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2/13/2016
Prefácio
Reminiscências
Rio Doce
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Capítulo I — O Rio Doce no tempo de Cabral. Lendas. Entradas. Ouro. Comunicações. Estrada geral. Embarcação a vapor. Liberta-se do vento a navegação. Farol. Regência Augusta. Padre Anchieta. Navegação fluvial. A barra do Rio Doce. Flora e fauna. A madrugada. Retiram as pranchas. Rio acima. Suínos. A benzedeira. Lenha. Ilha das Frecheiras. Grupo das Carapuças. Energia do brasileiro. Cabas-tatu. Fechava o corpo.
Capítulo II — Linhares em 1905. Decadência. Reerguimento. Terra maravilhosa. Progresso delirante. O Rio Pequeno. A Lagoa Juparanã. Visita de D. Pedro II. Ilha do Imperador. Rio de São José e suas matas. Pescarias e caçadas. O caboclo indispensável. Apólogo. "Rodas ponteadas". Versos soltos. Histórias fantásticas. Paisagens. Borboletas amarelas.
Capítulo III — Confronto das florestas. Rio Juparanã-mirim. Encalhou: o barqueiro. Satisfação a bordo. O homem da carabina. "Olhe a carniça". "Na cabeça não entra bala". Terra Alta. Colônias de caçaremas. Quadro bucólico. Respeitável poeta. Exuberância da floresta. Garças estudam? Gastão Cruls e as perspectivas do Rio Doce. Guaribas. A. Wallace e Humboldt. O orgulho do barbado e a arrogância do caracu. Um "mimo" das matas. É "desinfeliz" na caçada. O condenado da ninhada. Um "revés". A terra adormece. O grito do quero-quero.
Capítulo IV — O nevoeiro. Colatina. O cometa. Vale de Canaã. Contraste. Conversa de rio-docenses. O rio de Santa Joana. O pavor da bicharada. Catita. Barrigudas e companheiras. Porto BElo. Ariranhas. O capitão Nazaré. Urubus e carniça. Divergências. O rio Mutum. Passarinhada. Esperam o milho. Desaparecem os indícios de chuvas.
Capítulo V — Porto Final. Franqueada a navegação do Rio Doce? Problema não resolvido. Entrega de novas florestas. Cachoeira das Escadinhas. Saint-Hilaire esclarece. Registros e destacamentos. Rui Barbosa, patrono do Espírito Santo. A Constituição de 1937. "Lembrem-se de que sou mineiro."
Capítulo VI — Observações de C. F. Hartt. Casebres. Pedras do Lorena, dos Cágados, do Resplendor e da Vaca. Serra da Onça. Cachoeira de Santana. Vasto anfiteatro. Moradores e cabras. Cachoeirão. Matas e lendas. Afluentes do Rio Doce. Cachoeiras e ilhas. Figueira. Ibituruna. Distrito de Peçanha. Os três pioneiros. Suaçuí Pequeno. Baguari. Pedra Corrida. Escura. Cachoeira perigosa. Antônio Dias.
Bugres
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Capítulo I — Mata gigantesca. Índios. VIII Congresso de Geografia. General Rondon. Excursão à Cachoeira da Serra. Detidos por indígenas. Fazendeiro flechado.
Capítulo II — Ligeiras informações. Capitão da Mão Branca. Fundação de Filadélfia. Companhia do Mucuri. Carro tirado a bestas. Liquidação da Companhia. Imprensa da Corte.
Capítulo III — Sugestão dos índios. "Daquí não sairei." O livro de Frei Jacinto. Ataques dos Pojichás. Flagelo do Mucuri. Dois mil e quinhentos indígenas. Sarampo e febres. "Você morrerá depois irei eu." O bugre chorou. Flechados os missionários. O chefe Pojichá volta a ser cruel. Ataques repetidos. Remanescentes da terrível tribo. Presentes. Apertados abraços. Foi infeliz o Dr. Portela.
Capítulo IV — Correspondência trocada. Relatório. Origem tupi. Boas lavouras. Ascendência sobre os chefes, de algumas índias. O Vale do Etuete. A bebedeira do capitão. Crenaques gritadores. Giporocas taciturnos. Assistência médica. Crenaques recusam presentes e atacam. População escassa. Recrutamento de trabalhadores nos Estados do Norte.
A Estrada de Ferro Vitória a Minas
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Capítulo I — Trocando a capital pela selva. Porto Velho, a estação inicial. O ferroviário perde o trem. Lenda da jaqueira. As esposas dos agentes, pioneiras do comércio. A malária em Alfredo Maia. As moças da estação e a pedra de Itapocu. Timbuí, seu progresso e seus arredores. O Rio Itapirá e as matas do Guaraná. Novamente a febre. Lotes coloniais. Pendanga. Enfim, Lauro Müller: a ponta dos trilhos.
Capítulo II — A família do chefe. A hospitalidade praxista. A dedicação dos médicos. Justos elogios aos trabalhadores. Visita ao povoado de muitos nomes; a igreja. Exame de perfis e projetos. Preparo do leito da estrada. Fornecimentos difíceis. Mina encravada, trabalhador maneta. Rampa máxima, supressão de túneis e muros. Referência a engenheiros. O Dr. Schnoor , o auxiliar, o pagador e a variante de Cariacica. A construção além de Lauro Müller. Crítica. Caminho de serviço, um arremedo! Garganta do Guasti: o bombardeio, os cavouqueiros e os marreteiros. Minúcias a respeito dos trabalhos. Crianças radiam felicidade. A nobreza da profissão de engenheiro. Discursos de inauguração.
Capítulo III — Moços da cidade. Conversas de família. O carneiro de Djalma e a inveja do autor. O Professor ou o Coronel Xandoca. Itinerário de viagem. "O mata a fome" ou "o mata à fome". O almoxarifado. Aquisição de mantimentos. A amizade entre o coronel e o chefe. Pagamento atrasado. Dificuldades de trânsito. A família do coronel. Louvores ao Rio Doce. O pé-de-alferes do auxiliar à filha do coronel. Últimas recomendações.
Capítulo IV — Agitação matinal. Despedidas. A cavalo, rumo ao Rio Doce. Moças ítalo-brasileiras. Paisagens da viagem. Cafezais. Cães ameaçadores. Matrona enraivecida. A moeda tudo aplaina. Colchão de palha de milho. O Rio Baunilha. Rio Doce! "Patrão, como ele é bonito!" Recepção cordial. Viagem em canoa. A professora de Colatina. Canto e peleja dos canoeiros. Monotonia. "A criança quebra", diz o engenheiro austríaco. Porto da Esperança. Família Buriche. Porto Final. Família Viana. Um mito, as maleitas do Rio Doce? Compra do Queimado, suas qualidades. Assistência religiosa. Dom Fernando de Souza Monteiro.
Capítulo V — O emissário. O chefe da exploração. Viminas. Advertências e deveres. Início do trabalho. O sol descai. "Alto!" Vamos bem. Travessia do Manhuaçu. Dez quilômetros explorados. Pedra da Vaca. O abarracamento. O cuca, palmito e surubim. Coruja, macuco e curiango. Cobra na barraca. Correição de guaju-guajus. "Não é homem, é arsenal!" Ribeirão dos Quatis. Luz, muita luz. Trabalho leve. A gulodice da Morena. A foice do Lopinho. "Não quero brigas." Tolerância do chefe. Lopinho mofino. Rezas e penitência. Galo músico. "Olhem! Que perigo!" O caburé. "Basta!" O velho Moisés. O avejão. "Ele sou eu."
Capítulo VI — O santa casa. A barriguda estourou. O capiau, a filha, o tordilho e a alazã. Cabras, borrachudos, carrapatos e mucuins. A cachoeira do M. Crenaques e Puris. "Pode aumentar, diminuir nunca!" Canecas aos doutores, cuités aos trabalhadores. A tempestade. Vi cair um "perigo". O córrego embraveceu. Estômagos e "terradas" sem açúcar? A estanca do ribeirão da Lapa. Úlceras. "É homem bom." "O alarido era enorme." "Estão vivos por milagre!" As três barras. A venda indiscreta. Ainda o Lopinho. O Rio Doce impetuoso. A morte de um cunhado.
Capítulo VII — O Chefe despede-se. Revisão de projeto. Compressão de dispêndios. A construção da estrada empolga a todos. O café das quinze horas. Comentários. Críticas aos "bitolinhas" e à Diretoria. Diligências máximas. Obcecados pela profissão. A estação de Colatina. O Pinga-Fogo. A borrasca. "Baiano custa a ter medo." Operários estrangeiros gungunam. Pagamento atrasado. A pescaria. "Estou muito preocupada." Boatos. Pretendente nervoso. Cavalheiro de respeitável sociedade. A agourenta. Está solene. "Agora ou nunca." "Que boa lembrança!" "Essa vale!" Deixam de ser amigos. Método impiedoso. Caçada interrompida. "Seu doutor, em bugres não se confia." Vasto programa de trabalho.
Capítulo VIII — Missão cumprida em Colatina. Viagem incômoda. "Cala a boca Feróis!" Manta de suçuarana. Instalações. Aboletam-se as turmas. "Eia! vai mariquinha!" Boa impressão. Variante. Bugres famintos. Assustou-se o zabelê. Labuta intensíssima. Tarimba e serão. Bruxas endoidecidas. A jiquitiranabóia. A tagarelice do Carvão. Rio Guandu. Índios bravos. Curiosidade lusa. A cabocla intérprete. Canoa encalhada. O ataque. Saraivada de flechas. Grito selvático da Benedita. Alucinado de pavor. Festejam os Crenaques a fuga dos civilizados. Grupos de imprudentes.
Capítulo IX — Casas de turmas de Quatis e Boa Vista. Trânsito difícil. Tolices de trabalhadores. Invernada. Ilhados. Mutuns. A mudança. Moradia aprazível. Elevado conceito técnico. Reconciliado o espalha-brasas. Novos planos. O engenheiro setuagenário. Aceleração no trabalho. Homem disciplinador. "Julguei-os hipócritas." Gente enfezada. Admoestações. Feitores semi-embriagados. Impropérios do chefe. Linha telefônica. Exasperado. Babou-se de raiva. Frase indecorosa. Tocaia. Surrado e amarrado. "Seu Góis está aqui." Condenação. Palavras respeitadas.
Capítulo X — Notícias falsas. Tarefas e empreitadas. "Trabalhar a vida inteira, não." A antítese do outro. O profissional não esmorecia. Sepultado em Figueira. Febre amarela? Visita do primeiro engenheiro. "Seu doutor está multado." "Aquele homem não produz." Compressão nos gastos. Promovido. Outra mudança. Legiões de soldados do trabalho. A bondade e o peso da senhora. "A doença é falta de pagamento."
Capítulo XI — O cascatear do ribeirão. Um apelo inesperado. "Não seja imprudente." A afirmação do Dr. Mayo. O Rio Cuieté. O paludismo alastra-se. O sexagenário da Serra do ltueta. "Não é corrupio, mas é birro grosso." Transes comoventes. "Mosquito não transmite a malária." A alegria desapareceu. Durante o dia ou a noite o drama é o mesmo. Para imigrantes, monumentos, para brasileiros, discursos. Perseguição dos insetos. Termo da tarefa. Proteção. Recordações. Justiça e generosidade. Caçadores. O mau-olhado.
Capítulo XII — Na berlinda. Obrigações retomadas. Retirada de um profissional. Parabéns. Novo superintendente. Apanhado de surpresa. Reclamações. Não recebem. Promessas. Interferência conciliatória. Satisfação geral. "Não troquei palavras." "A greve vai estourar." "O dinheiro aparecerá." Pagamentos sem atraso. Boa intenção. Despedidas. O trem parte. Explodiu a greve. Divergências. Engenheiros demitem-se. Vitória! região descampada. Caminho de cabrito ou de serviço.
[Reprodução da primeira edição publicada pela Livraria e Editora José Olympio, Rio de Janeiro, em 1959, como parte da Coleção Documentos Brasileiros. Publicado originalmente no site em 2004.]
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© 1959 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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Ceciliano Abel de Almeida
,
Estrada de Ferro Vitória a Minas
,
História
,
História / Sociologia
,
Memória
,
Rio Doce
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O engenheiro Ceciliano Abel de Almeida (terceiro sentado da direita para a esquerda), em 1907, durante a construção da Estrada de Ferro ...
O desbravamento das selvas do Rio Doce (Memórias)
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O engenheiro Ceciliano Abel de Almeida (terceiro sentado da direita para a esquerda), em 1907, durante a construção da Estrada de Ferro Vitória a Minas. |
SUMÁRIO
Prefácio
Reminiscências
Rio Doce
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Capítulo I — O Rio Doce no tempo de Cabral. Lendas. Entradas. Ouro. Comunicações. Estrada geral. Embarcação a vapor. Liberta-se do vento a navegação. Farol. Regência Augusta. Padre Anchieta. Navegação fluvial. A barra do Rio Doce. Flora e fauna. A madrugada. Retiram as pranchas. Rio acima. Suínos. A benzedeira. Lenha. Ilha das Frecheiras. Grupo das Carapuças. Energia do brasileiro. Cabas-tatu. Fechava o corpo.
Capítulo II — Linhares em 1905. Decadência. Reerguimento. Terra maravilhosa. Progresso delirante. O Rio Pequeno. A Lagoa Juparanã. Visita de D. Pedro II. Ilha do Imperador. Rio de São José e suas matas. Pescarias e caçadas. O caboclo indispensável. Apólogo. "Rodas ponteadas". Versos soltos. Histórias fantásticas. Paisagens. Borboletas amarelas.
Capítulo III — Confronto das florestas. Rio Juparanã-mirim. Encalhou: o barqueiro. Satisfação a bordo. O homem da carabina. "Olhe a carniça". "Na cabeça não entra bala". Terra Alta. Colônias de caçaremas. Quadro bucólico. Respeitável poeta. Exuberância da floresta. Garças estudam? Gastão Cruls e as perspectivas do Rio Doce. Guaribas. A. Wallace e Humboldt. O orgulho do barbado e a arrogância do caracu. Um "mimo" das matas. É "desinfeliz" na caçada. O condenado da ninhada. Um "revés". A terra adormece. O grito do quero-quero.
Capítulo IV — O nevoeiro. Colatina. O cometa. Vale de Canaã. Contraste. Conversa de rio-docenses. O rio de Santa Joana. O pavor da bicharada. Catita. Barrigudas e companheiras. Porto BElo. Ariranhas. O capitão Nazaré. Urubus e carniça. Divergências. O rio Mutum. Passarinhada. Esperam o milho. Desaparecem os indícios de chuvas.
Capítulo V — Porto Final. Franqueada a navegação do Rio Doce? Problema não resolvido. Entrega de novas florestas. Cachoeira das Escadinhas. Saint-Hilaire esclarece. Registros e destacamentos. Rui Barbosa, patrono do Espírito Santo. A Constituição de 1937. "Lembrem-se de que sou mineiro."
Capítulo VI — Observações de C. F. Hartt. Casebres. Pedras do Lorena, dos Cágados, do Resplendor e da Vaca. Serra da Onça. Cachoeira de Santana. Vasto anfiteatro. Moradores e cabras. Cachoeirão. Matas e lendas. Afluentes do Rio Doce. Cachoeiras e ilhas. Figueira. Ibituruna. Distrito de Peçanha. Os três pioneiros. Suaçuí Pequeno. Baguari. Pedra Corrida. Escura. Cachoeira perigosa. Antônio Dias.
Bugres
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Capítulo I — Mata gigantesca. Índios. VIII Congresso de Geografia. General Rondon. Excursão à Cachoeira da Serra. Detidos por indígenas. Fazendeiro flechado.
Capítulo II — Ligeiras informações. Capitão da Mão Branca. Fundação de Filadélfia. Companhia do Mucuri. Carro tirado a bestas. Liquidação da Companhia. Imprensa da Corte.
Capítulo III — Sugestão dos índios. "Daquí não sairei." O livro de Frei Jacinto. Ataques dos Pojichás. Flagelo do Mucuri. Dois mil e quinhentos indígenas. Sarampo e febres. "Você morrerá depois irei eu." O bugre chorou. Flechados os missionários. O chefe Pojichá volta a ser cruel. Ataques repetidos. Remanescentes da terrível tribo. Presentes. Apertados abraços. Foi infeliz o Dr. Portela.
Capítulo IV — Correspondência trocada. Relatório. Origem tupi. Boas lavouras. Ascendência sobre os chefes, de algumas índias. O Vale do Etuete. A bebedeira do capitão. Crenaques gritadores. Giporocas taciturnos. Assistência médica. Crenaques recusam presentes e atacam. População escassa. Recrutamento de trabalhadores nos Estados do Norte.
A Estrada de Ferro Vitória a Minas
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Capítulo I — Trocando a capital pela selva. Porto Velho, a estação inicial. O ferroviário perde o trem. Lenda da jaqueira. As esposas dos agentes, pioneiras do comércio. A malária em Alfredo Maia. As moças da estação e a pedra de Itapocu. Timbuí, seu progresso e seus arredores. O Rio Itapirá e as matas do Guaraná. Novamente a febre. Lotes coloniais. Pendanga. Enfim, Lauro Müller: a ponta dos trilhos.
Capítulo II — A família do chefe. A hospitalidade praxista. A dedicação dos médicos. Justos elogios aos trabalhadores. Visita ao povoado de muitos nomes; a igreja. Exame de perfis e projetos. Preparo do leito da estrada. Fornecimentos difíceis. Mina encravada, trabalhador maneta. Rampa máxima, supressão de túneis e muros. Referência a engenheiros. O Dr. Schnoor , o auxiliar, o pagador e a variante de Cariacica. A construção além de Lauro Müller. Crítica. Caminho de serviço, um arremedo! Garganta do Guasti: o bombardeio, os cavouqueiros e os marreteiros. Minúcias a respeito dos trabalhos. Crianças radiam felicidade. A nobreza da profissão de engenheiro. Discursos de inauguração.
Capítulo III — Moços da cidade. Conversas de família. O carneiro de Djalma e a inveja do autor. O Professor ou o Coronel Xandoca. Itinerário de viagem. "O mata a fome" ou "o mata à fome". O almoxarifado. Aquisição de mantimentos. A amizade entre o coronel e o chefe. Pagamento atrasado. Dificuldades de trânsito. A família do coronel. Louvores ao Rio Doce. O pé-de-alferes do auxiliar à filha do coronel. Últimas recomendações.
Capítulo IV — Agitação matinal. Despedidas. A cavalo, rumo ao Rio Doce. Moças ítalo-brasileiras. Paisagens da viagem. Cafezais. Cães ameaçadores. Matrona enraivecida. A moeda tudo aplaina. Colchão de palha de milho. O Rio Baunilha. Rio Doce! "Patrão, como ele é bonito!" Recepção cordial. Viagem em canoa. A professora de Colatina. Canto e peleja dos canoeiros. Monotonia. "A criança quebra", diz o engenheiro austríaco. Porto da Esperança. Família Buriche. Porto Final. Família Viana. Um mito, as maleitas do Rio Doce? Compra do Queimado, suas qualidades. Assistência religiosa. Dom Fernando de Souza Monteiro.
Capítulo V — O emissário. O chefe da exploração. Viminas. Advertências e deveres. Início do trabalho. O sol descai. "Alto!" Vamos bem. Travessia do Manhuaçu. Dez quilômetros explorados. Pedra da Vaca. O abarracamento. O cuca, palmito e surubim. Coruja, macuco e curiango. Cobra na barraca. Correição de guaju-guajus. "Não é homem, é arsenal!" Ribeirão dos Quatis. Luz, muita luz. Trabalho leve. A gulodice da Morena. A foice do Lopinho. "Não quero brigas." Tolerância do chefe. Lopinho mofino. Rezas e penitência. Galo músico. "Olhem! Que perigo!" O caburé. "Basta!" O velho Moisés. O avejão. "Ele sou eu."
Capítulo VI — O santa casa. A barriguda estourou. O capiau, a filha, o tordilho e a alazã. Cabras, borrachudos, carrapatos e mucuins. A cachoeira do M. Crenaques e Puris. "Pode aumentar, diminuir nunca!" Canecas aos doutores, cuités aos trabalhadores. A tempestade. Vi cair um "perigo". O córrego embraveceu. Estômagos e "terradas" sem açúcar? A estanca do ribeirão da Lapa. Úlceras. "É homem bom." "O alarido era enorme." "Estão vivos por milagre!" As três barras. A venda indiscreta. Ainda o Lopinho. O Rio Doce impetuoso. A morte de um cunhado.
Capítulo VII — O Chefe despede-se. Revisão de projeto. Compressão de dispêndios. A construção da estrada empolga a todos. O café das quinze horas. Comentários. Críticas aos "bitolinhas" e à Diretoria. Diligências máximas. Obcecados pela profissão. A estação de Colatina. O Pinga-Fogo. A borrasca. "Baiano custa a ter medo." Operários estrangeiros gungunam. Pagamento atrasado. A pescaria. "Estou muito preocupada." Boatos. Pretendente nervoso. Cavalheiro de respeitável sociedade. A agourenta. Está solene. "Agora ou nunca." "Que boa lembrança!" "Essa vale!" Deixam de ser amigos. Método impiedoso. Caçada interrompida. "Seu doutor, em bugres não se confia." Vasto programa de trabalho.
Capítulo VIII — Missão cumprida em Colatina. Viagem incômoda. "Cala a boca Feróis!" Manta de suçuarana. Instalações. Aboletam-se as turmas. "Eia! vai mariquinha!" Boa impressão. Variante. Bugres famintos. Assustou-se o zabelê. Labuta intensíssima. Tarimba e serão. Bruxas endoidecidas. A jiquitiranabóia. A tagarelice do Carvão. Rio Guandu. Índios bravos. Curiosidade lusa. A cabocla intérprete. Canoa encalhada. O ataque. Saraivada de flechas. Grito selvático da Benedita. Alucinado de pavor. Festejam os Crenaques a fuga dos civilizados. Grupos de imprudentes.
Capítulo IX — Casas de turmas de Quatis e Boa Vista. Trânsito difícil. Tolices de trabalhadores. Invernada. Ilhados. Mutuns. A mudança. Moradia aprazível. Elevado conceito técnico. Reconciliado o espalha-brasas. Novos planos. O engenheiro setuagenário. Aceleração no trabalho. Homem disciplinador. "Julguei-os hipócritas." Gente enfezada. Admoestações. Feitores semi-embriagados. Impropérios do chefe. Linha telefônica. Exasperado. Babou-se de raiva. Frase indecorosa. Tocaia. Surrado e amarrado. "Seu Góis está aqui." Condenação. Palavras respeitadas.
Capítulo X — Notícias falsas. Tarefas e empreitadas. "Trabalhar a vida inteira, não." A antítese do outro. O profissional não esmorecia. Sepultado em Figueira. Febre amarela? Visita do primeiro engenheiro. "Seu doutor está multado." "Aquele homem não produz." Compressão nos gastos. Promovido. Outra mudança. Legiões de soldados do trabalho. A bondade e o peso da senhora. "A doença é falta de pagamento."
