos animais aumentam os estragos, produzem buracos, que, acabam transformando-se em atoleiros ou em caldeirões perigosos. E quando acontece haver a destruição de pontes fica, de todo, interrompido o trânsito, e surge o problema da construção de desvios, rodeios, estivas. Estas obras de emergcncia, possibilitam socorro àqueles que se acham a dez, vinte, trinta, quarenta e cinqüenta quilômetros, além da ponta dos trilhos. Quando há rios de águas volumosas só a canoa soluciona a travessia. Essas dificuldades somente se vencem porque os engenheiros mandam turmas restabelecer o trânsito de qualquer maneira. E os trabalhadores, em certos trechos, carregam os volumes até aos pontos em que a caravana só pode chegar escoteira. E, assim, alcançam os destinos víveres de primeira necessidade e a construção da estrada vai prosseguindo e os trilhos avançam. É de justiça assinalar que nessas situações angustiosas todos ajudam trabalhando de boa vontade. Percorramos, agora, rapidamente os depósitos de gêneros para o senhor avaliar de nossos estoques. Aquela ruma de fardos é de charque e ao lado há outras de sacos de feijão, de arroz e farinha de mandioca. O trigo fica do outro lado e perto dele estão os biscoitos e os doces. Avistam-se, lá, nos fundos, os décimos de vinho e os engradados de cerveja, arrumados cuidadosamente. A bebida de maior consumo é a cachaça. Adquirimo-la no Rio e em Cariacica. Os barris que a contém estão empilhados em seguimento aos de vinho.

E o Coronel ia guiando-nos para rimas de mercadorias, mostrando-nos e enunciando: banha, toucinho, queijo, manteiga, sabão, fazendas, roupas feitas, calçados, chapéus, armarinho, louça, ferragens finas...

A visita foi completa e a impressão que tivemos magnífica. Demos-lhe parabéns, no que fomos secundado pelo chefe de secção, visivelmente satisfeito.

— Escusem-me a caminhada por esses corredores que cheiram a vinagre, a cebolas e a fermentações diversas, indefiníveis. Convido-os a dar-me a honra de fazer um pequeno lanche servindo-se do que me é possível oferecer-lhes: cerveja e água mineral, biscoitos, queijo e café.

Finalmente, agradecendo-lhe o ensejo que nos proporcionou de conhecer tão importante departamento da construção da estrada e as suas gentilezas, despedimo-nos com um cordial "até logo, Coronel".

Encaminhando-nos ao escritório, o Dr. Bosísio observou:

— Esse homem é de esmerada educação, enérgico, ativo e bom administrador.

* * *

— Vim com minhas filhas — diz-nos a Senhora Calmon fazer-lhes uma visita muito amiga. Sabia que estava na Estrada de Ferro Central do Brasil e jamais pensei que a deixasse para exercer a profissão em nossa terra. Não podem imaginar, o senhor e sua senhora, a auréola de alegria que me rodeou, quando Xandoca me disse que era engenheiro da Companhia e já se achava aqui de passagem para o Rio Doce. Vai gostar imenso de lá. Lugares bonitos, sítios encantadores, matas que não têm fim ao Norte, terrenos ubérrimos, peixes excelentes, e o rio? Ah! o rio é soberbo, é majestoso e o nosso velho monarca, D. Pedro II, quando o visitou, fez-lhe justiça e afirmou que com ele nenhum outro rivalizava. Dizem que no Rio Doce dá febre palustre. Não se nega isso, mas é acima, nas florestas brutas, em Minas Gerais. No Espírito Santo o paludismo das margens do rio foi corrido, escorraçado pelos Calmons e, principalmente, pelo tronco da família, João Felipe Calmon, que fundou fazenda em frente de Linhares, derribou matas, rechaçou bugres e venceu febres. Carneiradas há, também, em Itabapoana, em sua terra, São Mateus, em Itaúnas mas não se faz propaganda demolidora dessas regiões. Só o Rio Doce é visado, é apontado como insalubre. Somente ele é o avejão. Já disse a Xandoca que precisa ajudar os engenheiros a levarem os trilhos a Colatina. Isto é obrigação dos rio-docenses que estremecem sua terra. Foi João Calmon quem, de sua fazenda Bomjardim, obstou, por vezes, que o povoado de Linhares sucumbisse aos ataques dos botocudos e conseguiu chantar ali um marco civilizador, definitivo, e confio em Alexandre Calmon que há de sustentar e impulsionar o progresso de Colatina. Um defendeu Linhares, o outro, meu marido, há de fazer progredir o primitivo arraial de Santa Maria. E Xandoca vai fazer-me a vontade dando-me uma boa casa em Colatina. É lá que pretendo residir. O prazer de saber que se dirige ao Rio Doce e que vai ser um bom companheiro dos que se esforçam em levar avante a construção da estrada desviou minha conversa para assunto que não é de uma visita de cortesia e de amizade, mas está em tempo de emendar a mão. Já sei que fizeram boa viagem do Rio a Vitória e que ontem aqui chegaram em paz. A criança, vê-se, está passando bem e vai gozar saúde. No interior os meninos vivem melhor do que nas cidades. Esta minha filha é a mais velha. Acredito que se case breve e, possivelmente, com um engenheiro. Aquela é ainda muito moça e acho que é cedo para mudar de estado. Parece, entretanto, que um auxiliar de Xandoca tenta fazer-lhe o pé-de-alferes. Ele com o emprego atual não tem futuro assegurado. Sou de parecer que não devem pensar nisso.