Capítulo XI — O cascatear do ribeirão. Um apelo inesperado. "Não seja imprudente." A afirmação do Dr. Mayo. O Rio Cuieté. O paludismo alastra-se. O sexagenário da Serra do ltueta. "Não é corrupio, mas é birro grosso." Transes comoventes. "Mosquito não transmite a malária." A alegria desapareceu. Durante o dia ou a noite o drama é o mesmo. Para imigrantes, monumentos, para brasileiros, discursos. Perseguição dos insetos. Termo da tarefa. Proteção. Recordações. Justiça e generosidade. Caçadores. O mau-olhado.
Capítulo XII — Na berlinda. Obrigações retomadas. Retirada de um profissional. Parabéns. Novo superintendente. Apanhado de surpresa. Reclamações. Não recebem. Promessas. Interferência conciliatória. Satisfação geral. "Não troquei palavras." "A greve vai estourar." "O dinheiro aparecerá." Pagamentos sem atraso. Boa intenção. Despedidas. O trem parte. Explodiu a greve. Divergências. Engenheiros demitem-se. Vitória! região descampada. Caminho de cabrito ou de serviço.
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[Reprodução da primeira edição publicada pela Livraria e Editora José Olympio, Rio de Janeiro, em 1959, como parte da Coleção Documentos Brasileiros. Publicado originalmente no site em 2004.]
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© 1959 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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Ceciliano Abel de Almeida (autor) foi engenheiro da Estrada de Ferro Vitória a Minas, tendo trabalhado nos primórdios de sua construção, sendo também responsável por importantes obras de infraestrutura no Estado. Foi o primeiro prefeito de Vitória, ES, professor de ensino secundário no Ginásio Espírito Santo e primeiro reitor da Universidade do Espírito Santo, quando de sua fundação como instituição estadual.
1/01/2016
Aquiesci no convite do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado e aceitei profundamente reconhecido o cargo de Reitor da Universidade do Espírito Santo depois de muito pensar na recusa à convocação de Sua Excelência. E por que haveria de recusar o instante e honroso chamamento?
Dois foram os motivos de minhas relutâncias. O temor de não desempenhar de modo plenamente satisfatório a incumbência que bem poderia ser confiada a outrem de maiores aptidões, e a maturidade de meus pobres conhecimentos, tão delongada já no tempo que se esvai, e tão somenos na esconsa obscuridade de minha vida humilde...
Ora, no dizer de Amoroso Lima, "uma Universidade é, antes de tudo, uma disciplinadora da Inteligência. O que o Estado faz com a ordem jurídica deve a Universidade fazer com a ordem intelectual, isto é, operar como tanto gostam de dizer os pensadores alemães, a passagem do Caos ao Cosmos".
E, Seletíssimo Auditório, o varão que, de há muito, transpôs o solais da montanha da vida e está resvalando na ladeira que, dia a dia, se encurta, sente, como eu, que o esforço despendido para retardar a marcha penosa, no declive fatal, debilita-lhe o físico, e a parte intelectual também se vai enfraquecendo, e arriscando-se ele a reger uma Universidade revela-se homem de pouca circunspeção. E, por isso, quanto me custou atender os desejos do excelentíssimo senhor Governador, só Deus o sabe.
O excelentíssimo senhor Governador do Estado e eu somos terranteses. Muito mais moço do que eu, teve ele o seu berço num sobrado, sito na margem direita do rio de S. Mateus, na Fazenda do Palmito; e numa palhoça nasci, no Sítio da Liberdade, na banda esquerda do Santana, distante cerca de três milhas da Casa Grande do Palmito.
Os nossos genitores eram amigos, e tive a honra de ser amigo íntimo do Dr. Jones dos Santos Neves, cidadão probo e clínico humanitário que, quando partiu para a Mansão dos Justos, nos deixou saudades infindas e o exemplo de uma vida modelar. A amizade que tinha eu ao Dr. Jones dos Santos Neves transferiu-se integral ao seu filho, ao espírito-santense digno e incansável que dirige os destinos de nossa terra.
Estão justificadas, meus senhores, a temeridade ou a precipitação, a falta de prudência ou de madureza, que me alçaram em Reitor desta Universidade. Sirvo ao filho de meu Amigo. Sirvo ao meu Amigo, o excelentíssimo senhor Governador do Estado. E, mais uma vez, vou servir à Terra Querida do Espírito Santo, com a dedicação que permitirem minhas possibilidades.
Quando atentamos nas linhas de povoamento trilhadas pela Metrópole Portuguesa para intensificar a colonização do Brasil, desde logo nos depara destacadamente a atividade operante dos governadores gerais, alguns licenciados pela Universidade de Coimbra, e, à medida que o desbravamento se amplia, aqui aportam vultos ilustres despachados pelo Rei para os cargos de justiça e administração. Não tarda, e também seguem do Brasil para o reino, a fim de frequentarem a Universidade, brasileiros que voltam aptos para ocupar encargos de relevo e interferir nos negócios da colônia.
E se a história regista que o ensino primário no Brasil era escasso e apenas ministrado, por largo tempo, pelos jesuítas, não se deve obscurecer que os estadistas que chegavam de Lisboa eram, em geral, dotados de sólidos conhecimentos hauridos naquela Universidade que passou por odisseia notável.
Criada em Lisboa, em 1290, por D. Diniz, é por ele transferida para Coimbra. Mais tarde é removida por D. Fernando para Lisboa. E, ainda uma vez, voltou por ordem de D. João III, e agora, definitivamente, para Coimbra. O marquês de Pombal reformou-a. A República, em 1910, suprimiu-lhe a Faculdade de Teologia e fundou as Universidades do Porto e de Lisboa.
Desde o fim do século XIII que Portugal demonstrou pendor pelo ensino universitário. Instituídas antes da de Coimbra só foram as de Salamanca, de Oxford, de Bolonha e de Paris.
Segundo Fernando de Azevedo, na Grécia antiga ensinavam os filósofos passeando e conversando nos jardins com os seus discípulos, como Platão; ou sobre as margens do Ilissos, como Aristóteles. Nesses tempos recuados, Platão, como depois Ronsard, na renascença, "um jardim parecia ser o vestíbulo florido do pensamento puro e da especulação, para uma pequena elite de homens curiosos de poesia e de verdade e onde, ao abrigo dos prazeres e das paixões, sábios, sem ódios e sem desejos, consagravam toda sua existência à meditação".
E na Idade Média, esclarece Álvaro Magalhães, foi nos conventos onde os estudos se desdobraram e aprofundaram-se, criticando e investigando "as ideias vindas da antiguidade". A essas lucubrações outras se agregaram às matérias componentes do trivium que gozavam de primazia. E quando surgem as universidades são elas constituídas por quatro faculdades clássicas: teologia, artes, direito (civil e canônico) e medicina.
A Universidade clássica vai, pouco a pouco, se engrandecendo à medida que os conhecimentos humanos se ampliam, até que se alcançou, como diz Ortega y Gasset — o clima histórico, moral e político, em que elas floresceram e em que predominaram certos valores sociais, certas preferências e certos entusiasmos.[ 1 ]
Nessa quadra favorável em que a preferência e o entusiasmo pela inteligência atraíram os homens para viver de idéias e para idéias, a ciência e o pensamento atingiram o seu apogeu e é ainda Ortega y Gasset, que observa: "era natural que a Universidade prosperasse e chegasse à sua culminância nos séculos que representam o império quase indiviso da inteligência, na época moderna e sobretudo no século XIX".
Essa época de clima histórico, "de entusiasmo pela inteligência, pelo pensamento e pela razão", muda-se em outra "em que ao intelectualismo sucede o voluntarismo, à liberdade a uniformização e ao pensamento a ação"[ 2 ] e sobre a qual o professor Fernando de Azevedo salienta haver sucedido à discussão livre a época atual, em que o regime político vermelho ou reacionário tende sempre a decretar: "Senhores, acabou-se a discussão."
O decreto que criou a Universidade do Espírito Santo deixa bem claro o pensamento do legislador espírito-santense quando estatui: — art. 2) São fins da Universidade:
a) promover condições propícias ao desenvolvimento da reflexão filosófica, da pesquisa científica e da produção literária e artística;
b) assegurar pelo ensino, a comunicação dos conhecimentos que concorrem para o bem-estar generalizado e para a elevação dos padrões de vida, de atividade e de pensamento;
c) formar especialistas nos diversos ramos da cultura e técnicos altamente habilitados ao exercício das atividades profissionais de base científica ou artística;
d) incentivar e prover os meios de progresso da cooperação nas atividades intelectuais;
e) realizar a obra social da vulgarização da cultura.
Da leitura dos itens b, c, d, e e verifica-se imediatamente que os verbos empregados — promover, assegurar, formar, incentivar, prover e realizar — todos transitivos, têm complementos que esclarecem os trabalhos e as atividades que cada qual explana e os quais só podem ser executados na base de auxílio mútuo. Se não houver colaboração ordenada, consciente por parte de todos os professores e alunos, não será realizada a finalidade da Universidade, a que se refere a lei. E, ainda, se houver a cooperação em cada faculdade ou escola componentes da Universidade, porém, insuladamente, também o dispositivo da lei não é cumprido e, portanto, a Universidade só existe abstratamente, mesmo que funcionem em um só edifício.
A Universidade que hoje se instala conta com a boa vontade de professores e alunos que se empenham em realizar pesquisas científicas e com o propósito inabalável de "colaboração entre os diversos especialistas e faculdades na base do auxílio mútuo e desinteressado na conquista de novas verdades".[ 3 ] Assim se terá chegado ao espírito universitário que Amoroso Lima define "como sendo uma modalidade desse espírito cooperativo, tão falado hoje em dia, e que corresponde a uma justa reação contra o individualismo por muito tempo reinante. É o espírito corporativo na ordem cultural e entre aqueles que preparam o seu curso superior de estudos".
Nesse espírito universitário podem-se considerar duas partes: uma social e outra cultural. É um binômio em que a primeira parte faz da Universidade um grupo social autônomo. Daí se conclui que a Universidade é grupo social, voluntário e natural às sociedades humanas. Essa parte é a primeira condição para a existência de um espírito universitário.
A parte cultural distingue a Universidade dos outros grupos sociais. Ela forma um conjunto de estudos de caráter superior, destinado à pesquisa da verdade e ao alto preparo cultural das elites de uma nacionalidade.
O binômio, a que me refiro, trata da formação das elites dirigentes de um determinado povo. É o ideal da Universidade e, portanto, é a existência de um espírito universitário.
Estas ligeiras referências que acabo de fazer, arrimadas na autoridade de Amoroso Lima,[ 4 ] estão contidas nos artigos 18 e 19 da lei já citada:
Art. 18) Com o fim de prover ambiente propício à formação do espírito universitário, serão adotadas medidas susceptíveis de assegurarem as condições necessárias e suficientes ao trabalho, à iniciativa e à pesquisa bem como à união, solidariedade e cooperação de professores, assistentes, auxiliares de ensino, alunos e ex-alunos de todos os institutos universitários.
Art. 19) A aproximação e o convívio dos professores, assistentes, auxiliares de ensino, alunos e ex-alunos e funcionários dos diversos institutos universitários serão, desde a instalação da universidade e na medida das possibilidades, assegurados: pela aproximação dos edifícios [...]; pela unidade de direção e administração da Universidade [...]; pela organização de grupos de disciplinas comuns [...]; pela instituição do regime de trabalho [...]; pela prática em comum de atividades sociais dos alunos dos diversos institutos; e pela organização de associações e grêmios universitários de estudo, recreação ou desportos.
Seletíssimo Auditório, Senhores Diretores e Professores dos institutos universitários, na lei da criação da Universidade do Espírito Santo, cuja sigla é U. E. S., está indicado que a sua direção e administração caberão a um Reitor, assistido por um Conselho Universitário, que é constituído dos diretores dos diversos institutos integrantes da Universidade, de um representante da Congregação de Professores de cada um dos institutos universitários, de um representante dos ex-alunos diplomados dos vários institutos e de um representante dos atuais alunos. Tenho a honra de conhecer todos os diretores e, no meu modo de julgar, tendo em conta os seus altos e inconfundíveis méritos, poderei vantajosamente ser amanhã substituído na Reitoria por qualquer desses luminares, pois não lhes faltam ilustração superior à minha, idoneidade profissional e atividade para desempenhar tão elevado cargo.
Neste instante, senhores Diretores e Professores, em que, com a maior sinceridade, vos transmito, no pórtico desta Universidade, esse juízo, acompanhado de meu preito de veneração à nobre classe de professores a que, como figura apagada, tenho a insigne honra de pertencer, permitam-me meus colegas e amigos, que lhes rogue me ajudem com suas luzes, a fim de que possa a U. E. S. ombrear galhardamente com as outras universidades do país.
Tenho fé no futuro radiante desta Universidade, sobretudo porque confio nos Diretores e Professores dos institutos. O que se vai realizar não será obra do Reitor que, para ela, pouco ou quase nada contribuirá, mas sim uma obra esplendorosa, um edifício rutilante, que será construído pelo colendo Conselho Universitário.
Excelentíssimo Senhor Secretário da Educação e Cultura, Professor Rafael Grisi, sei que a alma de Vossa Excelência transborda hoje de alegria. Cumpriu Vossa Excelência conscienciosamente o seu dever, correspondendo aos ardentes desejos do senhor Governador de, antes do término do seu governo, deixar instalada a Universidade do Espírito Santo. A U. E. S. já não é um projeto, é obra realizada e, como velho docente dos cursos secundários desta minha terra querida, peço vênia a Vossa Excelência para o cumprimentar respeitosamente.
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Dr. Jones dos Santos Neves, o eminente professor Dr. Fernando Azevedo em seu livro intitulado A Universidade do Mundo de Amanhã, depois de uma série de considerações referentes à capital paulistana, requintou em elogio ao Chefe do Executivo e opinou: "o Governador de S. Paulo, criando a Universidade, foi o libertador desse destino encantado. Acordou as vocações; iluminou as sombras; as atividades desinteressadas do espírito multiplicaram-se, e houve festas nas almas". O Governador do Espírito Santo, Doutor Jones dos Santos Neves, criando a Universidade do Espírito Santo, fez tudo isso, e não só houve festas nas almas, como também provou que o Espírito Santo pode, pelo seu elevado índice cultural, possuir uma Universidade. Excelentíssimo Senhor Governador, o Reitor da Universidade do Espírito Santo e os seus professores agradecem-lhe a magnífica dádiva que Vossa Excelência lhes deu. Esta dádiva, estou certo, produzirá frutos que exaltarão o Estado e o nome de Vossa Excelência.
Seletíssimo Auditório, há precisamente 419 anos que Vasco Fernandes Coutinho deu início ao povoamento do solo do Espírito Santo, depois de haver pelas armas rechaçado os indígenas, os donos da terra. Lançou os fundamentos da civilização cristã e marcou-a de modo indelével, quando batizou a capitania com o nome de Espírito Santo.
Deixou ele aos seus pósteros o exemplo de sua tenacidade, de seus sofrimentos, de sua resignação e de seu valor. O Reitor e os professores da U. E. S. seguirão, por certo, esses tão nobres predicados e de grande fortaleza de ânimo. E no que tange particularmente ao Reitor, declaro que ele, humilde, pedirá a Deus que, por misericórdia, lhe indique o caminho do Senhor, tão magnificamente expresso naquela frase eterna: Eu Sou o Caminho e a Verdade e a Vida.
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Ceciliano Abel de Almeida
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Criação e Instalação Ufes
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Ufes
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Universidade Federal do Espírito Santo
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Aquiesci no convite do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado e aceitei profundamente reconhecido o cargo de Reitor da Universidade do ...
Discurso proferido pelo Prof. Ceciliano Abel de Almeida, Magnífico Reitor da Universidade do Espírito Santo
Aquiesci no convite do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado e aceitei profundamente reconhecido o cargo de Reitor da Universidade do Espírito Santo depois de muito pensar na recusa à convocação de Sua Excelência. E por que haveria de recusar o instante e honroso chamamento?
Dois foram os motivos de minhas relutâncias. O temor de não desempenhar de modo plenamente satisfatório a incumbência que bem poderia ser confiada a outrem de maiores aptidões, e a maturidade de meus pobres conhecimentos, tão delongada já no tempo que se esvai, e tão somenos na esconsa obscuridade de minha vida humilde...
Ora, no dizer de Amoroso Lima, "uma Universidade é, antes de tudo, uma disciplinadora da Inteligência. O que o Estado faz com a ordem jurídica deve a Universidade fazer com a ordem intelectual, isto é, operar como tanto gostam de dizer os pensadores alemães, a passagem do Caos ao Cosmos".
E, Seletíssimo Auditório, o varão que, de há muito, transpôs o solais da montanha da vida e está resvalando na ladeira que, dia a dia, se encurta, sente, como eu, que o esforço despendido para retardar a marcha penosa, no declive fatal, debilita-lhe o físico, e a parte intelectual também se vai enfraquecendo, e arriscando-se ele a reger uma Universidade revela-se homem de pouca circunspeção. E, por isso, quanto me custou atender os desejos do excelentíssimo senhor Governador, só Deus o sabe.
O excelentíssimo senhor Governador do Estado e eu somos terranteses. Muito mais moço do que eu, teve ele o seu berço num sobrado, sito na margem direita do rio de S. Mateus, na Fazenda do Palmito; e numa palhoça nasci, no Sítio da Liberdade, na banda esquerda do Santana, distante cerca de três milhas da Casa Grande do Palmito.
Os nossos genitores eram amigos, e tive a honra de ser amigo íntimo do Dr. Jones dos Santos Neves, cidadão probo e clínico humanitário que, quando partiu para a Mansão dos Justos, nos deixou saudades infindas e o exemplo de uma vida modelar. A amizade que tinha eu ao Dr. Jones dos Santos Neves transferiu-se integral ao seu filho, ao espírito-santense digno e incansável que dirige os destinos de nossa terra.
Estão justificadas, meus senhores, a temeridade ou a precipitação, a falta de prudência ou de madureza, que me alçaram em Reitor desta Universidade. Sirvo ao filho de meu Amigo. Sirvo ao meu Amigo, o excelentíssimo senhor Governador do Estado. E, mais uma vez, vou servir à Terra Querida do Espírito Santo, com a dedicação que permitirem minhas possibilidades.
Quando atentamos nas linhas de povoamento trilhadas pela Metrópole Portuguesa para intensificar a colonização do Brasil, desde logo nos depara destacadamente a atividade operante dos governadores gerais, alguns licenciados pela Universidade de Coimbra, e, à medida que o desbravamento se amplia, aqui aportam vultos ilustres despachados pelo Rei para os cargos de justiça e administração. Não tarda, e também seguem do Brasil para o reino, a fim de frequentarem a Universidade, brasileiros que voltam aptos para ocupar encargos de relevo e interferir nos negócios da colônia.
E se a história regista que o ensino primário no Brasil era escasso e apenas ministrado, por largo tempo, pelos jesuítas, não se deve obscurecer que os estadistas que chegavam de Lisboa eram, em geral, dotados de sólidos conhecimentos hauridos naquela Universidade que passou por odisseia notável.
Criada em Lisboa, em 1290, por D. Diniz, é por ele transferida para Coimbra. Mais tarde é removida por D. Fernando para Lisboa. E, ainda uma vez, voltou por ordem de D. João III, e agora, definitivamente, para Coimbra. O marquês de Pombal reformou-a. A República, em 1910, suprimiu-lhe a Faculdade de Teologia e fundou as Universidades do Porto e de Lisboa.
Desde o fim do século XIII que Portugal demonstrou pendor pelo ensino universitário. Instituídas antes da de Coimbra só foram as de Salamanca, de Oxford, de Bolonha e de Paris.
Segundo Fernando de Azevedo, na Grécia antiga ensinavam os filósofos passeando e conversando nos jardins com os seus discípulos, como Platão; ou sobre as margens do Ilissos, como Aristóteles. Nesses tempos recuados, Platão, como depois Ronsard, na renascença, "um jardim parecia ser o vestíbulo florido do pensamento puro e da especulação, para uma pequena elite de homens curiosos de poesia e de verdade e onde, ao abrigo dos prazeres e das paixões, sábios, sem ódios e sem desejos, consagravam toda sua existência à meditação".
E na Idade Média, esclarece Álvaro Magalhães, foi nos conventos onde os estudos se desdobraram e aprofundaram-se, criticando e investigando "as ideias vindas da antiguidade". A essas lucubrações outras se agregaram às matérias componentes do trivium que gozavam de primazia. E quando surgem as universidades são elas constituídas por quatro faculdades clássicas: teologia, artes, direito (civil e canônico) e medicina.
A Universidade clássica vai, pouco a pouco, se engrandecendo à medida que os conhecimentos humanos se ampliam, até que se alcançou, como diz Ortega y Gasset — o clima histórico, moral e político, em que elas floresceram e em que predominaram certos valores sociais, certas preferências e certos entusiasmos.[ 1 ]
Nessa quadra favorável em que a preferência e o entusiasmo pela inteligência atraíram os homens para viver de idéias e para idéias, a ciência e o pensamento atingiram o seu apogeu e é ainda Ortega y Gasset, que observa: "era natural que a Universidade prosperasse e chegasse à sua culminância nos séculos que representam o império quase indiviso da inteligência, na época moderna e sobretudo no século XIX".
Essa época de clima histórico, "de entusiasmo pela inteligência, pelo pensamento e pela razão", muda-se em outra "em que ao intelectualismo sucede o voluntarismo, à liberdade a uniformização e ao pensamento a ação"[ 2 ] e sobre a qual o professor Fernando de Azevedo salienta haver sucedido à discussão livre a época atual, em que o regime político vermelho ou reacionário tende sempre a decretar: "Senhores, acabou-se a discussão."
O decreto que criou a Universidade do Espírito Santo deixa bem claro o pensamento do legislador espírito-santense quando estatui: — art. 2) São fins da Universidade:
a) promover condições propícias ao desenvolvimento da reflexão filosófica, da pesquisa científica e da produção literária e artística;
b) assegurar pelo ensino, a comunicação dos conhecimentos que concorrem para o bem-estar generalizado e para a elevação dos padrões de vida, de atividade e de pensamento;
c) formar especialistas nos diversos ramos da cultura e técnicos altamente habilitados ao exercício das atividades profissionais de base científica ou artística;
d) incentivar e prover os meios de progresso da cooperação nas atividades intelectuais;
e) realizar a obra social da vulgarização da cultura.
Da leitura dos itens b, c, d, e e verifica-se imediatamente que os verbos empregados — promover, assegurar, formar, incentivar, prover e realizar — todos transitivos, têm complementos que esclarecem os trabalhos e as atividades que cada qual explana e os quais só podem ser executados na base de auxílio mútuo. Se não houver colaboração ordenada, consciente por parte de todos os professores e alunos, não será realizada a finalidade da Universidade, a que se refere a lei. E, ainda, se houver a cooperação em cada faculdade ou escola componentes da Universidade, porém, insuladamente, também o dispositivo da lei não é cumprido e, portanto, a Universidade só existe abstratamente, mesmo que funcionem em um só edifício.
A Universidade que hoje se instala conta com a boa vontade de professores e alunos que se empenham em realizar pesquisas científicas e com o propósito inabalável de "colaboração entre os diversos especialistas e faculdades na base do auxílio mútuo e desinteressado na conquista de novas verdades".[ 3 ] Assim se terá chegado ao espírito universitário que Amoroso Lima define "como sendo uma modalidade desse espírito cooperativo, tão falado hoje em dia, e que corresponde a uma justa reação contra o individualismo por muito tempo reinante. É o espírito corporativo na ordem cultural e entre aqueles que preparam o seu curso superior de estudos".
Nesse espírito universitário podem-se considerar duas partes: uma social e outra cultural. É um binômio em que a primeira parte faz da Universidade um grupo social autônomo. Daí se conclui que a Universidade é grupo social, voluntário e natural às sociedades humanas. Essa parte é a primeira condição para a existência de um espírito universitário.
A parte cultural distingue a Universidade dos outros grupos sociais. Ela forma um conjunto de estudos de caráter superior, destinado à pesquisa da verdade e ao alto preparo cultural das elites de uma nacionalidade.
O binômio, a que me refiro, trata da formação das elites dirigentes de um determinado povo. É o ideal da Universidade e, portanto, é a existência de um espírito universitário.
Estas ligeiras referências que acabo de fazer, arrimadas na autoridade de Amoroso Lima,[ 4 ] estão contidas nos artigos 18 e 19 da lei já citada:
Art. 18) Com o fim de prover ambiente propício à formação do espírito universitário, serão adotadas medidas susceptíveis de assegurarem as condições necessárias e suficientes ao trabalho, à iniciativa e à pesquisa bem como à união, solidariedade e cooperação de professores, assistentes, auxiliares de ensino, alunos e ex-alunos de todos os institutos universitários.
Art. 19) A aproximação e o convívio dos professores, assistentes, auxiliares de ensino, alunos e ex-alunos e funcionários dos diversos institutos universitários serão, desde a instalação da universidade e na medida das possibilidades, assegurados: pela aproximação dos edifícios [...]; pela unidade de direção e administração da Universidade [...]; pela organização de grupos de disciplinas comuns [...]; pela instituição do regime de trabalho [...]; pela prática em comum de atividades sociais dos alunos dos diversos institutos; e pela organização de associações e grêmios universitários de estudo, recreação ou desportos.
Seletíssimo Auditório, Senhores Diretores e Professores dos institutos universitários, na lei da criação da Universidade do Espírito Santo, cuja sigla é U. E. S., está indicado que a sua direção e administração caberão a um Reitor, assistido por um Conselho Universitário, que é constituído dos diretores dos diversos institutos integrantes da Universidade, de um representante da Congregação de Professores de cada um dos institutos universitários, de um representante dos ex-alunos diplomados dos vários institutos e de um representante dos atuais alunos. Tenho a honra de conhecer todos os diretores e, no meu modo de julgar, tendo em conta os seus altos e inconfundíveis méritos, poderei vantajosamente ser amanhã substituído na Reitoria por qualquer desses luminares, pois não lhes faltam ilustração superior à minha, idoneidade profissional e atividade para desempenhar tão elevado cargo.
Neste instante, senhores Diretores e Professores, em que, com a maior sinceridade, vos transmito, no pórtico desta Universidade, esse juízo, acompanhado de meu preito de veneração à nobre classe de professores a que, como figura apagada, tenho a insigne honra de pertencer, permitam-me meus colegas e amigos, que lhes rogue me ajudem com suas luzes, a fim de que possa a U. E. S. ombrear galhardamente com as outras universidades do país.
Tenho fé no futuro radiante desta Universidade, sobretudo porque confio nos Diretores e Professores dos institutos. O que se vai realizar não será obra do Reitor que, para ela, pouco ou quase nada contribuirá, mas sim uma obra esplendorosa, um edifício rutilante, que será construído pelo colendo Conselho Universitário.
Excelentíssimo Senhor Secretário da Educação e Cultura, Professor Rafael Grisi, sei que a alma de Vossa Excelência transborda hoje de alegria. Cumpriu Vossa Excelência conscienciosamente o seu dever, correspondendo aos ardentes desejos do senhor Governador de, antes do término do seu governo, deixar instalada a Universidade do Espírito Santo. A U. E. S. já não é um projeto, é obra realizada e, como velho docente dos cursos secundários desta minha terra querida, peço vênia a Vossa Excelência para o cumprimentar respeitosamente.
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Dr. Jones dos Santos Neves, o eminente professor Dr. Fernando Azevedo em seu livro intitulado A Universidade do Mundo de Amanhã, depois de uma série de considerações referentes à capital paulistana, requintou em elogio ao Chefe do Executivo e opinou: "o Governador de S. Paulo, criando a Universidade, foi o libertador desse destino encantado. Acordou as vocações; iluminou as sombras; as atividades desinteressadas do espírito multiplicaram-se, e houve festas nas almas". O Governador do Espírito Santo, Doutor Jones dos Santos Neves, criando a Universidade do Espírito Santo, fez tudo isso, e não só houve festas nas almas, como também provou que o Espírito Santo pode, pelo seu elevado índice cultural, possuir uma Universidade. Excelentíssimo Senhor Governador, o Reitor da Universidade do Espírito Santo e os seus professores agradecem-lhe a magnífica dádiva que Vossa Excelência lhes deu. Esta dádiva, estou certo, produzirá frutos que exaltarão o Estado e o nome de Vossa Excelência.
Seletíssimo Auditório, há precisamente 419 anos que Vasco Fernandes Coutinho deu início ao povoamento do solo do Espírito Santo, depois de haver pelas armas rechaçado os indígenas, os donos da terra. Lançou os fundamentos da civilização cristã e marcou-a de modo indelével, quando batizou a capitania com o nome de Espírito Santo.
Deixou ele aos seus pósteros o exemplo de sua tenacidade, de seus sofrimentos, de sua resignação e de seu valor. O Reitor e os professores da U. E. S. seguirão, por certo, esses tão nobres predicados e de grande fortaleza de ânimo. E no que tange particularmente ao Reitor, declaro que ele, humilde, pedirá a Deus que, por misericórdia, lhe indique o caminho do Senhor, tão magnificamente expresso naquela frase eterna: Eu Sou o Caminho e a Verdade e a Vida.
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NOTAS
[ 1 ] Fernando de Azevedo, A Universidade do Mundo de Amanhã, p. 119.
[ 2 ] Idem, p. 120.
[ 3 ] Álvaro Magalhães, Dicionário.
[ 4 ] Amoroso Lima, Humanismo Pedagógico, p. 192, 193 e 194.
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Ceciliano Abel de Almeida (autor) foi engenheiro da Estrada de Ferro Vitória a Minas, tendo trabalhado nos primórdios de sua construção, sendo também responsável por importantes obras de infraestrutura no Estado. Foi o primeiro prefeito de Vitória, ES, professor de ensino secundário no Ginásio Espírito Santo e primeiro reitor da Universidade do Espírito Santo, quando de sua fundação como instituição estadual.
1/01/2016
Ceciliano Abel de Almeida (autor) foi engenheiro da Estrada de Ferro Vitória a Minas, tendo trabalhado nos primórdios de sua construção, sendo também responsável por importantes obras de infraestrutura no Estado. Foi o primeiro prefeito de Vitória, ES, professor de ensino secundário no Ginásio Espírito Santo e primeiro reitor da Universidade do Espírito Santo, quando de sua fundação como instituição estadual.
Ceciliano Abel de Almeida (autor) foi engenheiro da Estrada de Ferro Vitória a Minas, tendo trabalhado nos primórdios de sua construção...
Ceciliano Abel de Almeida - Biobibliografia
Ceciliano Abel de Almeida (autor) foi engenheiro da Estrada de Ferro Vitória a Minas, tendo trabalhado nos primórdios de sua construção, sendo também responsável por importantes obras de infraestrutura no Estado. Foi o primeiro prefeito de Vitória, ES, professor de ensino secundário no Ginásio Espírito Santo e primeiro reitor da Universidade do Espírito Santo, quando de sua fundação como instituição estadual.
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12/01/2015
Somos avisados de que alguém nos procurava e acudindo ao chamado que se nos fazia achamo-nos diante de um elegante moço, calçando meias botas amarelas e pantalonas de riscado, vestindo paletó do mesmo tecido e camisa branca, e trazendo um lenço grande matizado de cores diversas, amarrado ao pescoço, Rosto cheio e varonil, corado, olhos azulados, espargia saúde de sua figura impressionante. E logo que falou despertou-nos simpatia.
— Deixei o Dr. Pedro Versiani em Colatina. Determinou-me encontrar-me com o senhor, onde estivesse, e participasse-lhe que ele vem amanhã e pretende começar a exploração no dia primeiro. Manda pedir-lhe o favor de estar pronto para acompanhá-lo até a Barra do Manhuaçu, onde será o abarracamento da turma.
Vou pernoitar lá e espero dar cumprimento às ordens do chefe alugando uma casa para evitar as barracas de lona. Alimento a fiúza de achar em Marra do Manhuaçu um casebre onde se possa ficar uma quinzena. Levo ao Sr. Antônio Bittencourt, o comerciante mais forte do lugar, uma carta de apresentação e confio no êxito da providência que me foi reservada.
Presente, o Sr. Buriche aparteia:
— Se o senhor me permite recomendo-o, também, ao Bittencourt. É quase certo que o senhor obterá o que deseja. Aquele meu freguês vai a Barra do Manhuaçu e lá pernoitará regressando amanhã. Por ele pode comunicar-nos se conseguiu a casa e isso se dirá ao chefe quando aqui chegar.
O emissário, que nos abalara, Sr. José Masserano, era um dos auxiliares da turma e deu-nos, ainda, outras informações. Em canoa chegariam naquele dia ou no outro, de manhã, a bagagem, instrumentos e ferramentas. Estava, também, incumbido de providenciar animais cargueiros para o transporte até Barra do Manhuaçu. Disso espontaneamente se encarregou o Sr. Buriche.
A xícara de café que, de praxe, se oferecia ao viajante, tomou-a o Sr. Masserano e continuou sua derrota.
Ao jantar, o nosso magnânimo hospedeiro, satisfeito, desabafa:
— A gente não pode mais duvidar, a estrada vai ser construída, e adeus dificuldades do Rio Doce!
Percebe-se, ao longe, o tropear da cavalgata que, dentro de pouco tempo, embarafusta pelo terreiro situado na frente da casa. É o Dr .Pedro Versiani que chega, acompanhado dos auxiliares Laurindo Macedo e Cleto Nunes Filho. Acompanha-os Antônio Amorim, o tratador dos animais.
— Apeiem — diz-lhes o Sr. Buriche. — Apeiem. Apeiem todos. E cumprimentando-os passa pelos muares suarentos que o tropeiro vai amarrando às estacas.
— Entrem. Não façam cerimônias. — E, quando na sala, faz as apresentações e comunica ao chefe:
— A casa em Barra do Manhuaçu está alugada, a canoa trazendo a bagagem não abicou ainda, mas como já deram quatro horas não deve tardar a aproar para o porto, e a tropa está à espera da carga para transportá-la. Pernoitarão hoje, aqui, e amanhã seguirão depois do almoço que será servido cedo. Boa medida será que se verifique, depois da descarga da canoa, se há alguma falta do que a gente possa remediar.
O chefe afastou-se, acertou com o Amorim e deu-lhe ordens para a viagem do dia imediato.
Depois tocou a nossa vez de ter a necessária entrevista com o Dr .Pedro Versiani. Sabíamos um homem bom, um engenheiro competente, um profissional honesto. Antes de o conhecer já o acatávamos, não só pela sua posição hierárquica em relação à nossa, como, principalmente, pela sua fama de chefe leal, de bondade infinita e de respeitabilidade singular.
Dotado de singeleza atraente, cativava os que tinham a. felicidade de se aproximar dele. Não nos passou despercebida a deferência com que o tratavam os auxiliares e como lhes retribuía ele as delicadezas recebidas. Nessa primeira conversa senhoreou-se o Dr. Versiani de nossa amizade, de nossa veneração. Fomos seu ajudante e temos certeza de que jamais lhe causamos contrariedades. Ele não as merecia.
Oito horas marcava o nosso relógio. Já caminhamos cinco quilômetros, distância que medeia entre os Rios Natividade e Manhuaçu. Vamos estrear a realização de nossos sonhos.
Rodeamos uma estaca encimada por uma cruzeta, que estava sumida na capoeira fina, sita no sopé do espigão que olha o Natividade até as vizinhanças do seu desaguar no Rio Doce. Os foiceiros, rápido esfrançaram os arbustos e lemos a legenda "Viminas" escrita no braço da cruzeta. Esse marco era o ponto terminal da linha de exploração estudada até ali pelo engenheiro que nos precedeu.
"Viminas" era o endereço telegráfico da Companhia. Desrelvada a terra procuramos o piquete que, oculto no chão, deveria ter no topo uma tacha de cobre. Encontramo-lo.
— Esse aparelho -recomendou o Dr. Versiani -só pode ser retirado da caixa ou nela colocado pelo engenheiro. Nenhum trabalhador tem licença para pegá-lo e esta proibição abrange, também, o feitor. Mais tarde, se for cuidadoso, cumpridor de ordens e respeitado pela turma poderá, como prêmio, consentir-se a que faça esse trabalho delicado.
Depois caçou na algibeira a chave, abriu a caixa que acomodava o instrumento e assentou-o no tripé. Em seguida verificou se estava bem atarraxado e centrou-o, de maneira que a extremidade afunilada do prumo quase encostasse na brocha pregada na piqueta.
Ainda há de se retificar o trânsito antes de começar o serviço e enquanto ele, caprichosamente, fazia a retificação o feitor orientava os trabalhadores que aviventavam a linha até deparar outro piquete com prego.
Auxiliares e trabalhadores convergiram, à chamada do chefe, para junto do aparelho e ele fez-lhes oportuna advertência.
Esperava que todos se esforçassem para que no serviço houvesse ordem, respeito, obediência, porque só com boa organização poderia ele apresentar produção recomendável, que os trabalhadores não podiam carregar armas, porque na turma era indispensável cordialidade mútua e, também, para evitar acidente motivado por um disparo inesperado. Era proibido o uso de aguardente. Aquele que se embriagasse seria despedido. Deviam acatar as ordens dos superiores. Quem tivesse alguma reclamação a fazer devia levá-la ao engenheiro ajudante. A este competia providenciar sobre as queixas, sobre a alimentação para todos e tomar medidas para o bom andamento dos trabalhos.
Os auxiliares, também, cumpririam as ordens ou instruções emanadas do ajudante, que agiria de acordo com ele e que tinha a obrigação de lhe cientificar toda anormalidade que surgisse.
Depois desses esclarecimentos ordenou o Dr. Pedro Versiani ao imediato do feitor que fosse aprumar uma baliza no piquete de ré, visou-a, inverteu a. luneta, deu a deflexão adequada, fez o cálculo indispensável e, entregando-nos a caderneta de alinhamentos, declarou-nos:
— o senhor é o responsável por ela, e, portanto, pela parte técnica. Exija do nivelador as cotas. Farei os reconhecimentos parciais. Conduzirei a linha conforme as observações que me fornecer. — E, resoluto, anunciou: — O trabalho está iniciado. Vamos. Todos a postos. — E encarando um trabalhador de boa aparência:
— O senhor, que é o primeiro baliza, que está fazendo? Peça a direção ao doutor. Guie os outros. Vamos. Já perdemos muito tempo. Precisamos recuperá-lo.
Minutos após, a labuta estava ordenada. O feitor alinhava olhando para a baliza de ré de modo que ocultasse com a sua a luneta do trânsito. O foiceiro de guia apenas abria uma trilha que lhe desse passagem, e dois outros a alargavam e aperfeiçoavam-na.
O primeiro baliza fiscalizava-os e, depois de estimar a distância da picada aberta, estendia a trena de vinte metros, dávamos-lhe a direção exata e, então, ele procedia à medição. O estaqueiro retirava de um saco um piquete, enterrava-o, até rentear o terreno no lugar indicado pela ponta da baliza do feitor e a trinta centímetros à esquerda, afincava uma estaca chanfrada e numerada. Era a testemunha. Terminada a operação, gritava o feitor o número da estaca e prosseguia no mesmo ritmo.
Íamos anotando a caderneta e, na folha à direita figurávamos o esboço do relevo do solo que mais tarde, no escritório, facilitaria a construção do desenho topográfico, em que seria projetado o traçado da estrada de ferro.
A estaca chantada ao lado da de nome "Viminas", ponto inicial de nosso alinhamento, foi marcada com um zero. A segunda testemunha recebeu o número um, a terceira o dois, a quarta o três e, assim, por diante. Medidos duzentos metros assinalados pela estaca dez foi cravada uma tacha de cobre na piqueta e para aí se fez a mudança do instrumento. Centrado e posto em plano horizontal o prato do aparelho, obramos como o chek na estaca zero, na primeira estação, e sem tardança continuamos o trabalho.
Enquanto assim procedíamos os auxiliares marcavam as normais ao alinhamento e com clinômetro mediam os ângulos de inclinação do solo abrangendo uma faixa de cento e sessenta metros. O nivelador já ao lado do trânsito havia nivelado e contranivelado as dez vintenas de metros da linha corrida.
Não havíamos reparado na pessoa do Dr. Pedro Versiani ao nosso lado. Estava satisfeito e recomendou-nos que mandássemos colocar um piquete de prego, acrescentando:
— As marmitas estão debaixo daquela árvore frondosa, em frente — e apontou-a. — Os caldeirões dos trabalhadores também estão, lá. Vamos almoçar. Tudo vai bem e o senhor está se impondo à turma sem estardalhaço.
O exercício havia estimulado o apetite. O almoço, sem ser de forno e fogão, agradava a todos. Saboreávamo-lo. O cardápio não era variado mas arraigado na tradição da terra: feijão, charque, arroz, farinha de mandioca e café. O dos trabalhadores não era inferior ao nosso e só se diferençava pelos utensílios. O deles em panelas, e o nosso em marmitas. Naquele tempo não falavam em vitaminas. Não eram ainda conjeturadas.
Finda nossa refeição, com fumaças de banquete pelo deleite de comer jabá com tutu, cigarramos, cavaqueamos entre bafarodas do petume e, depois de curta delonga, partimos para retomar nossas obrigações.
Instalado o trânsito, recomeçou a azáfama com alegria.
O chefe arredou-se da picada. Foi percorrer o alinhamento desde o ponto inicial. Encontrou os auxiliares labutando nas' instruções, que lhes havíamos transmitido. As cadernetas em ordem. Os camaradas que abriam as ordenadas puxaram pelas foices e não se desviavam da direção marcada, com o esquadro pelo seccionista. Assim nos participava o resultado de sua inspeção:
— A turma é diligente e se não houver dispersão de bons elementos exploraremos os sessenta quilômetros em três meses, conforme os desejos da Companhia.
Passaram horas e, agora, já o sol descai e seus raios dardejam na objetiva da luneta do aparelho, obrigando-nos a protegê-la com o quebra-luz apropriado, quando, de novo, o Dr. Versiani aparece e manifesta-nos a intenção de suspender os trabalhos com uma pergunta:
— Não acha o senhor que basta? Concordamos.
Colocado o piquete com a tacha de cobre fizemos ao primeiro baliza o sinal convencionado de "Alto!" E ele transmitiu-o a toda a turma.
Guardado por nós na caixa o trânsito, montamos a cavalo e rumamos para o abarracamento.
Em caminho indagou-nos o chefe o número da última estaca. "Quarenta", dissemos-lhe.
Foi ótimo o serviço do primeiro dia e no quinto ou sexto deveremos atravessar o Manhuaçu e ganhar a mata.
Quando mandamos percutir o piquete e a última estaca, faltaria, talvez, uma hora para o sol pardar .O Manhuaçu estava a olhos visto e o Dr. Versiani preveniu-nos de que já havia escolhido a reta da travessia e que, aberta a picada e esfrançados os arbustos da beirada do rio, descortinaríamos a bandeirola que seria colocada na margem oposta.
— Este alinhamento — acrescentou — será o do projeto. Na caderneta o senhor observará o que lhe estou esclarecendo para que o projetador não mude o eixo da ponte. A rocha compacta nos barrancos está quase aflorada. O custo da construção dos pegões vai ser baratíssimo. Quanto ao vão exato da ponte, o senhor calculará amanhã.
Alcançamos o quinto dia de nossos trabalhos. Vamos bem.
Íamos transpor o Manhuaçu.
Medimos, rio acima, um segmento retilíneo. Era o cateto de um triângulo em que o outro era o prolongamento da linha de exploração, que passaria na bandeirola situada do outro lado do rio.
Esboçamos a topografia da faixa que nos interessava. Nela figuramos o triângulo com os elementos conhecidos e quando nos dispúnhamos a fazer a avaliação trigonométrica, utilizando-nos da caderneta do campo de Pereira Passos, o Dr. Versiani ponderou-nos:
— O senhor poderá fazer o cálculo na canoa durante o tempo da travessia.
— Achamos boa a sugestão e ele rematou:
— Dê-me a distância e eu me incumbirei de fiscalizar a numeração das estacas, sua chantadura e a dos marcos de referência do nivelamento em ambas as margens.
O porta-instrumento entra na canoa com o trânsito. Sentamo-nos no banco e lá fomos calculando e verificando cuidadosamente as operações, enquanto os canoeiros mupicavam obedecendo às reiteradas recomendações do chefe: — "vamos depressa".
Saltamos. O Dr. Versiani instala, sem detença, o aparelho, visa à baliza apoiada no piquete da margem direita e mantida verticalmente e indaga que comprimento encontramos. Demos-lho e ele sentencia:
— A ponte deverá ter oitenta metros de vão. Será, até aqui, a de maiores dimensões da estrada. — Depois reflete, enfrenta-nos, serenamente, e interroga-nos:
— Está certo o cálculo?
— Está. Tiramos a prova. — E apresentamos-lhe a caderneta de alinhamentos.
— Empregou logaritmos? Mas no "Passos" não há logaritmos. — Usamos a tabela de senos, co-senos e tangentes naturais e verificamos tirando os logaritmos do Mémorial Téchnique de L. Mazzochi. Ei-lo.
— É um excelente aide-mémoire e o senhor é cauteloso. Muito bem.
Prolongamos em plena mataria a reta da travessia do rio até a fralda do espigão que separa o Manhuaçu do Rio Doce. Aí inclinamos para a direita e subimos suavemente a uma pequena garganta, na ponta do morro, onde a vegetação mirrada rodeava uma tapera. Divisamos, então, a temporizada Pedra do Lorena, sita à margem esquerda do Rio Doce, olhando imponente a foz do Manhuaçu.
Despedimo-nos, depois, do sítio abandonado, penetramos em cheio a mata virgem e fomos coleando entre o rio e a montanha, adstringindo-nos, entretanto, às condições técnicas da linha, que não podíamos relaxar.
As araras galreavam e a brisa da tarde cantava nas copas das árvores, quando deixamos o serviço. O Dr. Pedro estava alegre e, apesar dos magníficos óculos que usava. tropeçava nos tocos da picada com suas pesadas botas. Acompanhávamo-lo com solicitude, como era de nossa obrigação, enquanto os trabalhadores se safavam da floresta, bazofiando suas proezas ou taramelando impensadamente.