— Mas, mamãe, o futuro é promissor.

— Qual nada, minha filha. Subgerente de armazéns não é colocação que o recomende a obrigações de família. Esqueça-se disso enquanto está em princípio.

— Sim, mamãe, mas não prometo.

— Estas moças de hoje são assim. Não atinam com as dificuldades do amanhã. São desprevenidas e não acatam os avisos, os conselhos das mães. Depois se arrependem da teimosia, quando não podem mais remediar o mal, porque já deram o nó. O pai, quando souber as inclinações da filha por esse rapaz, que justiça se lhe faça não é indivíduo mau, não aprovará o xodó que, por ora, não passa de um capricho desta menina. Ele diz sempre desejar que as filhas se casem com homens encaminhados na vida, que não andem de sacos às costas como os garimpeiros, que se sentem felizes carregando cacaios de teréns. Sérgio é ativo, trabalhador mas demasiado loquaz, fala pelos cotovelos e prima pela filáucia. Provém da região do cangaço e é Albuquerque, nome que lá na terra dele é sinônimo de mentiroso.

— Mamãe, a senhora acusa Sérgio mas não o alfineteou, ainda, argüindo-lhe defeitos que o desmereçam. Pelo contrário, justa como é, destaca suas qualidades. O fato de não ter ele uma situação estável não é motivo sério para tamanha oposição. Os engenheiros casados da estrada, também, não desfrutam estabilidade em suas colocações e, todavia, fundaram lares felizes. E, por certo, os sogros não objetaram a que eles maridassem com as filhas. Mamãe, peço-lhe que vá predispondo o ânimo de papai à hipótese de meu noivado com o tagarela, que é assim, porque é inteligente.

— Sim, minha filha, mas isso não é fácil.

E fitando a vista em nós a Senhora Calmon observou:

— Não sei como novamente divaguei. Mas devo ser franca. Conheci-o quando era criança. Meu Djalma é quase de sua idade. Dois irmãos de sua esposa amistaram-se conosco. Sou de índole expansiva. Detesto cerimônias, etiquetas, convenções sociais e, por isso, queiram permitir-me tratá-los com liberdade, com amizade, como é de meu feitio. Xandoca está entrando ao escritório e precisa comunicar-lhe as providências sobre sua viagem. Não se acanhe. Vá encontrar-se com ele. Ficarei com as senhoras expandindo-me.

— Muito me custou desvencilhar-me dos compromissos desta noite — esclareceu-nos o coronel — mas estou aqui com prazer, para ajudá-lo. E, agora, os últimos avisos e recomendações. As seis horas da manhã o camarada estará aqui à sua disposição, com os animais. Dei-lhe ordens precisas, claras, que ele cumprirá durante a derrota. Partam cedo. Não viajem com o sol quente e tudo correrá bem no itinerário que tracei. Nada mais tenho que lhe aconselhar.

O tema da construção da ferrovia predomina nas explanações do chefe, que ora ressalta imprevistos que motivam entraves, estorvos, ora destaca falta de previdência de sua parte ou, mesmo, da diretoria da Companhia. O zelo pelos interesses desta parecia-nos até exagerado.

Comove-nos ouvir relatos que não se poupam lídimos e esforçados defensores da estrada, somente porque não adotaram determinada resolução que é considerada, no presente, como se fosse, talvez, a mais acertada.

E cavaqueando aquele punhado de dependentes da Companhia assinala-se por entusiasmo, por extremos, aos vários serviços que lhe são confiados.


[Reprodução da primeira edição publicada pela Livraria e Editora José Olympio, Rio de Janeiro, em 1959, como parte da Coleção Documentos Brasileiros. Publicado originalmente no site em 2004.]

Ceciliano Abel de Almeida (autor) foi engenheiro da Estrada de Ferro Vitória a Minas, tendo trabalhado nos primórdios de sua construção, sendo também responsável por importantes obras de infraestrutura no Estado. Foi o primeiro prefeito de Vitória, ES, professor de ensino secundário no Ginásio Espírito Santo e primeiro reitor da Universidade do Espírito Santo, quando de sua fundação como instituição estadual.

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