Dias límpidos sucediam-se. Não havia sinal de chuvas. Diarizávamos nossos trabalhos sem interrupção. Já estavam explorados quatro quilômetros, além do Manhuaçu. Notávamos que a turma não afracava a disposição de vingar as dificuldades, nem a entibiava a solidão do matagal. E, então, houve por bem o chefe levar avante a exploração mais um dia. Depois, os trabalhadores abririam as ordenadas, os auxiliares fariam o levantamento altimétrico. Nós e o nivelador copiaríamos as cadernetas que, com as dos seccionistas, seriam remetidas ao primeiro engenheiro em Vitória.
Dentro de três dias todas as cópias referentes aos dez primeiros quilômetros, inclusive a do perfil da linha com a indicação do grade, deveriam estar concluídas e mudaríamos para as vizinhanças do local da margem do Rio Doce denominado Pedra da Vaca.
A bagagem seria transportada em canoa.
Abarracamo-nos perto do rio, na mata virgem, cabrocada pelos foiceiros, que roçaram, também, lianas e cipós enrolados ou presos nos troncos grossos.
As árvores existentes no círculo em que estava o abarracamento e em seus arredores foram examinadas e abatidas as ocas, porque enfraquecidas poderiam cair.
O alinhamento progredia através da mata fechada. Os trabalhadores foiceavam e machadavam, o picadão ia sendo estaqueado e os técnicos colhiam os dados necessários, para desenhar a topografia da faixa do terreno, em que se projetaria a estrada.
Maravilhávamo-nos da faina daqueles jornaleiros. O destruir uma jaibara, o derrubar um pau-ferro ou o dominar qualquer outro obstáculo, que se lhes apresentasse, mais e mais os incitava à vitória. Quando crescia a peleja não se percebia nenhum vozear mas ouviam-se o tinir das ferramentas e o ruído da queda dos arbustos e das árvores decepadas.
Habituamo-nos àquele labor cotidiano, dentro do matagal, enlevavam-nos o gemido do zabelê e o grazinar dos periquitos em bando. À tarde, quando regressávamos, caminhando no trilho que beirava o rio, deparávamos, amiúde, com os mutuns ariscos, que se embrenhavam nas dicotomias das frondes e piavam medos. Chegando à barraca antes que o sol pardejasse íamos restaurar nas águas do caudal as energias diminuídas e, depois, distraíamo-nos com o coaxar das rãs e com o cantar dos pássaros anunciando as ave-marias.
Anoitecia. Era a hora do jantar e da cordialidade máxima. O chefe perguntava ao cozinheiro: — Há novidade? — A negativa importava na confirmação do conhecido cardápio: feijão, charque, arroz, farinha de mandioca e café. Se a resposta, porém, fosse positiva, havia um acréscimo, ao trivial, de palmito ou de peixe. E o cuca narrava a história, sempre muito enfeitada, da reboleira de palmitos casualmente descoberta, ou do surubim vasqueiro por ele pescado.
Depois da refeição a luz da lanterna de querosene ia amortecendo até que um dos auxiliares se decidisse a apagá-la, após autorização do chefe. Engolfávamo-nos em sono salutar, dormindo oito e nove horas seguidas. Noite havia, entretanto, que despertávamos com o farfalhar do vento, com o ranger das árvores umas de encontro às outras, ou com os baques dos paus velhos e das galhadas. Nessas ocasiões desapareciam o chirriar da coruja, o pio aflautado do macuco e a promessa — amanhã eu vou — sempre renovada, do curiango.
Certa noite deitado na rede, onde dormíamos, acendemos uma vela e colocamo-la no chão, enquanto nos dispúnhamos a levantar . De repente surgiu uma cobra, serpeou por baixo de nosso leito, renteou a estearina e desapareceu. Todos a viram e, à uma, puseram-se de pé. Queriam saber se o ofídio nos havia mordido. Tranqüilizamo-los. Agradecemos-lhes a cortesia e o interesse tão prontamente manifestados.
O chefe convidou-nos para procurar a cobra, que lhe pareceu venenosa.
Removemos, cautelosamente, canastras, sacos e calçados. Nossa vozearia acordou a turma. Compareceram o feitor e alguns trabalhadores, que nos ajudaram a esquadrinhar toda a barraca e não se achou o réptil.
Choveram os comentários e por fim acabamos por nos aquietar. Restabelecido o silêncio escutamos um sussurro longínquo, uma trisca indefinida ou, antes, tique-tiques, crepitações e estalidos estranhos que pareciam aproximar-se e, simultaneamente, chegavam à nossa barraca e atravessavam-na numerosos animalejos: ratos, baratas, grilos, rãs... e, de novo apareceu o feitor com um tição fazendo com ele cruzes no chão, dentro e fora da barraca, e disse-nos:
— Está explicado o aparecimento da bicha. Ela fugia das guaju-guajus, que já atingiram o nosso arranchamento. Lá deixei um homem riscando o solo com um pau aceso. Não saiam de suas camas. Vou buscar rescaldo e cerco a barraca de vosmecês e elas hão de procurar outro carreiro. Dizem os mais velhos que estas formigas guerreiras adivinham chuva, quando andam em correição. Mas isto nem sempre acontece. A noite está estrelada. Não acredito em mudança de tempo tão cedo.
O primeiro baliza voltou com cinza quente e brasas. Espalhou-as, conforme nos havia prevenido, e não fomos incomodados pelas guaju-guajus.
Conversamos sobre a correição, formiga do gênero Eciton. Esforçamo-nos por nos recordar do pouco que já havíamos sabido das corredeiras, que formam colunas de ataques a todos os animais, como acabamos de ter a confirmação.
A tertúlia alongava-se, além de nossos hábitos, e todos concordaram em finalizá-la com as boas-noites.
Já cogitávamos em mandar à casa comercial do Senhor Antônio Bittencourt, em Barra do Manhuaçu, uma canoa buscar mantimentos quando ecoaram na picada sons repetidos de um búzio. Os trabalhadores conjeturaram ser canoeiros que buzinavam descendo o rio e responderam-lhes gritando prolongadamente. No fim de poucos minutos nada mais escutamos. Só se percebiam o roçagar das foices e os golpes dos machados.
Assentado na caixa do trânsito, ao nosso lado, estava o Dr. Versiani, quando surgiu no alinhamento um curiboca de porte avantajado e veio, guiado pelo primeiro baliza, entender-se com ele.
Tirou da cabeça o chapéu de couro, saudou o Dr. Pedro e ofereceu-lhe carne de porco salgada, toucinho, rapadura, farinha de milho, feijão e arroz. O chefe observou o oferente demoradamente e passou a fazer-lhe perguntas. "Quem é o amigo?" "De onde vem e para onde vai?" "Por que nos procurou?"
E a esquisita personagem respondeu-lhe:
— Sou mineiro de Santa Maria de São Félix; venho de Figueira numa canoa carregada, que muito trabalho me deu para a transpor, vazia, nas cachoeiras, porque eu e os companheiros carregávamos os volumes passando na mata; e vou à venda do seu Bittencourt. Mas soube que a turma de engenheiros estava subindo o rio, acompanhando os morros, e vim indagar se os senhores querem ficar com os meus mantimentos, porque com o dinheiro na mão posso comprar a meu jeito em Barra do Manhuaçu.
Durante o tempo em que o homem falava o chefe fleumaticamente o analisava e, depois de seus informes, disse-lhe:
— Patrício, também sou mineiro. — E sentenciou: — O meu amigo não é um homem; é um arsenal. — O caboclo arregalou os olhos e não atinou. E o Dr. Versiani, mansamente, insistiu: — Não há dúvida, o meu patrício é um arsenal — e apontou-lhe o tronco enumerando: — Uma carabina a tiracolo, uma garrucha, uma espada, um facão, e uma faca à cintura e não sei se o amigo carrega ocultamente outras armas. É. Este homem é um arsenal!
— Seu doutô me perdoe. Eu devia ter deixado na canoa o arsená e vir falá com o doutô desarmado. Seu doutô me descurpe. A gente é obrigado a ser arsená, porque anda nestes ocos do mundo e não sabe o que se vai encontrá e nem quando há de se defendê. Me perdoe seu doutô.
— Gente de Santa Maria de São Félix é boa e ordeira. O meu amigo não faz exceção. Aproxime-se. Venha conversar comigo. Hoje vão ser nossos hóspedes o senhor e os seus companheiros. Um pouco abaixo de Pedra da Vaca é o nosso arranchamento. Esperem-nos lá. Esse moço que está perto do instrumento é quem vai comprar ao senhor e pagar-lhe imediatamente. Se as suas mercadorias não estiverem em perfeito estado e não forem de boa qualidade, ele não as adquirirá. Avise o cozinheiro da turma de que os senhores jantarão hoje com os camaradas. Está bem assim?
— Está, sim senhô. E o senhô me descurpe, seu doutô. Vou guardá o arsená.
A aquisição de mantimentos que fizemos, em ótimas condições, resolveu o problema de alimentação quase até o fim do serviço.
— Temos mais de quatro quilômetros explorados além do abarracamento. Precisamos mudar-nos para um lugar em que haja pasto para os animais — diz-nos o chefe — Chega de pernoite em mata virgem. Amanhã é sexta-feira. Toda a turma vai abrir secções e levantá-las. Eu e o senhor vamos observar o que está na frente e escolher o local para a mudança. Estou informado de que no ribeirão dos Quatis há abundância de capim-gordura e creio que possamos armar lá as nossas tendas. No primeiro dia de trabalho caminharemos para trás oito quilômetros ou um pouco mais, entretanto nos dias subseqüentes nos iremos aproximando do pouso. Parece que o lugar é saudável e convém que o reconheçamos. No domingo de madrugada a bagagem será transportada em canoa e na segunda-feira prosseguiremos a exploração.
Achamos o sítio excelente e tudo foi providenciado de acordo com a orientação do Dr. Versiani.
O desmatamento do terreno permitia-nos distinguir o leito do riacho até o seu desaguar no Rio Doce. De nossa barraca glorificávamos a natureza em seus belíssimos panoramas. Situava-se perto excelente piscina, cavada no álveo do ribeirão, na qual o banhista dificilmente se arriscava a perder a vida.
A noite ou o dia, banhados pela luz frouxa da lua ou pela reverberante do sol, causavam-nos um bem-estar infinito, que contrastava com a opressão, que sentíramos, quando cercados pela floresta secular em clareira limitadíssima.
Amávamos, exaltadamente, a terra com seus rios, serras, fauna e flora, mas reconhecíamos, talvez com amargor, não poder rivalizar com o botocudo na perfeita adaptação ao meio, vivendo feliz em seu quejeme.
Carecíamos de muita luz lânguida ou ardente, e no lugar do nosso arranchamento tínhamo-la sem restrição. Nela, nossa alma aprazia-se com a paisagem que nos rodeava.
O mês de setembro havia findado.
Ao primeiro engenheiro já havia o Dr. Pedro Versiani encaminhado os perfis e as cadernetas da exploração até a estaca mil. Assim colhia os frutos de um trabalho organizado que aumentava suas credenciais perante a Companhia. Não se envaidecia por isso, mas considerava-se, por certo, compensado por ser querido e respeitado pelo pessoal técnico e pelos jornaleiros.
Alegramo-nos no dia em que concluímos os vinte quilômetros a partir do Manhuaçu, percorridos na floresta. Muitos trabalhadores, porém, preferiam abrir a trilha do alinhamento e as ordenadas em mata virgem. O trabalho é mais leve — é mais "manero" —,diziam, do que no capoeirão, no cerrado fechado e na capoeira, cheios de espinhos, urtigas, cobras e marimbondos. E quando deparavam com uma ponta de mata grossa consideravam-se afortunados.
Estamos no último piquete cravado na véspera diante da choupana do Senhor José Lopes ou Lopinho, como era conhecido, preto de ruim catadura, chefe de numerosa família.
Centramos o trânsito e começamos a alinhar. Depois mudamos o aparelho para cento e vinte metros além e o Dr. Pedro, que havia saído de Quatis conosco, não aparecia.
Resolvemos despachar um próprio ao seu encontro quando lobrigamos um vulto. Cedo reconhecemo-lo. Chegou, abeirou-se ao instrumento e esclareceu-nos sobre o seu retarde em fala que revelava sua bondade inimitável.
— A Morena viu, à margem da vereda, viçosa moita de capim-gordura. A gramínea estava orvalhada, os raios do sol atingindo-a produziam fugaz irisação. A besta estacou, o capim acendeu-lhe o apetite, comia-o apressadamente, mas o freio atrapalhava-a. Sabia que o meu atraso não prejudicava o serviço porque o senhor não se embaraça. Apeei-me, tirei o freio da mula e admirei a gulodice do bruto que não se fartava.
Labutamos nesse dia como nos outros e o Dr. Versiani prevenimos da transferência do arranchamento. Procederíamos como anteriormente. Iríamos reconhecer o terreno adiante e escolher o local para nova instalação de nossas tendas.
Era o momento do regresso, quando o Amorim acabrunhado se avizinha do chefe e participa-lhe:
— Dr. Pedro, a Morena foi cortada pelo Lopinho. Rastejei os três: o Queimado, a Belquis e a Morena. Enxerguei-os de longe caminhando no trilho que leva à roça do homem desalmado. De repente a Morena dá um salto, e volta em disparada, o Queimado e a Belquis acompanham-na e o demônio, empunhando uma foice, persegue-os para os golpear. Dei passagem à récua, vi, de relance, o golpe e o sangue escorrendo, e enfrentei o malvado.
"Por que o senhor feriu a mula de sela de meu amo?"
"Porque ia devastar minha lavoura".
"E ela comeu alguma plantação?"
"Não, porque não deixei. Fiquei de tocaia esperando estes animais para os matar se me dessem prejuízos. Estou informado de que estrada de ferro não respeita a propriedade de ninguém. Arrasa tudo. Mas comigo não há de ser como estão pensando".
"Mas a besta é do engenheiro, é do chefe. Sou o arrieiro. Sou o responsável".
"Pois então fique sabendo. Meti a foice na mula. E mato a você ou a qualquer trabalhador que surrupie cana, banana ou outro produto de minha roça. E o engenheiro também será repelido e morto se quiser abusar".
E o Amorim continuou:
— Seu doutor Pedro, quando ouvi estas barbaridades enraiveci-me tanto que o senhor não pode imaginar. Tive vontade de esganar o atrevido com as cordas que tinha nas mãos. Não tenho medo de valentão, e não o fiz, porque vossa senhoria proíbe que a gente faça certas coisas e por isso me obriga a ouvir desaforos de um tinhoso como esse Lopinho.
— Fez bem em não reagir. Você e todos estão proibidos de entrar na roça do homem. Não quero brigas. A turma é decente. Está estudando o traçado da estrada e tem o propósito de não questionar com o Senhor José Lopes ou com outro. O Masserano vai verificar se há estrago e, se houver, por menor que seja, é justo a indenização ao lavrador, perdido com sua família neste ermo. Você, Amorim, não deve zangar-se com o sucedido. E diga-me, pôde selar a Morena ou o corte impediu que você pusesse nela o selim?
— J á está arreada. O talho é grande mas é raso. Dentro de oito dias a ferida estará cicatrizada e o senhor poderá viajar nela diariamente.
— O Senhor Lopes é o primeiro morador depois do Manhuaçu. Está indisposto contra o pessoal da estrada. Se o tratarmos bem, com paciência e com justiça, ele ainda poderá transformar-se em amigo. E é o que nos cumpre fazer.
Admiramos a prudência do Dr. Pedro Versiani, Só a sua experiência podia dar-nos esse exemplo de tamanha tolerância. Jamais nos esquecemos dessa passagem e, freqüentemente, a temos recordado, inspirando-nos nela para resolver dificuldades. Suas palavras sensatas, sua mansidão invejável, sofreavam os ímpetos defensivos e, quiçá, agressivos do Amorim e, também, moderavam os exaltamentos momentâneos de quaisquer de seus auxiliares e dos trabalhadores.
À noite, depois do jantar, disse-nos ele pachorrenta e filosoficamente:
— Este foi o dia da Morena — pela gulodice asinina estimulada pelo gordura rociado, e pelo golpe na anca acertado pelo truculento ferrabrás. Esse Lopes, chamado Lopinho, é um lobinho mofino, que foiça a alimária por crueldade, não é lobo de nobreza que ataca, denta, mata e devora a presa para saciar a fome.
Tencionou o Dr. Pedro Versiani acampar a turma a jusante da cachoeira de Santana por ser em canoa mais conveniente o transporte da bagagem e das mercadorias.
Reconhecemos o terreno e depois de trotearem nossas cavalgaduras o caminho tortuoso pressagiamos a aproximação de uma itaipava porque percebêramos, embora indistintamente, o seu cachoar.
Na vereda estreita havia trechos em que os galhos se entrelaçavam, acima de nossas cabeças, e não lobrigávamos, sequer, a frente próxima, por isso nos surpreendemos, quando a poucos passos deparamos uma aglomeração de pessoas, homens, mulheres e crianças, talvez três dezenas, rodeando uma grande cruz de madeira fincada no chão no meio de um monte de pedras de tamanhos diversos.
Paramos e assuntamos a explicação que nos dera aquela gente de crença sublimada.
Distante daquela cruz e além do ribeirão de Santana havia uma capelinha e perto outro cruzeiro. Quando se prolongava a seca reuniam-se no oratório, rezavam a Maria Santíssima e a sua Mãe, Senhora Santana, e prometiam-lhes fazer penitência, carregando as pedras de um lugar para o outro. Atendida por Deus a intercessão das santas, caía a chuva desejada e necessária.
Acompanhamos o magote de fiéis, visitamos a modesta capela, relacionamo-nos com os presentes, cuja maioria morava afastada do rio, e contemplamos a cachoeira de Santana.
De volta, acercamo-nos de uma casa, sita na margem direita do ribeirão, na qual assistia uma viúva, a Dona Maria.
O Dr. Versiani conseguiu que ela lha alugasse. Marcou-lhe o dia da entrega que seria o da nossa mudança. Ela iria morar com um dos filhos. Levaria as galinhas e o papagaio falador.
Noticiamos, durante o jantar, aos auxiliares, essas combinações. Ficaríamos, por algum tempo, livres da barraca. Sorriram satisfeitos.
Dá ares de residir num palacete aquele que foi habitar um casebre, deixando a tenda de campanha.
Alojamo-nos na sala, que era extensa. Nela couberam as camas-de-vento do chefe, dos auxiliares e a nossa rede. Dois aposentos foram fechados pela proprietária, conforme a condição por ela estabelecida com o chefe. Além da sala nos servíamos, também, da cozinha.
Cada qual se sentia bem abrigado. A nossa residência era maravilhosa e o banho na cascata, deleitante.
Anoiteceu. Tínhamos a alma embrincada e antegozávamos o sono restaurador que dormiríamos. Isso, entretanto, fora ilusão, porque velamos, nervosamente, nessa noite de começo auspicioso.
No oitão da casa da banda de fora, próximo da cama do Dr. Pedro, estava o poleiro das aves que D. Maria não levara.
Antes de meia-noite um galo bem munido de esporões, garboso, reprodutor único daquele grupo de galinhas crioulas, emitiu a voz alta, longa, arrogante, da qual se evolavam modulações agradáveis, por certo, aos ouvidos de sua dona.
As horas escoavam, o galo amiudava e ninguém dormia. Ele espertar-nos-ia até ao amanhecer, se o Dr. Pedro não acertasse com a solução adequada. Gritou pelo Amorim, que acudiu ao chamado e dispôs-se a cumprir a ordem do Dr. Versiani:
— Retire esse galo e, ao romper do dia, leve-o com as galinhas à dona.
A noite está serena e estrelada. Da mata, do outro lado do rio, vinham pios espaçados, enquanto uma coruja chirriava ao longe. Poucos pirilampos luciluziam naquela hora.
E quando o Amorim, às tontas, se aproximava do poleiro, o galo iniciou um cocorocô. Quis pegá-lo mas não o conseguiu.
E o Amorim anuncia entusiasmado:
— Seu doutor, o galo caiu nos meus pés, continuou a cantar até encostar o bico no chão. É um animal de valor. É raro encontrar-se dessa espécie. É um galo músico.
Na picada, naquele dia, chefe e auxiliares bocejavam.
Diarizamos o perfil da linha explorada valendo-nos de uma vela esteárica para melhorar o aclaramento baço da lanterna de querosene, e da caixa do trânsito, como prancheta. Em seguida calculamos e traçamos o grade e submetemo-lo à apreciação do chefe.
Finda essa tarefa palestrávamos sobre assuntos variados, de preferência sobre as ocorrências do dia e, depois, dávamo-nos as boas-noites e repousávamos.
De uma feita, nessa hora de cavaco, o Dr. Versiani, deitado na cama, entretinha uma narração atraente e de repente a interrompe, aponta-nos as botas e exclama:
— Vejam! Olhem! Que perigo! Que horror! E todos observamos, estarrecidos, uma cobra que se enroscava em tomo de uma das botas, depois se desenroscou, insinuou-se por ela e escondeu-se às nossas vistas.
O nervosismo atingiu o auge. Ninguém se animou a levar a bota para fora de casa. E o chefe recorreu ao Amorim, que compareceu, à pressa, com o feitor, e outros trabalhadores, e inteiraram-se do ocorrido.
E, enquanto, o tropeiro vai, cautelosamente, transportar a bota, outros buscam varas, e preparam-se para varar o ofídio e tirar-lhe a vida.
O luar domina no terreiro, o que lhes vai permitir enxergar o réptil. Forma-se o círculo dos que se dispunham a dar varadas e a bicha foi despejada, açoitada e morta.
Era uma jararaca. Media pouco mais de metro.
Restabeleceu-se no acampamento a tranqüilidade e o Amorim foi premiado pelo chefe com uma obrigação a mais: à noite, tapar as botas para evitar a reprodução do acontecimento impressionante.
Diariamente progredia o trabalho. A turma diligenciava por adquirir boa recomendação. Na véspera já havíamos acompridado a linha de exploração, além do arranchamento, fraldejado um espigão, fronteado com a cachoeira de Santana e, cravado o último piquete, perto da margem direita do ribeirão do Barroso.
Na manhã do dia imediato atravessamo-lo e andamos por ampla encosta dando deflexões, à esquerda e à direita, medindo e estaqueando.
Em certa ocasião, quando centrávamos e nivelávamos o trânsito, um caburé imprudente veio, sutilmente, pousar num galho desfolhado de um arbusto. E tão manso se mostrava que parecia querer saudar-nos. Mirava-nos e remirava-nos, sem medo e, talvez, sem malícia. Os olhos perscrutadores, as penas bem ajustadas ao corpo e a sisudez própria davam-lhe um quê de boa linhagem e de elevada dignidade, que ainda mais se ressaltava por causa de sua quietude destemerosa.
Os trabalhadores descobriram-no, em seu desabrigado posto de observação, e lastimaram não haver uma espingarda para alvejá-lo e matá-lo.
Comentavam não a curiosidade, a imprevidência, ou a mansidão do desprevenido bubonídeo, mas o desafio, a ousadia ou o desaforo de tanto se avizinhar da turma. "Ele pensa, talvez, que somos besouro, camundongo ou pinto", diziam, e constituíram um tribunal cruel, e condenaram-no.
E quando, preparado o aparelho, nos dispúnhamos a prosseguir, o primeiro baliza apresentou-nos o revólver, que guardávamos na caixa do instrumento, e disse-nos
— Por favor, seu doutor, atire-lhe.
— E que mal nos está fazendo ele?
— Atire-lhe, nós lhe pedimos. É um comedor de pinto.
— Aqui, neste ermo, não há pinto. Por que se há de matar o pobre?
— Atire-lhe, seu doutor. É um atrevido. Toda a turma lhe pede que atire ao sem-vergonha, que acerte um tiro nele.
— Não atiramos bem.
— Então atire-lhe para espantar.
— Pegamos do revólver. Atiramos ao caburé, que, morto, caiu.
— Muito bem! bonito tiro! — disseram.
Correram. Apanharam a ave. Examinaram-na.
— O doutor tem boa pontaria, ele não erra a cabeça de um homem e choveram os comentários, e fomos considerado como ótimo atirador.
Ficamos desapontado. Remoíamos de arrependimento. Resolutamente, ordenamos:
— Vamos, basta de caburé, basta!
E nunca mais disparamos o revólver diante da turma.
Era um domingo. Já estava espalhado que a turma, breve, mudar-se-ia para a Serra da Onça. Relacionamo-nos com os poucos moradores das redondezas e nesse dia recebemos visitas e os trabalhadores, também, e mais numerosas.
O velho Moisés, cafuzo de barbas compridas e grisalhas, compareceu ao nosso dormitório. Loquaz e cavaqueador foi ficando, sem falar no regresso. Anoiteceu e ele participou-nos:
— Vou esperar que a lua saia para ir para casa — e desandou a contar fatos de almas penadas e de assombrações. Eram histórias do nosso folclore, geralmente conhecidas.
Narrou-nos, porém, um episódio que vamos reproduzir.
Um conhecido costumava visitar um amigo e quase sempre se descuidava da volta; anoitecia e ele só retornava a desoras: Conhecia bem o trajeto. Não era medroso. Não acreditava em fantasmas.
Certa vez regressou quando já era alta noite. O noitão estava escuro como breu e, numa encosta escampa, lobrigou ele um vulto ainda mais preto. Foi andando. O caminho ia rente ar o bicho, que, visto de perto, parecia um porco negro, enorme, de pé, apoiando-se nas patas traseiras e balouçando o corpo de vez em quando.
Gritou, o espantalho não arredou. Trovejou ameaças e o estafermo está quieto. Bradou — "deixe-me livre o caminho!" — Nada. Não lhe dava passagem. E momentos havia em que o suíno crescia como se fosse um ouriço colossal.
Aquilo era um desafio. No lugar em que estava havia muitas pedras. Resolveu apedrejar o avejão.
Arremessou-lhe pedras e o bruto não se mexeu, mas ele teve a impressão de que a visonha ia reagir. E não se enganou. O monstro remexeu-se e frufulhou um rumor de folhas. Depois disso, o homem se arrepiou todo. Os cabelos eriçaram-se, abalou de onde estava e, tonto, abrigou-se numa casa abandonada, perto da do amigo. Velou o resto da noite angustiado, apavorado.
Apontavam as barras da madrugada, quando se afastou da choupana velha. Caminhava depressa, queria ver os rastros do lobisomem, o sangue do encantado, porque tantos foram os calhaus atirados que, por certo, ele fora ferido e lá estariam as manchas de sangue para atestar sua luta, sua valentia. De que foi uma aparição, estava convencido. E agora ele acreditava em visão, em visagem, em mula-sem-cabeça e em tudo.
Com o coração aos pulos, avizinhou-se do local do evento horripilante. Não achou pegadas, nem sangue, nem vestígios. Novamente se engolfava no pavor quando, observando melhor, descobriu que uma arvoreta, uma orelha-de-burro, nascida na beira do caminho, estava em parte desramada e tinha várias folhas furadas, dilaceradas.
Atinou, então, na sua ilusão, no seu medo infundado e voltou a descrer de fantasmas, de lobisomens.
Dissemos-lhe que muito gostaríamos de conhecer o protagonista da curiosa narrativa. E imediatamente nos esclarece o caburé respeitável:
— O senhor conhece-o muito, porque ele sou eu.
E o Dr. Versiani, com sua invejável finura adverte:
— Então o meu patrício teve ares de D. Quixote de la Mancha; apedrejou a inofensiva orelha-de-burro e não se confundiu, de todo, com ele, porque fugiu.
— Foi isso mesmo, seu doutor. Fugi em disparada.
[Reprodução da primeira edição publicada pela Livraria e Editora José Olympio, Rio de Janeiro, em 1959, como parte da Coleção Documentos Brasileiros. Publicado originalmente no site em 2004.]
Estrada de Ferro Vitória a Minas ___________________________________________ CAPÍTULO V O emissário. O chefe da exploração. Vimina...
O desbravamento das selvas do Rio Doce (Memórias) - EFVM V
Estrada de Ferro Vitória a Minas
___________________________________________CAPÍTULO V
O emissário. O chefe da exploração. Viminas. Advertências e deveres. Início do trabalho. O sol descai. "Alto!" Vamos bem. Travessia de Manhuaçu. Dez quilômetros explorados. Pedra da Vaca. O abarracamento. O cuca, palmito e surubim. Coruja, macuco e curiango. Cobra na barraca. Correição de guaju-guajus. "Não é homem, é arsenal." Ribeirão dos Quatis. Luz, muita luz. Trabalho leve. A gulodice da Morena. A foice do Lopinho. "Não quero brigas." Tolerância do chefe. Lopinho mofino. Rezas e penitência. Galo músico. "Olhem! Que perigo!" O caburé. "Basta!" O velho Moisés. O avejão. "Ele sou eu." |
Somos avisados de que alguém nos procurava e acudindo ao chamado que se nos fazia achamo-nos diante de um elegante moço, calçando meias botas amarelas e pantalonas de riscado, vestindo paletó do mesmo tecido e camisa branca, e trazendo um lenço grande matizado de cores diversas, amarrado ao pescoço, Rosto cheio e varonil, corado, olhos azulados, espargia saúde de sua figura impressionante. E logo que falou despertou-nos simpatia.
— Deixei o Dr. Pedro Versiani em Colatina. Determinou-me encontrar-me com o senhor, onde estivesse, e participasse-lhe que ele vem amanhã e pretende começar a exploração no dia primeiro. Manda pedir-lhe o favor de estar pronto para acompanhá-lo até a Barra do Manhuaçu, onde será o abarracamento da turma.
Vou pernoitar lá e espero dar cumprimento às ordens do chefe alugando uma casa para evitar as barracas de lona. Alimento a fiúza de achar em Marra do Manhuaçu um casebre onde se possa ficar uma quinzena. Levo ao Sr. Antônio Bittencourt, o comerciante mais forte do lugar, uma carta de apresentação e confio no êxito da providência que me foi reservada.
Presente, o Sr. Buriche aparteia:
— Se o senhor me permite recomendo-o, também, ao Bittencourt. É quase certo que o senhor obterá o que deseja. Aquele meu freguês vai a Barra do Manhuaçu e lá pernoitará regressando amanhã. Por ele pode comunicar-nos se conseguiu a casa e isso se dirá ao chefe quando aqui chegar.
O emissário, que nos abalara, Sr. José Masserano, era um dos auxiliares da turma e deu-nos, ainda, outras informações. Em canoa chegariam naquele dia ou no outro, de manhã, a bagagem, instrumentos e ferramentas. Estava, também, incumbido de providenciar animais cargueiros para o transporte até Barra do Manhuaçu. Disso espontaneamente se encarregou o Sr. Buriche.
A xícara de café que, de praxe, se oferecia ao viajante, tomou-a o Sr. Masserano e continuou sua derrota.
Ao jantar, o nosso magnânimo hospedeiro, satisfeito, desabafa:
— A gente não pode mais duvidar, a estrada vai ser construída, e adeus dificuldades do Rio Doce!
* * *
Percebe-se, ao longe, o tropear da cavalgata que, dentro de pouco tempo, embarafusta pelo terreiro situado na frente da casa. É o Dr .Pedro Versiani que chega, acompanhado dos auxiliares Laurindo Macedo e Cleto Nunes Filho. Acompanha-os Antônio Amorim, o tratador dos animais.
— Apeiem — diz-lhes o Sr. Buriche. — Apeiem. Apeiem todos. E cumprimentando-os passa pelos muares suarentos que o tropeiro vai amarrando às estacas.
— Entrem. Não façam cerimônias. — E, quando na sala, faz as apresentações e comunica ao chefe:
— A casa em Barra do Manhuaçu está alugada, a canoa trazendo a bagagem não abicou ainda, mas como já deram quatro horas não deve tardar a aproar para o porto, e a tropa está à espera da carga para transportá-la. Pernoitarão hoje, aqui, e amanhã seguirão depois do almoço que será servido cedo. Boa medida será que se verifique, depois da descarga da canoa, se há alguma falta do que a gente possa remediar.
O chefe afastou-se, acertou com o Amorim e deu-lhe ordens para a viagem do dia imediato.
Depois tocou a nossa vez de ter a necessária entrevista com o Dr .Pedro Versiani. Sabíamos um homem bom, um engenheiro competente, um profissional honesto. Antes de o conhecer já o acatávamos, não só pela sua posição hierárquica em relação à nossa, como, principalmente, pela sua fama de chefe leal, de bondade infinita e de respeitabilidade singular.
Dotado de singeleza atraente, cativava os que tinham a. felicidade de se aproximar dele. Não nos passou despercebida a deferência com que o tratavam os auxiliares e como lhes retribuía ele as delicadezas recebidas. Nessa primeira conversa senhoreou-se o Dr. Versiani de nossa amizade, de nossa veneração. Fomos seu ajudante e temos certeza de que jamais lhe causamos contrariedades. Ele não as merecia.
* * *
Oito horas marcava o nosso relógio. Já caminhamos cinco quilômetros, distância que medeia entre os Rios Natividade e Manhuaçu. Vamos estrear a realização de nossos sonhos.
Rodeamos uma estaca encimada por uma cruzeta, que estava sumida na capoeira fina, sita no sopé do espigão que olha o Natividade até as vizinhanças do seu desaguar no Rio Doce. Os foiceiros, rápido esfrançaram os arbustos e lemos a legenda "Viminas" escrita no braço da cruzeta. Esse marco era o ponto terminal da linha de exploração estudada até ali pelo engenheiro que nos precedeu.
"Viminas" era o endereço telegráfico da Companhia. Desrelvada a terra procuramos o piquete que, oculto no chão, deveria ter no topo uma tacha de cobre. Encontramo-lo.
— Esse aparelho -recomendou o Dr. Versiani -só pode ser retirado da caixa ou nela colocado pelo engenheiro. Nenhum trabalhador tem licença para pegá-lo e esta proibição abrange, também, o feitor. Mais tarde, se for cuidadoso, cumpridor de ordens e respeitado pela turma poderá, como prêmio, consentir-se a que faça esse trabalho delicado.
Depois caçou na algibeira a chave, abriu a caixa que acomodava o instrumento e assentou-o no tripé. Em seguida verificou se estava bem atarraxado e centrou-o, de maneira que a extremidade afunilada do prumo quase encostasse na brocha pregada na piqueta.
Ainda há de se retificar o trânsito antes de começar o serviço e enquanto ele, caprichosamente, fazia a retificação o feitor orientava os trabalhadores que aviventavam a linha até deparar outro piquete com prego.
Auxiliares e trabalhadores convergiram, à chamada do chefe, para junto do aparelho e ele fez-lhes oportuna advertência.
Esperava que todos se esforçassem para que no serviço houvesse ordem, respeito, obediência, porque só com boa organização poderia ele apresentar produção recomendável, que os trabalhadores não podiam carregar armas, porque na turma era indispensável cordialidade mútua e, também, para evitar acidente motivado por um disparo inesperado. Era proibido o uso de aguardente. Aquele que se embriagasse seria despedido. Deviam acatar as ordens dos superiores. Quem tivesse alguma reclamação a fazer devia levá-la ao engenheiro ajudante. A este competia providenciar sobre as queixas, sobre a alimentação para todos e tomar medidas para o bom andamento dos trabalhos.
Os auxiliares, também, cumpririam as ordens ou instruções emanadas do ajudante, que agiria de acordo com ele e que tinha a obrigação de lhe cientificar toda anormalidade que surgisse.
Depois desses esclarecimentos ordenou o Dr. Pedro Versiani ao imediato do feitor que fosse aprumar uma baliza no piquete de ré, visou-a, inverteu a. luneta, deu a deflexão adequada, fez o cálculo indispensável e, entregando-nos a caderneta de alinhamentos, declarou-nos:
— o senhor é o responsável por ela, e, portanto, pela parte técnica. Exija do nivelador as cotas. Farei os reconhecimentos parciais. Conduzirei a linha conforme as observações que me fornecer. — E, resoluto, anunciou: — O trabalho está iniciado. Vamos. Todos a postos. — E encarando um trabalhador de boa aparência:
— O senhor, que é o primeiro baliza, que está fazendo? Peça a direção ao doutor. Guie os outros. Vamos. Já perdemos muito tempo. Precisamos recuperá-lo.
Minutos após, a labuta estava ordenada. O feitor alinhava olhando para a baliza de ré de modo que ocultasse com a sua a luneta do trânsito. O foiceiro de guia apenas abria uma trilha que lhe desse passagem, e dois outros a alargavam e aperfeiçoavam-na.
O primeiro baliza fiscalizava-os e, depois de estimar a distância da picada aberta, estendia a trena de vinte metros, dávamos-lhe a direção exata e, então, ele procedia à medição. O estaqueiro retirava de um saco um piquete, enterrava-o, até rentear o terreno no lugar indicado pela ponta da baliza do feitor e a trinta centímetros à esquerda, afincava uma estaca chanfrada e numerada. Era a testemunha. Terminada a operação, gritava o feitor o número da estaca e prosseguia no mesmo ritmo.
Íamos anotando a caderneta e, na folha à direita figurávamos o esboço do relevo do solo que mais tarde, no escritório, facilitaria a construção do desenho topográfico, em que seria projetado o traçado da estrada de ferro.
A estaca chantada ao lado da de nome "Viminas", ponto inicial de nosso alinhamento, foi marcada com um zero. A segunda testemunha recebeu o número um, a terceira o dois, a quarta o três e, assim, por diante. Medidos duzentos metros assinalados pela estaca dez foi cravada uma tacha de cobre na piqueta e para aí se fez a mudança do instrumento. Centrado e posto em plano horizontal o prato do aparelho, obramos como o chek na estaca zero, na primeira estação, e sem tardança continuamos o trabalho.
Enquanto assim procedíamos os auxiliares marcavam as normais ao alinhamento e com clinômetro mediam os ângulos de inclinação do solo abrangendo uma faixa de cento e sessenta metros. O nivelador já ao lado do trânsito havia nivelado e contranivelado as dez vintenas de metros da linha corrida.
Não havíamos reparado na pessoa do Dr. Pedro Versiani ao nosso lado. Estava satisfeito e recomendou-nos que mandássemos colocar um piquete de prego, acrescentando:
— As marmitas estão debaixo daquela árvore frondosa, em frente — e apontou-a. — Os caldeirões dos trabalhadores também estão, lá. Vamos almoçar. Tudo vai bem e o senhor está se impondo à turma sem estardalhaço.
O exercício havia estimulado o apetite. O almoço, sem ser de forno e fogão, agradava a todos. Saboreávamo-lo. O cardápio não era variado mas arraigado na tradição da terra: feijão, charque, arroz, farinha de mandioca e café. O dos trabalhadores não era inferior ao nosso e só se diferençava pelos utensílios. O deles em panelas, e o nosso em marmitas. Naquele tempo não falavam em vitaminas. Não eram ainda conjeturadas.
Finda nossa refeição, com fumaças de banquete pelo deleite de comer jabá com tutu, cigarramos, cavaqueamos entre bafarodas do petume e, depois de curta delonga, partimos para retomar nossas obrigações.
Instalado o trânsito, recomeçou a azáfama com alegria.
O chefe arredou-se da picada. Foi percorrer o alinhamento desde o ponto inicial. Encontrou os auxiliares labutando nas' instruções, que lhes havíamos transmitido. As cadernetas em ordem. Os camaradas que abriam as ordenadas puxaram pelas foices e não se desviavam da direção marcada, com o esquadro pelo seccionista. Assim nos participava o resultado de sua inspeção:
— A turma é diligente e se não houver dispersão de bons elementos exploraremos os sessenta quilômetros em três meses, conforme os desejos da Companhia.
Passaram horas e, agora, já o sol descai e seus raios dardejam na objetiva da luneta do aparelho, obrigando-nos a protegê-la com o quebra-luz apropriado, quando, de novo, o Dr. Versiani aparece e manifesta-nos a intenção de suspender os trabalhos com uma pergunta:
— Não acha o senhor que basta? Concordamos.
Colocado o piquete com a tacha de cobre fizemos ao primeiro baliza o sinal convencionado de "Alto!" E ele transmitiu-o a toda a turma.
Guardado por nós na caixa o trânsito, montamos a cavalo e rumamos para o abarracamento.
Em caminho indagou-nos o chefe o número da última estaca. "Quarenta", dissemos-lhe.
Foi ótimo o serviço do primeiro dia e no quinto ou sexto deveremos atravessar o Manhuaçu e ganhar a mata.
* * *
Quando mandamos percutir o piquete e a última estaca, faltaria, talvez, uma hora para o sol pardar .O Manhuaçu estava a olhos visto e o Dr. Versiani preveniu-nos de que já havia escolhido a reta da travessia e que, aberta a picada e esfrançados os arbustos da beirada do rio, descortinaríamos a bandeirola que seria colocada na margem oposta.
— Este alinhamento — acrescentou — será o do projeto. Na caderneta o senhor observará o que lhe estou esclarecendo para que o projetador não mude o eixo da ponte. A rocha compacta nos barrancos está quase aflorada. O custo da construção dos pegões vai ser baratíssimo. Quanto ao vão exato da ponte, o senhor calculará amanhã.
Alcançamos o quinto dia de nossos trabalhos. Vamos bem.
* * *
Íamos transpor o Manhuaçu.
Medimos, rio acima, um segmento retilíneo. Era o cateto de um triângulo em que o outro era o prolongamento da linha de exploração, que passaria na bandeirola situada do outro lado do rio.
Esboçamos a topografia da faixa que nos interessava. Nela figuramos o triângulo com os elementos conhecidos e quando nos dispúnhamos a fazer a avaliação trigonométrica, utilizando-nos da caderneta do campo de Pereira Passos, o Dr. Versiani ponderou-nos:
— O senhor poderá fazer o cálculo na canoa durante o tempo da travessia.
— Achamos boa a sugestão e ele rematou:
— Dê-me a distância e eu me incumbirei de fiscalizar a numeração das estacas, sua chantadura e a dos marcos de referência do nivelamento em ambas as margens.
O porta-instrumento entra na canoa com o trânsito. Sentamo-nos no banco e lá fomos calculando e verificando cuidadosamente as operações, enquanto os canoeiros mupicavam obedecendo às reiteradas recomendações do chefe: — "vamos depressa".
Saltamos. O Dr. Versiani instala, sem detença, o aparelho, visa à baliza apoiada no piquete da margem direita e mantida verticalmente e indaga que comprimento encontramos. Demos-lho e ele sentencia:
— A ponte deverá ter oitenta metros de vão. Será, até aqui, a de maiores dimensões da estrada. — Depois reflete, enfrenta-nos, serenamente, e interroga-nos:
— Está certo o cálculo?
— Está. Tiramos a prova. — E apresentamos-lhe a caderneta de alinhamentos.
— Empregou logaritmos? Mas no "Passos" não há logaritmos. — Usamos a tabela de senos, co-senos e tangentes naturais e verificamos tirando os logaritmos do Mémorial Téchnique de L. Mazzochi. Ei-lo.
— É um excelente aide-mémoire e o senhor é cauteloso. Muito bem.
Prolongamos em plena mataria a reta da travessia do rio até a fralda do espigão que separa o Manhuaçu do Rio Doce. Aí inclinamos para a direita e subimos suavemente a uma pequena garganta, na ponta do morro, onde a vegetação mirrada rodeava uma tapera. Divisamos, então, a temporizada Pedra do Lorena, sita à margem esquerda do Rio Doce, olhando imponente a foz do Manhuaçu.
Despedimo-nos, depois, do sítio abandonado, penetramos em cheio a mata virgem e fomos coleando entre o rio e a montanha, adstringindo-nos, entretanto, às condições técnicas da linha, que não podíamos relaxar.
As araras galreavam e a brisa da tarde cantava nas copas das árvores, quando deixamos o serviço. O Dr. Pedro estava alegre e, apesar dos magníficos óculos que usava. tropeçava nos tocos da picada com suas pesadas botas. Acompanhávamo-lo com solicitude, como era de nossa obrigação, enquanto os trabalhadores se safavam da floresta, bazofiando suas proezas ou taramelando impensadamente.
* * *
Dias límpidos sucediam-se. Não havia sinal de chuvas. Diarizávamos nossos trabalhos sem interrupção. Já estavam explorados quatro quilômetros, além do Manhuaçu. Notávamos que a turma não afracava a disposição de vingar as dificuldades, nem a entibiava a solidão do matagal. E, então, houve por bem o chefe levar avante a exploração mais um dia. Depois, os trabalhadores abririam as ordenadas, os auxiliares fariam o levantamento altimétrico. Nós e o nivelador copiaríamos as cadernetas que, com as dos seccionistas, seriam remetidas ao primeiro engenheiro em Vitória.
Dentro de três dias todas as cópias referentes aos dez primeiros quilômetros, inclusive a do perfil da linha com a indicação do grade, deveriam estar concluídas e mudaríamos para as vizinhanças do local da margem do Rio Doce denominado Pedra da Vaca.
A bagagem seria transportada em canoa.
* * *
Abarracamo-nos perto do rio, na mata virgem, cabrocada pelos foiceiros, que roçaram, também, lianas e cipós enrolados ou presos nos troncos grossos.
As árvores existentes no círculo em que estava o abarracamento e em seus arredores foram examinadas e abatidas as ocas, porque enfraquecidas poderiam cair.
O alinhamento progredia através da mata fechada. Os trabalhadores foiceavam e machadavam, o picadão ia sendo estaqueado e os técnicos colhiam os dados necessários, para desenhar a topografia da faixa do terreno, em que se projetaria a estrada.
Maravilhávamo-nos da faina daqueles jornaleiros. O destruir uma jaibara, o derrubar um pau-ferro ou o dominar qualquer outro obstáculo, que se lhes apresentasse, mais e mais os incitava à vitória. Quando crescia a peleja não se percebia nenhum vozear mas ouviam-se o tinir das ferramentas e o ruído da queda dos arbustos e das árvores decepadas.
* * *
Habituamo-nos àquele labor cotidiano, dentro do matagal, enlevavam-nos o gemido do zabelê e o grazinar dos periquitos em bando. À tarde, quando regressávamos, caminhando no trilho que beirava o rio, deparávamos, amiúde, com os mutuns ariscos, que se embrenhavam nas dicotomias das frondes e piavam medos. Chegando à barraca antes que o sol pardejasse íamos restaurar nas águas do caudal as energias diminuídas e, depois, distraíamo-nos com o coaxar das rãs e com o cantar dos pássaros anunciando as ave-marias.
Anoitecia. Era a hora do jantar e da cordialidade máxima. O chefe perguntava ao cozinheiro: — Há novidade? — A negativa importava na confirmação do conhecido cardápio: feijão, charque, arroz, farinha de mandioca e café. Se a resposta, porém, fosse positiva, havia um acréscimo, ao trivial, de palmito ou de peixe. E o cuca narrava a história, sempre muito enfeitada, da reboleira de palmitos casualmente descoberta, ou do surubim vasqueiro por ele pescado.
Depois da refeição a luz da lanterna de querosene ia amortecendo até que um dos auxiliares se decidisse a apagá-la, após autorização do chefe. Engolfávamo-nos em sono salutar, dormindo oito e nove horas seguidas. Noite havia, entretanto, que despertávamos com o farfalhar do vento, com o ranger das árvores umas de encontro às outras, ou com os baques dos paus velhos e das galhadas. Nessas ocasiões desapareciam o chirriar da coruja, o pio aflautado do macuco e a promessa — amanhã eu vou — sempre renovada, do curiango.
Certa noite deitado na rede, onde dormíamos, acendemos uma vela e colocamo-la no chão, enquanto nos dispúnhamos a levantar . De repente surgiu uma cobra, serpeou por baixo de nosso leito, renteou a estearina e desapareceu. Todos a viram e, à uma, puseram-se de pé. Queriam saber se o ofídio nos havia mordido. Tranqüilizamo-los. Agradecemos-lhes a cortesia e o interesse tão prontamente manifestados.
O chefe convidou-nos para procurar a cobra, que lhe pareceu venenosa.
Removemos, cautelosamente, canastras, sacos e calçados. Nossa vozearia acordou a turma. Compareceram o feitor e alguns trabalhadores, que nos ajudaram a esquadrinhar toda a barraca e não se achou o réptil.
Choveram os comentários e por fim acabamos por nos aquietar. Restabelecido o silêncio escutamos um sussurro longínquo, uma trisca indefinida ou, antes, tique-tiques, crepitações e estalidos estranhos que pareciam aproximar-se e, simultaneamente, chegavam à nossa barraca e atravessavam-na numerosos animalejos: ratos, baratas, grilos, rãs... e, de novo apareceu o feitor com um tição fazendo com ele cruzes no chão, dentro e fora da barraca, e disse-nos:
— Está explicado o aparecimento da bicha. Ela fugia das guaju-guajus, que já atingiram o nosso arranchamento. Lá deixei um homem riscando o solo com um pau aceso. Não saiam de suas camas. Vou buscar rescaldo e cerco a barraca de vosmecês e elas hão de procurar outro carreiro. Dizem os mais velhos que estas formigas guerreiras adivinham chuva, quando andam em correição. Mas isto nem sempre acontece. A noite está estrelada. Não acredito em mudança de tempo tão cedo.
O primeiro baliza voltou com cinza quente e brasas. Espalhou-as, conforme nos havia prevenido, e não fomos incomodados pelas guaju-guajus.
Conversamos sobre a correição, formiga do gênero Eciton. Esforçamo-nos por nos recordar do pouco que já havíamos sabido das corredeiras, que formam colunas de ataques a todos os animais, como acabamos de ter a confirmação.
A tertúlia alongava-se, além de nossos hábitos, e todos concordaram em finalizá-la com as boas-noites.
* * *
Já cogitávamos em mandar à casa comercial do Senhor Antônio Bittencourt, em Barra do Manhuaçu, uma canoa buscar mantimentos quando ecoaram na picada sons repetidos de um búzio. Os trabalhadores conjeturaram ser canoeiros que buzinavam descendo o rio e responderam-lhes gritando prolongadamente. No fim de poucos minutos nada mais escutamos. Só se percebiam o roçagar das foices e os golpes dos machados.
Assentado na caixa do trânsito, ao nosso lado, estava o Dr. Versiani, quando surgiu no alinhamento um curiboca de porte avantajado e veio, guiado pelo primeiro baliza, entender-se com ele.
Tirou da cabeça o chapéu de couro, saudou o Dr. Pedro e ofereceu-lhe carne de porco salgada, toucinho, rapadura, farinha de milho, feijão e arroz. O chefe observou o oferente demoradamente e passou a fazer-lhe perguntas. "Quem é o amigo?" "De onde vem e para onde vai?" "Por que nos procurou?"
E a esquisita personagem respondeu-lhe:
— Sou mineiro de Santa Maria de São Félix; venho de Figueira numa canoa carregada, que muito trabalho me deu para a transpor, vazia, nas cachoeiras, porque eu e os companheiros carregávamos os volumes passando na mata; e vou à venda do seu Bittencourt. Mas soube que a turma de engenheiros estava subindo o rio, acompanhando os morros, e vim indagar se os senhores querem ficar com os meus mantimentos, porque com o dinheiro na mão posso comprar a meu jeito em Barra do Manhuaçu.
Durante o tempo em que o homem falava o chefe fleumaticamente o analisava e, depois de seus informes, disse-lhe:
— Patrício, também sou mineiro. — E sentenciou: — O meu amigo não é um homem; é um arsenal. — O caboclo arregalou os olhos e não atinou. E o Dr. Versiani, mansamente, insistiu: — Não há dúvida, o meu patrício é um arsenal — e apontou-lhe o tronco enumerando: — Uma carabina a tiracolo, uma garrucha, uma espada, um facão, e uma faca à cintura e não sei se o amigo carrega ocultamente outras armas. É. Este homem é um arsenal!
— Seu doutô me perdoe. Eu devia ter deixado na canoa o arsená e vir falá com o doutô desarmado. Seu doutô me descurpe. A gente é obrigado a ser arsená, porque anda nestes ocos do mundo e não sabe o que se vai encontrá e nem quando há de se defendê. Me perdoe seu doutô.
— Gente de Santa Maria de São Félix é boa e ordeira. O meu amigo não faz exceção. Aproxime-se. Venha conversar comigo. Hoje vão ser nossos hóspedes o senhor e os seus companheiros. Um pouco abaixo de Pedra da Vaca é o nosso arranchamento. Esperem-nos lá. Esse moço que está perto do instrumento é quem vai comprar ao senhor e pagar-lhe imediatamente. Se as suas mercadorias não estiverem em perfeito estado e não forem de boa qualidade, ele não as adquirirá. Avise o cozinheiro da turma de que os senhores jantarão hoje com os camaradas. Está bem assim?
— Está, sim senhô. E o senhô me descurpe, seu doutô. Vou guardá o arsená.
A aquisição de mantimentos que fizemos, em ótimas condições, resolveu o problema de alimentação quase até o fim do serviço.
* * *
— Temos mais de quatro quilômetros explorados além do abarracamento. Precisamos mudar-nos para um lugar em que haja pasto para os animais — diz-nos o chefe — Chega de pernoite em mata virgem. Amanhã é sexta-feira. Toda a turma vai abrir secções e levantá-las. Eu e o senhor vamos observar o que está na frente e escolher o local para a mudança. Estou informado de que no ribeirão dos Quatis há abundância de capim-gordura e creio que possamos armar lá as nossas tendas. No primeiro dia de trabalho caminharemos para trás oito quilômetros ou um pouco mais, entretanto nos dias subseqüentes nos iremos aproximando do pouso. Parece que o lugar é saudável e convém que o reconheçamos. No domingo de madrugada a bagagem será transportada em canoa e na segunda-feira prosseguiremos a exploração.
Achamos o sítio excelente e tudo foi providenciado de acordo com a orientação do Dr. Versiani.
* * *
O desmatamento do terreno permitia-nos distinguir o leito do riacho até o seu desaguar no Rio Doce. De nossa barraca glorificávamos a natureza em seus belíssimos panoramas. Situava-se perto excelente piscina, cavada no álveo do ribeirão, na qual o banhista dificilmente se arriscava a perder a vida.
A noite ou o dia, banhados pela luz frouxa da lua ou pela reverberante do sol, causavam-nos um bem-estar infinito, que contrastava com a opressão, que sentíramos, quando cercados pela floresta secular em clareira limitadíssima.
Amávamos, exaltadamente, a terra com seus rios, serras, fauna e flora, mas reconhecíamos, talvez com amargor, não poder rivalizar com o botocudo na perfeita adaptação ao meio, vivendo feliz em seu quejeme.
Carecíamos de muita luz lânguida ou ardente, e no lugar do nosso arranchamento tínhamo-la sem restrição. Nela, nossa alma aprazia-se com a paisagem que nos rodeava.
* * *
O mês de setembro havia findado.
Ao primeiro engenheiro já havia o Dr. Pedro Versiani encaminhado os perfis e as cadernetas da exploração até a estaca mil. Assim colhia os frutos de um trabalho organizado que aumentava suas credenciais perante a Companhia. Não se envaidecia por isso, mas considerava-se, por certo, compensado por ser querido e respeitado pelo pessoal técnico e pelos jornaleiros.
Alegramo-nos no dia em que concluímos os vinte quilômetros a partir do Manhuaçu, percorridos na floresta. Muitos trabalhadores, porém, preferiam abrir a trilha do alinhamento e as ordenadas em mata virgem. O trabalho é mais leve — é mais "manero" —,diziam, do que no capoeirão, no cerrado fechado e na capoeira, cheios de espinhos, urtigas, cobras e marimbondos. E quando deparavam com uma ponta de mata grossa consideravam-se afortunados.
* * *
Estamos no último piquete cravado na véspera diante da choupana do Senhor José Lopes ou Lopinho, como era conhecido, preto de ruim catadura, chefe de numerosa família.
Centramos o trânsito e começamos a alinhar. Depois mudamos o aparelho para cento e vinte metros além e o Dr. Pedro, que havia saído de Quatis conosco, não aparecia.
Resolvemos despachar um próprio ao seu encontro quando lobrigamos um vulto. Cedo reconhecemo-lo. Chegou, abeirou-se ao instrumento e esclareceu-nos sobre o seu retarde em fala que revelava sua bondade inimitável.
— A Morena viu, à margem da vereda, viçosa moita de capim-gordura. A gramínea estava orvalhada, os raios do sol atingindo-a produziam fugaz irisação. A besta estacou, o capim acendeu-lhe o apetite, comia-o apressadamente, mas o freio atrapalhava-a. Sabia que o meu atraso não prejudicava o serviço porque o senhor não se embaraça. Apeei-me, tirei o freio da mula e admirei a gulodice do bruto que não se fartava.
Labutamos nesse dia como nos outros e o Dr. Versiani prevenimos da transferência do arranchamento. Procederíamos como anteriormente. Iríamos reconhecer o terreno adiante e escolher o local para nova instalação de nossas tendas.
Era o momento do regresso, quando o Amorim acabrunhado se avizinha do chefe e participa-lhe:
— Dr. Pedro, a Morena foi cortada pelo Lopinho. Rastejei os três: o Queimado, a Belquis e a Morena. Enxerguei-os de longe caminhando no trilho que leva à roça do homem desalmado. De repente a Morena dá um salto, e volta em disparada, o Queimado e a Belquis acompanham-na e o demônio, empunhando uma foice, persegue-os para os golpear. Dei passagem à récua, vi, de relance, o golpe e o sangue escorrendo, e enfrentei o malvado.
"Por que o senhor feriu a mula de sela de meu amo?"
"Porque ia devastar minha lavoura".
"E ela comeu alguma plantação?"
"Não, porque não deixei. Fiquei de tocaia esperando estes animais para os matar se me dessem prejuízos. Estou informado de que estrada de ferro não respeita a propriedade de ninguém. Arrasa tudo. Mas comigo não há de ser como estão pensando".
"Mas a besta é do engenheiro, é do chefe. Sou o arrieiro. Sou o responsável".
"Pois então fique sabendo. Meti a foice na mula. E mato a você ou a qualquer trabalhador que surrupie cana, banana ou outro produto de minha roça. E o engenheiro também será repelido e morto se quiser abusar".
E o Amorim continuou:
— Seu doutor Pedro, quando ouvi estas barbaridades enraiveci-me tanto que o senhor não pode imaginar. Tive vontade de esganar o atrevido com as cordas que tinha nas mãos. Não tenho medo de valentão, e não o fiz, porque vossa senhoria proíbe que a gente faça certas coisas e por isso me obriga a ouvir desaforos de um tinhoso como esse Lopinho.
— Fez bem em não reagir. Você e todos estão proibidos de entrar na roça do homem. Não quero brigas. A turma é decente. Está estudando o traçado da estrada e tem o propósito de não questionar com o Senhor José Lopes ou com outro. O Masserano vai verificar se há estrago e, se houver, por menor que seja, é justo a indenização ao lavrador, perdido com sua família neste ermo. Você, Amorim, não deve zangar-se com o sucedido. E diga-me, pôde selar a Morena ou o corte impediu que você pusesse nela o selim?
— J á está arreada. O talho é grande mas é raso. Dentro de oito dias a ferida estará cicatrizada e o senhor poderá viajar nela diariamente.
— O Senhor Lopes é o primeiro morador depois do Manhuaçu. Está indisposto contra o pessoal da estrada. Se o tratarmos bem, com paciência e com justiça, ele ainda poderá transformar-se em amigo. E é o que nos cumpre fazer.
Admiramos a prudência do Dr. Pedro Versiani, Só a sua experiência podia dar-nos esse exemplo de tamanha tolerância. Jamais nos esquecemos dessa passagem e, freqüentemente, a temos recordado, inspirando-nos nela para resolver dificuldades. Suas palavras sensatas, sua mansidão invejável, sofreavam os ímpetos defensivos e, quiçá, agressivos do Amorim e, também, moderavam os exaltamentos momentâneos de quaisquer de seus auxiliares e dos trabalhadores.
À noite, depois do jantar, disse-nos ele pachorrenta e filosoficamente:
— Este foi o dia da Morena — pela gulodice asinina estimulada pelo gordura rociado, e pelo golpe na anca acertado pelo truculento ferrabrás. Esse Lopes, chamado Lopinho, é um lobinho mofino, que foiça a alimária por crueldade, não é lobo de nobreza que ataca, denta, mata e devora a presa para saciar a fome.
* * *
Tencionou o Dr. Pedro Versiani acampar a turma a jusante da cachoeira de Santana por ser em canoa mais conveniente o transporte da bagagem e das mercadorias.
Reconhecemos o terreno e depois de trotearem nossas cavalgaduras o caminho tortuoso pressagiamos a aproximação de uma itaipava porque percebêramos, embora indistintamente, o seu cachoar.
Na vereda estreita havia trechos em que os galhos se entrelaçavam, acima de nossas cabeças, e não lobrigávamos, sequer, a frente próxima, por isso nos surpreendemos, quando a poucos passos deparamos uma aglomeração de pessoas, homens, mulheres e crianças, talvez três dezenas, rodeando uma grande cruz de madeira fincada no chão no meio de um monte de pedras de tamanhos diversos.
Paramos e assuntamos a explicação que nos dera aquela gente de crença sublimada.
Distante daquela cruz e além do ribeirão de Santana havia uma capelinha e perto outro cruzeiro. Quando se prolongava a seca reuniam-se no oratório, rezavam a Maria Santíssima e a sua Mãe, Senhora Santana, e prometiam-lhes fazer penitência, carregando as pedras de um lugar para o outro. Atendida por Deus a intercessão das santas, caía a chuva desejada e necessária.
Acompanhamos o magote de fiéis, visitamos a modesta capela, relacionamo-nos com os presentes, cuja maioria morava afastada do rio, e contemplamos a cachoeira de Santana.
De volta, acercamo-nos de uma casa, sita na margem direita do ribeirão, na qual assistia uma viúva, a Dona Maria.
O Dr. Versiani conseguiu que ela lha alugasse. Marcou-lhe o dia da entrega que seria o da nossa mudança. Ela iria morar com um dos filhos. Levaria as galinhas e o papagaio falador.
Noticiamos, durante o jantar, aos auxiliares, essas combinações. Ficaríamos, por algum tempo, livres da barraca. Sorriram satisfeitos.
* * *
Dá ares de residir num palacete aquele que foi habitar um casebre, deixando a tenda de campanha.
Alojamo-nos na sala, que era extensa. Nela couberam as camas-de-vento do chefe, dos auxiliares e a nossa rede. Dois aposentos foram fechados pela proprietária, conforme a condição por ela estabelecida com o chefe. Além da sala nos servíamos, também, da cozinha.
Cada qual se sentia bem abrigado. A nossa residência era maravilhosa e o banho na cascata, deleitante.
Anoiteceu. Tínhamos a alma embrincada e antegozávamos o sono restaurador que dormiríamos. Isso, entretanto, fora ilusão, porque velamos, nervosamente, nessa noite de começo auspicioso.
No oitão da casa da banda de fora, próximo da cama do Dr. Pedro, estava o poleiro das aves que D. Maria não levara.
Antes de meia-noite um galo bem munido de esporões, garboso, reprodutor único daquele grupo de galinhas crioulas, emitiu a voz alta, longa, arrogante, da qual se evolavam modulações agradáveis, por certo, aos ouvidos de sua dona.
As horas escoavam, o galo amiudava e ninguém dormia. Ele espertar-nos-ia até ao amanhecer, se o Dr. Pedro não acertasse com a solução adequada. Gritou pelo Amorim, que acudiu ao chamado e dispôs-se a cumprir a ordem do Dr. Versiani:
— Retire esse galo e, ao romper do dia, leve-o com as galinhas à dona.
A noite está serena e estrelada. Da mata, do outro lado do rio, vinham pios espaçados, enquanto uma coruja chirriava ao longe. Poucos pirilampos luciluziam naquela hora.
E quando o Amorim, às tontas, se aproximava do poleiro, o galo iniciou um cocorocô. Quis pegá-lo mas não o conseguiu.
E o Amorim anuncia entusiasmado:
— Seu doutor, o galo caiu nos meus pés, continuou a cantar até encostar o bico no chão. É um animal de valor. É raro encontrar-se dessa espécie. É um galo músico.
Na picada, naquele dia, chefe e auxiliares bocejavam.
* * *
Diarizamos o perfil da linha explorada valendo-nos de uma vela esteárica para melhorar o aclaramento baço da lanterna de querosene, e da caixa do trânsito, como prancheta. Em seguida calculamos e traçamos o grade e submetemo-lo à apreciação do chefe.
Finda essa tarefa palestrávamos sobre assuntos variados, de preferência sobre as ocorrências do dia e, depois, dávamo-nos as boas-noites e repousávamos.
De uma feita, nessa hora de cavaco, o Dr. Versiani, deitado na cama, entretinha uma narração atraente e de repente a interrompe, aponta-nos as botas e exclama:
— Vejam! Olhem! Que perigo! Que horror! E todos observamos, estarrecidos, uma cobra que se enroscava em tomo de uma das botas, depois se desenroscou, insinuou-se por ela e escondeu-se às nossas vistas.
O nervosismo atingiu o auge. Ninguém se animou a levar a bota para fora de casa. E o chefe recorreu ao Amorim, que compareceu, à pressa, com o feitor, e outros trabalhadores, e inteiraram-se do ocorrido.
E, enquanto, o tropeiro vai, cautelosamente, transportar a bota, outros buscam varas, e preparam-se para varar o ofídio e tirar-lhe a vida.
O luar domina no terreiro, o que lhes vai permitir enxergar o réptil. Forma-se o círculo dos que se dispunham a dar varadas e a bicha foi despejada, açoitada e morta.
Era uma jararaca. Media pouco mais de metro.
Restabeleceu-se no acampamento a tranqüilidade e o Amorim foi premiado pelo chefe com uma obrigação a mais: à noite, tapar as botas para evitar a reprodução do acontecimento impressionante.
* * *
Diariamente progredia o trabalho. A turma diligenciava por adquirir boa recomendação. Na véspera já havíamos acompridado a linha de exploração, além do arranchamento, fraldejado um espigão, fronteado com a cachoeira de Santana e, cravado o último piquete, perto da margem direita do ribeirão do Barroso.
Na manhã do dia imediato atravessamo-lo e andamos por ampla encosta dando deflexões, à esquerda e à direita, medindo e estaqueando.
Em certa ocasião, quando centrávamos e nivelávamos o trânsito, um caburé imprudente veio, sutilmente, pousar num galho desfolhado de um arbusto. E tão manso se mostrava que parecia querer saudar-nos. Mirava-nos e remirava-nos, sem medo e, talvez, sem malícia. Os olhos perscrutadores, as penas bem ajustadas ao corpo e a sisudez própria davam-lhe um quê de boa linhagem e de elevada dignidade, que ainda mais se ressaltava por causa de sua quietude destemerosa.
Os trabalhadores descobriram-no, em seu desabrigado posto de observação, e lastimaram não haver uma espingarda para alvejá-lo e matá-lo.
Comentavam não a curiosidade, a imprevidência, ou a mansidão do desprevenido bubonídeo, mas o desafio, a ousadia ou o desaforo de tanto se avizinhar da turma. "Ele pensa, talvez, que somos besouro, camundongo ou pinto", diziam, e constituíram um tribunal cruel, e condenaram-no.
E quando, preparado o aparelho, nos dispúnhamos a prosseguir, o primeiro baliza apresentou-nos o revólver, que guardávamos na caixa do instrumento, e disse-nos
— Por favor, seu doutor, atire-lhe.
— E que mal nos está fazendo ele?
— Atire-lhe, nós lhe pedimos. É um comedor de pinto.
— Aqui, neste ermo, não há pinto. Por que se há de matar o pobre?
— Atire-lhe, seu doutor. É um atrevido. Toda a turma lhe pede que atire ao sem-vergonha, que acerte um tiro nele.
— Não atiramos bem.
— Então atire-lhe para espantar.
— Pegamos do revólver. Atiramos ao caburé, que, morto, caiu.
— Muito bem! bonito tiro! — disseram.
Correram. Apanharam a ave. Examinaram-na.
— O doutor tem boa pontaria, ele não erra a cabeça de um homem e choveram os comentários, e fomos considerado como ótimo atirador.
Ficamos desapontado. Remoíamos de arrependimento. Resolutamente, ordenamos:
— Vamos, basta de caburé, basta!
E nunca mais disparamos o revólver diante da turma.
* * *
Era um domingo. Já estava espalhado que a turma, breve, mudar-se-ia para a Serra da Onça. Relacionamo-nos com os poucos moradores das redondezas e nesse dia recebemos visitas e os trabalhadores, também, e mais numerosas.
O velho Moisés, cafuzo de barbas compridas e grisalhas, compareceu ao nosso dormitório. Loquaz e cavaqueador foi ficando, sem falar no regresso. Anoiteceu e ele participou-nos:
— Vou esperar que a lua saia para ir para casa — e desandou a contar fatos de almas penadas e de assombrações. Eram histórias do nosso folclore, geralmente conhecidas.
Narrou-nos, porém, um episódio que vamos reproduzir.
Um conhecido costumava visitar um amigo e quase sempre se descuidava da volta; anoitecia e ele só retornava a desoras: Conhecia bem o trajeto. Não era medroso. Não acreditava em fantasmas.
Certa vez regressou quando já era alta noite. O noitão estava escuro como breu e, numa encosta escampa, lobrigou ele um vulto ainda mais preto. Foi andando. O caminho ia rente ar o bicho, que, visto de perto, parecia um porco negro, enorme, de pé, apoiando-se nas patas traseiras e balouçando o corpo de vez em quando.
Gritou, o espantalho não arredou. Trovejou ameaças e o estafermo está quieto. Bradou — "deixe-me livre o caminho!" — Nada. Não lhe dava passagem. E momentos havia em que o suíno crescia como se fosse um ouriço colossal.
Aquilo era um desafio. No lugar em que estava havia muitas pedras. Resolveu apedrejar o avejão.
Arremessou-lhe pedras e o bruto não se mexeu, mas ele teve a impressão de que a visonha ia reagir. E não se enganou. O monstro remexeu-se e frufulhou um rumor de folhas. Depois disso, o homem se arrepiou todo. Os cabelos eriçaram-se, abalou de onde estava e, tonto, abrigou-se numa casa abandonada, perto da do amigo. Velou o resto da noite angustiado, apavorado.
Apontavam as barras da madrugada, quando se afastou da choupana velha. Caminhava depressa, queria ver os rastros do lobisomem, o sangue do encantado, porque tantos foram os calhaus atirados que, por certo, ele fora ferido e lá estariam as manchas de sangue para atestar sua luta, sua valentia. De que foi uma aparição, estava convencido. E agora ele acreditava em visão, em visagem, em mula-sem-cabeça e em tudo.
Com o coração aos pulos, avizinhou-se do local do evento horripilante. Não achou pegadas, nem sangue, nem vestígios. Novamente se engolfava no pavor quando, observando melhor, descobriu que uma arvoreta, uma orelha-de-burro, nascida na beira do caminho, estava em parte desramada e tinha várias folhas furadas, dilaceradas.
Atinou, então, na sua ilusão, no seu medo infundado e voltou a descrer de fantasmas, de lobisomens.
Dissemos-lhe que muito gostaríamos de conhecer o protagonista da curiosa narrativa. E imediatamente nos esclarece o caburé respeitável:
— O senhor conhece-o muito, porque ele sou eu.
E o Dr. Versiani, com sua invejável finura adverte:
— Então o meu patrício teve ares de D. Quixote de la Mancha; apedrejou a inofensiva orelha-de-burro e não se confundiu, de todo, com ele, porque fugiu.
— Foi isso mesmo, seu doutor. Fugi em disparada.
[Reprodução da primeira edição publicada pela Livraria e Editora José Olympio, Rio de Janeiro, em 1959, como parte da Coleção Documentos Brasileiros. Publicado originalmente no site em 2004.]
Ceciliano Abel de Almeida (autor) foi engenheiro da Estrada de Ferro Vitória a Minas, tendo trabalhado nos primórdios de sua construção, sendo também responsável por importantes obras de infraestrutura no Estado. Foi o primeiro prefeito de Vitória, ES, professor de ensino secundário no Ginásio Espírito Santo e primeiro reitor da Universidade do Espírito Santo, quando de sua fundação como instituição estadual.
12/01/2015
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Em maio de 1501 deixa Lisboa a esquadrilha despachada por D. Manuel... "o mais bem afortunado rei da Cristandade"...[ 3 ] para fazer o reconhecimento da terra de Vera Cruz, apossada para a Coroa Portuguesa, por Pedro Álvares Cabral. Comanda-a André Gonçalves que reconhece a embocadura do Rio Doce a 13 de dezembro do mesmo ano. Calcula sua latitude Américo Vespúcio que acha 19°, 20'.[ 4 ]
Nessa época toda a bacia do Rio Doce é resguardada por mata virgem, prolongamentos daqueles... "arvoredos" que "são muitos e grandes e de infindas maneiras"...[ 5 ] assinaladas na carta de Pero Vaz de Caminha e é, ainda, durante esse primeiro século do descobrimento do Brasil que ela é, em parte, visitada, penetrada, devassada pela expedição Navarro-Espinosa,[ 6 ] organizada por Tomé de Sousa e por outros que, de volta, despertaram ambições e produziram lendas de riquezas inexauríveis.
Essas entradas, essas penetrações na zona dessa bacia também noticiam e propalam a opulência de espessas florestas,[ 7 ] assim nas planícies como nos sopés, nas encostas, nos cumes das montanhas, só havendo exceções quando as rochas se exibem, superficialmente, descascadas, temporizadas. Os devassamentos da região prosseguem nos séculos dezessete e dezoito pelos paulistas que afoitos, audazes e resolutos vingam divisores de águas de outras bacias e surgem na do Rio Doce invadindo o matagal, derribando-o, queimando-o, coivarando-o, preparando, enfim, a terra para receber a semente que produzirá o sustento, o alimento para aquela plêiade de destemidos, de bravos, de aventureiros.
E no limiar do século dezoito que aparece, em profusão, nas cabeceiras do rio, o ouro, e o governo colonial acorda, alvoroça-se e toma medidas drásticas para impedir a fuga das pepitas ambicionadas.
O governo para impedir a sua evasão, proíbe a abertura de trilhos, picadas ou caminhos, e barra a navegação das canoas isolando assim a parte alta da bacia e circunscrevendo os reflexos exaustadores da faina da mineração.[ 8 ]
Da adoção de tais providências resultou o insulamento dos trechos baixo e médio do rio, do do alto,[ 9 ] insulação que se estendeu até ao princípio do século vinte. Em 1900, era, ainda, muito incipiente, muito precário o progresso do baixo Rio Doce e de uma grande parte do médio.
Emprestamos de 1905 a 1930, ao desbravamento do vale do Rio Doce, como engenheiro da Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas todo o esforço no cumprimento de nossos deveres de profissional e de brasileiro. Há neste livro páginas arrimadas em historiadores e publicistas de alto renome, outras por nós testemunhadas e por nós vividas.
Durante o governo colonial as comunicações do Norte do país com o Sul são feitas por navios de vela, e por terra, pela praia, ouvindo-se o bramido do mar, desviando-se das ondas espumejantes, porque o único empecilho sério que se encontra é a travessia dos rios. É a estrada real, segundo Thomé Couceiro de Abreu, e "comua desde a Bahia até o Rio de Janeiro..."[ 10 ] dependendo, apenas, de moradores com canoas que aceitem o encargo de dar passagem mediante paga. Assim há, por parte dos ouvidores, a preocupação de povoar os rios nas vizinhanças do mar. Nem sempre, porém, permaneciam as famílias aí colocadas. Retiravam-se por causa dos ataques dos indígenas. Nessa situação precária, também a barra do Rio Doce teve os seus moradores pelo menos no meado do século dezoito. Antes, porém, em 1650, já se topa notícia de ser feito o percurso entre a capitania e Salvador, "por mar ou por terra", muito embora não haja "uma indicação que fosse sobre construção de estrada entre Vitória e a cidade de Salvador durante o período colonial."[ 11 ] Em 1836 aparece referência ao mau estado da estrada geral que liga Vitória ao Rio e à Bahia o qual "entorpece a marcha dos viajantes e estafetas".[ 12 ]
No fim do século passado e princípio deste, percorremos a cavalo grande parte do caminho da beira-mar, entre S. Mateus e Regência e, muitas vezes, o de Vitória a Santa Cruz-Linhares-S. Mateus, denominado Estrada da Linha.[ 13 ]
Se a comunicação entre o Norte e Sul do país era penosa, por terra, oferecendo o transpor do Rio Doce a maior dificuldade, no Espírito Santo, também não era facilmente acessível a barra desse rio, fato registrado por diversos memorialistas.[ 14 ] Todavia José Teixeira de Oliveira, baseando-se em depoimento de José Marcelino, afirma que "pela primeira vez, um vapor sulcou o celebrado Rio Doce [...] entre 1836 e 41" e recorda, ainda, "que a primeira embarcação a vapor que tocou em Vitória foi o Correio Brasileiro em 1826". Por aqueles tempos não há, na terra de Maria Ortiz, navegação de longo curso, mas a máquina a vapor aplicada aos navios vai fazendo desaparecer a influência do "fresco vento" que tanto preocupava os capitães ousados e previdentes, e ressaltada pelo poeta:
Mas vendo o capitão que se detinha Já mais do que devia, e o fresco vento O convida que parta e tome asinha Os pilotos da terra e mantimento, Não se quer mais deter que ainda tinha Muito para cortar do salso argento.[ 15 ]
Desenvolve-se o país. Crescem suas forças econômicas. Avoluma-se o comércio. Impõe-se a intensidade da circulação das riquezas. Multiplicam-se os barcos a vapor, e a navegação costeira estabelece o intercâmbio entre os portos nacionais. Disseminam-se os faróis e o Ministério da Marinha resolve, também, mandar construir um na barra do Rio Doce, o qual é inaugurado em 1895, no pontal do Norte, sendo doze anos depois "transferido para o pontal do Sul[ 16 ] e está situado na latitude de 19°, 37', 5" e na longitude de 39°, 48', 5"."[ 17 ]
Em 1905 o primitivo farol é inspecionado e fotografado, pelo Capitão-de-Corveta Veríssimo Costa, a 24 de novembro[ 18 ] que atribui a origem! do nome do Rio Doce ao fato de haverem "alguns navegantes portugueses encontrado no mar água doce defronte deste rio a seis milhas da barra".[ 19 ] Está a povoação de Regência Augusta[ 20 ] à margem direita do rio, distante de sua foz seiscentos metros, trinta e três da do Rio Preto e três quilômetros do povoado de Cacimbas.[ 21 ] É aqui, segundo a lenda, que o Padre Anchieta, em dia calmoso, caminhando no areal reverberante de calor e de luz, cujas cintilações quase o endoidam, cansado, exausto, sente que vai cair e rezando... rezando conturbado, perde os sentidos e quando os recupera, está à beira da Lagoa das Cacimbas,[ 22 ] sucessão de "pequenos lagos contornados de brancos e graciosos areais"...[ 23 ]
Em Regência Augusta a largura do rio atinge mais de dois quilômetros.[ 24 ] É, em 1905, a sede da navegação fluvial, cuja flotilha, vistoriada pelo Capitão-de-Corveta Veríssimo Costa, é constituída pelos vapores Muniz, de Viana e Cia., e Milagre e Santa Maria, subvencionados pelo governo do Espírito Santo, da firma Mascarenhas, Costa e Cia.
Transportou-se esse oficial de Marinha, que tão bem descreveu suas viagens pelos rios navegáveis do Espírito Santo, de Vitória a Regência Augusta, a bordo do pequeno vapor União, pertencente a Carlos Pinheiro Azevedo. Também vapores da Companhia de São João da Barra e Campos e da firma J. Zinzen e Cia.[ 25 ] faziam o serviço de cabotagem de Regência a outras praças e vice-versa. E, antes, o relatório apresentado à Assembléia, em 9 de julho de 1888, declara que Miranda Jordão e Cia. "mandaram ultimamente para os serviços de transporte do Rio Doce a esta Capital o Rio São João (a vapor) que tem servido regularmente".[ 26 ]
Salienta o Capitão-de-Corveta Veríssimo Costa que "fora do cordão tem 8 a 9 braças (a barra) e dentro até os pontais 6 braças". E acrescenta: "como barra de rio já é bastante funda e com o prático que ela possui, não posso classificá-la de perigosa, quanto mais que, quando se acha ela impraticável, é logo pelo telégrafo avisado para Vitória."
Regência Augusta "teve uma época de muita prosperidade" segundo informações obtidas pelo Capitão-de-Corveta Veríssimo Costa, que nota o repontar de sua decadência[ 27 ] quando, referindo-se à capelinha, construída por ingentes esforços do Professor Pio Pedrinha, já falecido, e por todos os habitantes da localidade, escreve: "atualmente está ela bem decadente, necessitando de grandes obras e pinturas".[ 28 ]
Não faz exceção a flora da beira-mar, próxima à foz do Rio Doce, em confronto com a dos outros rios da costa espírito-santense. Lá estão, sucessivamente, as salsas da praia, os guriris, o emaranhado de uma vegetação rasteira, castigada pelos ventos marítimos, depois, as castanheiras, as grumixameiras, as pitangueiras, as almesqueiras, as aroeiras, as ingás-mirins que sombreiam os gravatazais... E essa capoeira rala, que se parece com a caatinga, vai-se modificando para oeste até se apresentar de caules volumosos,[ 29 ] de troncos seculares: são as afamadas, as decantadas matas virgens do Rio Doce. E como este não está sujeito às marés, há completa ausência de mangais.
Nessas praias, nesses matagais de árvores de portes retorcidos, de caules estirados de mistura com espinheiros, cardos e macambiras, nessas florestas de essências preciosas, aí, nesse recinto agreste reina uma fauna opulenta do beija-flor ao juruaçu barulhento, do tico-tico à arara espalhafatosa, do tié ao aracuão assustadiço, da jaçanã ao mutum sussurrante, do saí ao surucuá pacífico, do ananaí ao pato grasnador, do cancã à juriti plangente, da rola ao bem-te-vi rezingão, do sanhaço à garça-branca, da cambaxirra ao sabiá melodioso...
Nele erram o papa-mel, a raposa de astúcia requintada, o ouriço de pêlos agressivos, a jaguatirica de pele apreciada, o catingueiro, tímido e veloz, o jaguaritaca, "estranho e fedorento",[ 30 ] a paca encafuada, o cágado prudente e velhaco, o tatu cauteloso, o teiú rapinante e valentão, o sagüi-caratinga saltador e mimoso... o caititu, o queixada, a cutia, a capivara, a anta, a onça-vermelha e a pintada.
Nos lugares sombreados, nas beiradas de lagoas, nas galhadas de árvores,[ 31 ] lá demoram serpenteando em busca de presas, ou parados, enrodilhados, de bote preparado, à espera de ratos e preás, o jararacuçu, a ouricana, a surucucu, a caiçaca, a coral... Há dessas serpentes algumas que deslizam no chão e nas árvores como bem registrou Gabriel Soares.[ 32 ] A surucucu-patioba tem esse nome porque, geralmente, é encontrada sobre a folha dessa palmeira.[ 33 ] Também são abundantes as cobras-cipó, caninanas e muitas outras que não são venenosas.
Infestam a bacia do Rio Doce, miríades de rãs, sapos, aranhas, escorpiões, mosquitos e vespas. Borboletas e abelhas nela se desenvolvem, abundantemente, e, também, peixes e moluscos.
Há em Regência Augusta, na tarde daquele dia, um movimento desusado, uma animação incomum, e tudo porque, pela madrugada do dia subseqüente, há de partir, rio acima, o navio que se acha carregado com mercadorias, que abastecerão os povoados ribeirinhos até ao último porto da navegação fluvial.
A agitação generaliza-se. Impetuoso o vento nordeste encapela as ondas de preamar, na embocadura do rio, que não bastam, porém, para formar pororoca. Açoitados por ele arbustos e árvores obliquam-se, folhas são arrancadas e galhos se atritam, gemem e roçam, fortemente, uns de encontro aos outros. Balouçam as catenárias do fio telegráfico, e as andorinhas, aos milhares, pousam nele e nos telhados das casas e da velha capelinha, soltando grasnidos,[ 34 ] trissos, na chilrada múltipla, confusa, nervosa e rápida. Depois anoitece e, brando, sopra o terral.
Amiúdam os galos. Os primeiros sinais da aurora apontam. O passaredo, talvez, num misto de medo e de alegria, pia, aqui, nos quintais, a corruíra, o canário, o sanhaço empoleirados na goiabeira, na laranjeira, no cajueiro; lá, na capoeira, o inamu, o tururim, a pariri, e, além, na mata, o macuco, a maitaca, o tucano. Galinhas, meio cegas pela escassez de claridade, perseguem às tontas, na grama orvalhada, insetos que não acertaram com o esconderijo e fogem para salvar-se. Outros animais domésticos: patos, gansos, perus, cavalos, asnos, bois, todos se movimentam e emitem, suas vozes. Aparece, agora, uma calota do sol, embora esteja ele, ainda, abaixo do horizonte. É hora da partida. Já o mestre do navio apitou, mais de uma vez, e quando der o terceiro apito manda, sem mais espera, desatracar.
Precipitam-se sobre a embarcação os passageiros. Ouve-se o último apito e a voz de comando: "retirem as pranchas!"
Franca é a navegação do rio nas primeiras horas de viagem, e exuberantes são as florestas de suas margens. Chega-se, sem incidente, à Povoação, situada à margem esquerda. É nesse lugar que residia no primeiro quartel do século passado, segundo Francisco Alberto Rubim, Antônio José Martins, de cuja casa "segue pela costa do mar a estrada geral desta capitania para a Bahia..." Povoação que, agora, está decadente, foi, entretanto, o primeiro ponto do rio, nas cercanias do mar, em que o indígena travou relações com o europeu estabelecendo paz duradoura, graças ao trabalho de catequese dos missionários; e se dedicou, por fim, ao amanho da gleba.[ 35 ]
Em Povoação a criação de suínos faz-se com facilidade e são eles vendidos em pequenas partidas para os portos de montante, conforme as encomendas feitas. Terminando o embarque de alguns desses animais grunhidores, que ato,:doam e ensurdecem os passageiros, está o navio prestes a partir, quando um rapazola dele se avizinha e grita: "Seu mestre! Por favor, espere um nadinha! A benzedeira já vem. A mulher que ela benzeu estava endoidecendo de dor de cabeça e ela rezou e disse "tenha fé que a dor passa". "Lá vem a benzedeira, seu mestre."
Que remédio senão esperar que ela embarque, para retirar as pranchas.
Ela faz muito benefício. Benze e cura. A gente não sabe explicar, mas que a reza dela faz milagre, faz.[ 36 ]
Deixadas atrás as ilhas que defrontavam com a Povoação abica o "caixa-de-fósforo" à Boa Vista para se prover de lenha. No Rio Doce, e em outros rios brasileiros, como o S. Francisco[ 37 ] e os da bacia amazônica,[ 38 ] o combustível, geralmente usado na fornalha é a madeira.
Feito o carregamento, larga as amarras o barco e não demora fronteia com a Ilha das Frecheiras. Na margem sul do rio ainda se percebe a entrada do canal para o Rio dos Comboios, cuja construção foi iniciada pelo norte-americano Mac-Irven, que não a prosseguiu, por causa dos embaraços que o assaltaram, muito embora contasse com o apoio do governo provincial, que o auxiliou com a quantia de dois contos de réis, em cumprimento da lei número dois de 1860.[ 39 ] No quadriênio (1920-1924) do governo do Coronel Nestor Gomes foi, novamente, tentada a realização dessa obra, sob a direção do Sr. Lastênio Calmon, que não poupou esforços para conseguir o êxito desejado.
Na Ilha das Frecheiras o aspecto da mata virgem destaca-se pela sua grandiosidade. Aí ela forma "uma densa muralha ao longo do rio", na expressão feliz de Charles Hartt, e, além dessa muralha, desse véu espesso, que, só "armado de forte facão de mato", se pode nela penetrar, estão os gigantes dessa floresta tropical — jequitibás, vinháticos, sapucaias, ipês, cedros, canelas...
Antes de se transpor a Ilha das Frecheiras, uma das maiores do rio, já se divisa, ao longe, um grupo de ilhotas retratando fortalezas, como sentinelas avançadas, que tentassem impedir a passagem de embarcações. Em se aproximando, porém, algumas delas parecem transformar-se em "igrejas com. as suas cúpulas e outras imitam carapuças".[ 40 ] Por isto são assim nomeadas. Nas enchentes ficam as Carapuças imersas.
Além desses ilhéus, situa-se a Ilha do Jacarandá, espaçosa e de vegetação magnificente, seguindo-se-lhe o grupo das três ilhas em que se sobressai, por ser mais extensa, a de Coimbra.
Defrontando com esta, fica uma terra elevada, que não é submersa pelas cheias do rio, denominada Ilha de Domingos Sousa,[ 41 ] por ser esse agricultor o primeiro que a desmaninhou.
Atinge-se o princípio de um labirinto intricado que forma o canal através do qual a navegação se faz penosamente. As margens do rio continuam, sem! interrupção, cobertas de matas virgens inigualáveis.[ 42 ] Nesse solo prodigioso, mais tarde surgirão as lavouras de cacau. Multiplicar-se-ão as fazendas, e o Espírito Santo passará a ser produtor e exportador da apreciada amêndoa. A fertilidade do Vale do Rio Doce, proclamada desde os tempos coloniais, tornar-se-á confirmada, e mais um produto agrícola encontrará nesse vale o seu ambiente natural.
O devassamento das florestas, o viço dos cacaueiros, as fazendas, as escolas, as estradas, o saneamento, a civilização enfim, atestarão a inteligência, a pujança do brasileiro, "do homo dinamicus, no conceito ratzeliano", e provocarão admiração e registros elogiosos, assim de brasileiros[ 43 ] como de estrangeiros.[ 44 ]
Vingada a passagem do barco, nesse trecho de águas rasas, abica-se ao barranco da margem esquerda, no sítio de Gorgonha, para abastecer a lenha. Enquanto se enfileiram os tripulantes para embarcá-la passando as achas, os tocos, de mão em mão, para empilhá-los no vapor. Um dos passageiros, na esperança de encontrar alguns frutos, afasta-se em direção a uma cajazeira em cujo tronco há um semi-elipsóide pardo parecendo-se com o corpo de um tatu, espécie de cortiço, onde vivem associadas as cabastatu. Pressentem-no os vespídeos e atacam-no. Pira-se o incauto e a bordo apresenta-se ofegante, de rosto, lábios e mãos intumescidos, crivados de roséolas, sentindo dores lancinantes.
Vendo-o naquele estado lastimável, de orelhas esbraseantes, de olhos injetados, de chapéu à cabeça em que ainda está embaraçada uma vespa, alguém sugere chamem a benzedeira para rezar e as dores cessarão.
— Não rezo contra veneno de cobra nem de marimbondos. Há tempos esteve em Regência vindo dos sertões de Conceição da Barra ou de São Mateus um homem rezador, que fechava o corpo. Era um cearense de nome Raimundo Mergulhão. Sabia toda espécie de reza. Pedi-lhe que me ensinasse e ele, parece, não gostou de meu pedido, e disse enfadado: "Mulher não pode aprender benzimentos contra picadas dos bichos, pois que o doente piora quando ela se achega dele." Ponham nas mordidas um dente de alho socado e se quiserem mezinhas de farmácia o óleo elétrico é muito bom, e o pronto alívio é um santo remédio.
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[Reprodução da primeira edição publicada pela Livraria e Editora José Olympio, Rio de Janeiro, em 1959, como parte da Coleção Documentos Brasileiros. Publicado originalmente no site em 2004.]
Paisagem na margem do rio Doce, 1910. Acervo Arquivo Público do Espírito Santo. Rio Doce _______________________________________ E...
O desbravamento das selvas do Rio Doce (Memórias) - Rio Doce I
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Paisagem na margem do rio Doce, 1910. Acervo Arquivo Público do Espírito Santo. |
Rio Doce
_______________________________________Estendendo-se por detrás da zona marítima, numa distância variável a partir do litoral, o sertão oferece um aspecto físico bem diferente e bem distinto nas duas principais secções em que o país naturalmente se divide: a região Norte e a região Sul, mais ou menos delimitadas pelo paralelo de 18 de latitude meridional. Em uma e outra região, o aspecto físico, a característica do sertão é um fenômeno em íntima dependência com o relevo e altitude das montanhas, a constituição do solo, e a grande umidade do clima continental. Para o Norte o relevo do país é muito menos acentuado; o solo menos variado na sua constituição geológica, se levanta sem grandes e bruscos desnivelamentos, assumindo as montanhas o aspecto das planícies elevadas, ou chapadas de margens íngremes, que as correntes fluviais, nem sempre perenes, rasgam e atravessam, deixando de permeio as lombadas largas que a erosão secular modelou. Aqui e ali, na planura que se desdobra a perder de vista, levantam-se serros curtos, pontiagudos, espelhando o sol nas encostas nuas, brancas da rocha... O país é, no geral, seco e monótono. A vegetação, por vastíssima zona, é sempre a mesma, raquítica, espinhenta, retorcida, caracteristicamente acentuada nas espécies que constituem o tipo da 'catinga', onde em solo pedregoso e quente sobressaem as acácias, os sísifos e os cereus variadíssimos... Bem diversa é a zona Sul. A mata do litoral vai aí se fazendo mais estreita. As montanhas abeiram-se do oceano, e em mais de um ponto mergulham em suas águas as encostas alcantiladas que avançam em promontório. O relevo do solo é aqui mais variado, e, por isso mesmo, mais belo.[ 2 ] |
CAPÍTULO I
O Rio Doce no tempo de Cabral. Lendas. Entradas. Ouro. Comunicações. Estrada geral. Embarcação a vapor. Liberta-se do vento a navegação. Farol. Regência Augusta. Padre Anchieta. Navegação fluvial. A barra do Rio Doce. Flora e fauna. A madrugada. Retiram as pranchas. Rio acima. Suínos. A benzedeira. Lenha. Ilha das Frecheiras. Grupo das Carapuças. Energia do brasileiro. Cabas-tatu. Fechava o corpo. |
Em maio de 1501 deixa Lisboa a esquadrilha despachada por D. Manuel... "o mais bem afortunado rei da Cristandade"...[ 3 ] para fazer o reconhecimento da terra de Vera Cruz, apossada para a Coroa Portuguesa, por Pedro Álvares Cabral. Comanda-a André Gonçalves que reconhece a embocadura do Rio Doce a 13 de dezembro do mesmo ano. Calcula sua latitude Américo Vespúcio que acha 19°, 20'.[ 4 ]
Nessa época toda a bacia do Rio Doce é resguardada por mata virgem, prolongamentos daqueles... "arvoredos" que "são muitos e grandes e de infindas maneiras"...[ 5 ] assinaladas na carta de Pero Vaz de Caminha e é, ainda, durante esse primeiro século do descobrimento do Brasil que ela é, em parte, visitada, penetrada, devassada pela expedição Navarro-Espinosa,[ 6 ] organizada por Tomé de Sousa e por outros que, de volta, despertaram ambições e produziram lendas de riquezas inexauríveis.
Essas entradas, essas penetrações na zona dessa bacia também noticiam e propalam a opulência de espessas florestas,[ 7 ] assim nas planícies como nos sopés, nas encostas, nos cumes das montanhas, só havendo exceções quando as rochas se exibem, superficialmente, descascadas, temporizadas. Os devassamentos da região prosseguem nos séculos dezessete e dezoito pelos paulistas que afoitos, audazes e resolutos vingam divisores de águas de outras bacias e surgem na do Rio Doce invadindo o matagal, derribando-o, queimando-o, coivarando-o, preparando, enfim, a terra para receber a semente que produzirá o sustento, o alimento para aquela plêiade de destemidos, de bravos, de aventureiros.
E no limiar do século dezoito que aparece, em profusão, nas cabeceiras do rio, o ouro, e o governo colonial acorda, alvoroça-se e toma medidas drásticas para impedir a fuga das pepitas ambicionadas.
O governo para impedir a sua evasão, proíbe a abertura de trilhos, picadas ou caminhos, e barra a navegação das canoas isolando assim a parte alta da bacia e circunscrevendo os reflexos exaustadores da faina da mineração.[ 8 ]
Da adoção de tais providências resultou o insulamento dos trechos baixo e médio do rio, do do alto,[ 9 ] insulação que se estendeu até ao princípio do século vinte. Em 1900, era, ainda, muito incipiente, muito precário o progresso do baixo Rio Doce e de uma grande parte do médio.
Emprestamos de 1905 a 1930, ao desbravamento do vale do Rio Doce, como engenheiro da Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas todo o esforço no cumprimento de nossos deveres de profissional e de brasileiro. Há neste livro páginas arrimadas em historiadores e publicistas de alto renome, outras por nós testemunhadas e por nós vividas.
* * *
Durante o governo colonial as comunicações do Norte do país com o Sul são feitas por navios de vela, e por terra, pela praia, ouvindo-se o bramido do mar, desviando-se das ondas espumejantes, porque o único empecilho sério que se encontra é a travessia dos rios. É a estrada real, segundo Thomé Couceiro de Abreu, e "comua desde a Bahia até o Rio de Janeiro..."[ 10 ] dependendo, apenas, de moradores com canoas que aceitem o encargo de dar passagem mediante paga. Assim há, por parte dos ouvidores, a preocupação de povoar os rios nas vizinhanças do mar. Nem sempre, porém, permaneciam as famílias aí colocadas. Retiravam-se por causa dos ataques dos indígenas. Nessa situação precária, também a barra do Rio Doce teve os seus moradores pelo menos no meado do século dezoito. Antes, porém, em 1650, já se topa notícia de ser feito o percurso entre a capitania e Salvador, "por mar ou por terra", muito embora não haja "uma indicação que fosse sobre construção de estrada entre Vitória e a cidade de Salvador durante o período colonial."[ 11 ] Em 1836 aparece referência ao mau estado da estrada geral que liga Vitória ao Rio e à Bahia o qual "entorpece a marcha dos viajantes e estafetas".[ 12 ]
No fim do século passado e princípio deste, percorremos a cavalo grande parte do caminho da beira-mar, entre S. Mateus e Regência e, muitas vezes, o de Vitória a Santa Cruz-Linhares-S. Mateus, denominado Estrada da Linha.[ 13 ]
Se a comunicação entre o Norte e Sul do país era penosa, por terra, oferecendo o transpor do Rio Doce a maior dificuldade, no Espírito Santo, também não era facilmente acessível a barra desse rio, fato registrado por diversos memorialistas.[ 14 ] Todavia José Teixeira de Oliveira, baseando-se em depoimento de José Marcelino, afirma que "pela primeira vez, um vapor sulcou o celebrado Rio Doce [...] entre 1836 e 41" e recorda, ainda, "que a primeira embarcação a vapor que tocou em Vitória foi o Correio Brasileiro em 1826". Por aqueles tempos não há, na terra de Maria Ortiz, navegação de longo curso, mas a máquina a vapor aplicada aos navios vai fazendo desaparecer a influência do "fresco vento" que tanto preocupava os capitães ousados e previdentes, e ressaltada pelo poeta:
Mas vendo o capitão que se detinha Já mais do que devia, e o fresco vento O convida que parta e tome asinha Os pilotos da terra e mantimento, Não se quer mais deter que ainda tinha Muito para cortar do salso argento.[ 15 ]
Desenvolve-se o país. Crescem suas forças econômicas. Avoluma-se o comércio. Impõe-se a intensidade da circulação das riquezas. Multiplicam-se os barcos a vapor, e a navegação costeira estabelece o intercâmbio entre os portos nacionais. Disseminam-se os faróis e o Ministério da Marinha resolve, também, mandar construir um na barra do Rio Doce, o qual é inaugurado em 1895, no pontal do Norte, sendo doze anos depois "transferido para o pontal do Sul[ 16 ] e está situado na latitude de 19°, 37', 5" e na longitude de 39°, 48', 5"."[ 17 ]
Em 1905 o primitivo farol é inspecionado e fotografado, pelo Capitão-de-Corveta Veríssimo Costa, a 24 de novembro[ 18 ] que atribui a origem! do nome do Rio Doce ao fato de haverem "alguns navegantes portugueses encontrado no mar água doce defronte deste rio a seis milhas da barra".[ 19 ] Está a povoação de Regência Augusta[ 20 ] à margem direita do rio, distante de sua foz seiscentos metros, trinta e três da do Rio Preto e três quilômetros do povoado de Cacimbas.[ 21 ] É aqui, segundo a lenda, que o Padre Anchieta, em dia calmoso, caminhando no areal reverberante de calor e de luz, cujas cintilações quase o endoidam, cansado, exausto, sente que vai cair e rezando... rezando conturbado, perde os sentidos e quando os recupera, está à beira da Lagoa das Cacimbas,[ 22 ] sucessão de "pequenos lagos contornados de brancos e graciosos areais"...[ 23 ]
* * *
Em Regência Augusta a largura do rio atinge mais de dois quilômetros.[ 24 ] É, em 1905, a sede da navegação fluvial, cuja flotilha, vistoriada pelo Capitão-de-Corveta Veríssimo Costa, é constituída pelos vapores Muniz, de Viana e Cia., e Milagre e Santa Maria, subvencionados pelo governo do Espírito Santo, da firma Mascarenhas, Costa e Cia.
Transportou-se esse oficial de Marinha, que tão bem descreveu suas viagens pelos rios navegáveis do Espírito Santo, de Vitória a Regência Augusta, a bordo do pequeno vapor União, pertencente a Carlos Pinheiro Azevedo. Também vapores da Companhia de São João da Barra e Campos e da firma J. Zinzen e Cia.[ 25 ] faziam o serviço de cabotagem de Regência a outras praças e vice-versa. E, antes, o relatório apresentado à Assembléia, em 9 de julho de 1888, declara que Miranda Jordão e Cia. "mandaram ultimamente para os serviços de transporte do Rio Doce a esta Capital o Rio São João (a vapor) que tem servido regularmente".[ 26 ]
Salienta o Capitão-de-Corveta Veríssimo Costa que "fora do cordão tem 8 a 9 braças (a barra) e dentro até os pontais 6 braças". E acrescenta: "como barra de rio já é bastante funda e com o prático que ela possui, não posso classificá-la de perigosa, quanto mais que, quando se acha ela impraticável, é logo pelo telégrafo avisado para Vitória."
Regência Augusta "teve uma época de muita prosperidade" segundo informações obtidas pelo Capitão-de-Corveta Veríssimo Costa, que nota o repontar de sua decadência[ 27 ] quando, referindo-se à capelinha, construída por ingentes esforços do Professor Pio Pedrinha, já falecido, e por todos os habitantes da localidade, escreve: "atualmente está ela bem decadente, necessitando de grandes obras e pinturas".[ 28 ]
Não faz exceção a flora da beira-mar, próxima à foz do Rio Doce, em confronto com a dos outros rios da costa espírito-santense. Lá estão, sucessivamente, as salsas da praia, os guriris, o emaranhado de uma vegetação rasteira, castigada pelos ventos marítimos, depois, as castanheiras, as grumixameiras, as pitangueiras, as almesqueiras, as aroeiras, as ingás-mirins que sombreiam os gravatazais... E essa capoeira rala, que se parece com a caatinga, vai-se modificando para oeste até se apresentar de caules volumosos,[ 29 ] de troncos seculares: são as afamadas, as decantadas matas virgens do Rio Doce. E como este não está sujeito às marés, há completa ausência de mangais.
Nessas praias, nesses matagais de árvores de portes retorcidos, de caules estirados de mistura com espinheiros, cardos e macambiras, nessas florestas de essências preciosas, aí, nesse recinto agreste reina uma fauna opulenta do beija-flor ao juruaçu barulhento, do tico-tico à arara espalhafatosa, do tié ao aracuão assustadiço, da jaçanã ao mutum sussurrante, do saí ao surucuá pacífico, do ananaí ao pato grasnador, do cancã à juriti plangente, da rola ao bem-te-vi rezingão, do sanhaço à garça-branca, da cambaxirra ao sabiá melodioso...
Nele erram o papa-mel, a raposa de astúcia requintada, o ouriço de pêlos agressivos, a jaguatirica de pele apreciada, o catingueiro, tímido e veloz, o jaguaritaca, "estranho e fedorento",[ 30 ] a paca encafuada, o cágado prudente e velhaco, o tatu cauteloso, o teiú rapinante e valentão, o sagüi-caratinga saltador e mimoso... o caititu, o queixada, a cutia, a capivara, a anta, a onça-vermelha e a pintada.
Nos lugares sombreados, nas beiradas de lagoas, nas galhadas de árvores,[ 31 ] lá demoram serpenteando em busca de presas, ou parados, enrodilhados, de bote preparado, à espera de ratos e preás, o jararacuçu, a ouricana, a surucucu, a caiçaca, a coral... Há dessas serpentes algumas que deslizam no chão e nas árvores como bem registrou Gabriel Soares.[ 32 ] A surucucu-patioba tem esse nome porque, geralmente, é encontrada sobre a folha dessa palmeira.[ 33 ] Também são abundantes as cobras-cipó, caninanas e muitas outras que não são venenosas.
Infestam a bacia do Rio Doce, miríades de rãs, sapos, aranhas, escorpiões, mosquitos e vespas. Borboletas e abelhas nela se desenvolvem, abundantemente, e, também, peixes e moluscos.
* * *
Há em Regência Augusta, na tarde daquele dia, um movimento desusado, uma animação incomum, e tudo porque, pela madrugada do dia subseqüente, há de partir, rio acima, o navio que se acha carregado com mercadorias, que abastecerão os povoados ribeirinhos até ao último porto da navegação fluvial.
A agitação generaliza-se. Impetuoso o vento nordeste encapela as ondas de preamar, na embocadura do rio, que não bastam, porém, para formar pororoca. Açoitados por ele arbustos e árvores obliquam-se, folhas são arrancadas e galhos se atritam, gemem e roçam, fortemente, uns de encontro aos outros. Balouçam as catenárias do fio telegráfico, e as andorinhas, aos milhares, pousam nele e nos telhados das casas e da velha capelinha, soltando grasnidos,[ 34 ] trissos, na chilrada múltipla, confusa, nervosa e rápida. Depois anoitece e, brando, sopra o terral.
Amiúdam os galos. Os primeiros sinais da aurora apontam. O passaredo, talvez, num misto de medo e de alegria, pia, aqui, nos quintais, a corruíra, o canário, o sanhaço empoleirados na goiabeira, na laranjeira, no cajueiro; lá, na capoeira, o inamu, o tururim, a pariri, e, além, na mata, o macuco, a maitaca, o tucano. Galinhas, meio cegas pela escassez de claridade, perseguem às tontas, na grama orvalhada, insetos que não acertaram com o esconderijo e fogem para salvar-se. Outros animais domésticos: patos, gansos, perus, cavalos, asnos, bois, todos se movimentam e emitem, suas vozes. Aparece, agora, uma calota do sol, embora esteja ele, ainda, abaixo do horizonte. É hora da partida. Já o mestre do navio apitou, mais de uma vez, e quando der o terceiro apito manda, sem mais espera, desatracar.
Precipitam-se sobre a embarcação os passageiros. Ouve-se o último apito e a voz de comando: "retirem as pranchas!"
* * *
Franca é a navegação do rio nas primeiras horas de viagem, e exuberantes são as florestas de suas margens. Chega-se, sem incidente, à Povoação, situada à margem esquerda. É nesse lugar que residia no primeiro quartel do século passado, segundo Francisco Alberto Rubim, Antônio José Martins, de cuja casa "segue pela costa do mar a estrada geral desta capitania para a Bahia..." Povoação que, agora, está decadente, foi, entretanto, o primeiro ponto do rio, nas cercanias do mar, em que o indígena travou relações com o europeu estabelecendo paz duradoura, graças ao trabalho de catequese dos missionários; e se dedicou, por fim, ao amanho da gleba.[ 35 ]
Em Povoação a criação de suínos faz-se com facilidade e são eles vendidos em pequenas partidas para os portos de montante, conforme as encomendas feitas. Terminando o embarque de alguns desses animais grunhidores, que ato,:doam e ensurdecem os passageiros, está o navio prestes a partir, quando um rapazola dele se avizinha e grita: "Seu mestre! Por favor, espere um nadinha! A benzedeira já vem. A mulher que ela benzeu estava endoidecendo de dor de cabeça e ela rezou e disse "tenha fé que a dor passa". "Lá vem a benzedeira, seu mestre."
Que remédio senão esperar que ela embarque, para retirar as pranchas.
Ela faz muito benefício. Benze e cura. A gente não sabe explicar, mas que a reza dela faz milagre, faz.[ 36 ]
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Deixadas atrás as ilhas que defrontavam com a Povoação abica o "caixa-de-fósforo" à Boa Vista para se prover de lenha. No Rio Doce, e em outros rios brasileiros, como o S. Francisco[ 37 ] e os da bacia amazônica,[ 38 ] o combustível, geralmente usado na fornalha é a madeira.
Feito o carregamento, larga as amarras o barco e não demora fronteia com a Ilha das Frecheiras. Na margem sul do rio ainda se percebe a entrada do canal para o Rio dos Comboios, cuja construção foi iniciada pelo norte-americano Mac-Irven, que não a prosseguiu, por causa dos embaraços que o assaltaram, muito embora contasse com o apoio do governo provincial, que o auxiliou com a quantia de dois contos de réis, em cumprimento da lei número dois de 1860.[ 39 ] No quadriênio (1920-1924) do governo do Coronel Nestor Gomes foi, novamente, tentada a realização dessa obra, sob a direção do Sr. Lastênio Calmon, que não poupou esforços para conseguir o êxito desejado.
Na Ilha das Frecheiras o aspecto da mata virgem destaca-se pela sua grandiosidade. Aí ela forma "uma densa muralha ao longo do rio", na expressão feliz de Charles Hartt, e, além dessa muralha, desse véu espesso, que, só "armado de forte facão de mato", se pode nela penetrar, estão os gigantes dessa floresta tropical — jequitibás, vinháticos, sapucaias, ipês, cedros, canelas...
Antes de se transpor a Ilha das Frecheiras, uma das maiores do rio, já se divisa, ao longe, um grupo de ilhotas retratando fortalezas, como sentinelas avançadas, que tentassem impedir a passagem de embarcações. Em se aproximando, porém, algumas delas parecem transformar-se em "igrejas com. as suas cúpulas e outras imitam carapuças".[ 40 ] Por isto são assim nomeadas. Nas enchentes ficam as Carapuças imersas.
Além desses ilhéus, situa-se a Ilha do Jacarandá, espaçosa e de vegetação magnificente, seguindo-se-lhe o grupo das três ilhas em que se sobressai, por ser mais extensa, a de Coimbra.
Defrontando com esta, fica uma terra elevada, que não é submersa pelas cheias do rio, denominada Ilha de Domingos Sousa,[ 41 ] por ser esse agricultor o primeiro que a desmaninhou.
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Atinge-se o princípio de um labirinto intricado que forma o canal através do qual a navegação se faz penosamente. As margens do rio continuam, sem! interrupção, cobertas de matas virgens inigualáveis.[ 42 ] Nesse solo prodigioso, mais tarde surgirão as lavouras de cacau. Multiplicar-se-ão as fazendas, e o Espírito Santo passará a ser produtor e exportador da apreciada amêndoa. A fertilidade do Vale do Rio Doce, proclamada desde os tempos coloniais, tornar-se-á confirmada, e mais um produto agrícola encontrará nesse vale o seu ambiente natural.
O devassamento das florestas, o viço dos cacaueiros, as fazendas, as escolas, as estradas, o saneamento, a civilização enfim, atestarão a inteligência, a pujança do brasileiro, "do homo dinamicus, no conceito ratzeliano", e provocarão admiração e registros elogiosos, assim de brasileiros[ 43 ] como de estrangeiros.[ 44 ]
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Vingada a passagem do barco, nesse trecho de águas rasas, abica-se ao barranco da margem esquerda, no sítio de Gorgonha, para abastecer a lenha. Enquanto se enfileiram os tripulantes para embarcá-la passando as achas, os tocos, de mão em mão, para empilhá-los no vapor. Um dos passageiros, na esperança de encontrar alguns frutos, afasta-se em direção a uma cajazeira em cujo tronco há um semi-elipsóide pardo parecendo-se com o corpo de um tatu, espécie de cortiço, onde vivem associadas as cabastatu. Pressentem-no os vespídeos e atacam-no. Pira-se o incauto e a bordo apresenta-se ofegante, de rosto, lábios e mãos intumescidos, crivados de roséolas, sentindo dores lancinantes.
Vendo-o naquele estado lastimável, de orelhas esbraseantes, de olhos injetados, de chapéu à cabeça em que ainda está embaraçada uma vespa, alguém sugere chamem a benzedeira para rezar e as dores cessarão.
— Não rezo contra veneno de cobra nem de marimbondos. Há tempos esteve em Regência vindo dos sertões de Conceição da Barra ou de São Mateus um homem rezador, que fechava o corpo. Era um cearense de nome Raimundo Mergulhão. Sabia toda espécie de reza. Pedi-lhe que me ensinasse e ele, parece, não gostou de meu pedido, e disse enfadado: "Mulher não pode aprender benzimentos contra picadas dos bichos, pois que o doente piora quando ela se achega dele." Ponham nas mordidas um dente de alho socado e se quiserem mezinhas de farmácia o óleo elétrico é muito bom, e o pronto alívio é um santo remédio.
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NOTAS
[ 2 ] Teodoro Sampaio, in Rocha Pombo, História do Brasil, Vol. VI. p. 11.
[ 3 ] João de Barros, Ásia, apud José Teixeira de Oliveira, História do Estado do Espírito Santo, p. 9.
[ 4 ] Ceciliano de Almeida, Revista do IHGES, n. 7, março de 1934, p. 64.
[ 5 ] Rocha Pombo, Trasladação da carta de Pero Vaz de Caminha, Vol. 1, p. 171.
[ 6 ] Salm de Miranda, Rio Doce (Impressões de uma época), p. 25.
[ 7 ] Capistrano de Abreu, Capítulos da história colonial, p. 17.
[ 8 ] Esclarece Salm de Miranda.
[ 9 ] Adotamos a divisão indicada por Salm de Miranda, Rio Doce (Impressões de uma época), p. 18.
[ 10 ] Bernardes Sobrinho, Espírito Santo-Bahia, p. 64.
[ 11 ] José Teixeira de Oliveira, História do Estado do Espírito Santo, p. 152.
[ 12 ] Idem, ibidem, p. 324.
[ 13 ] Xenócrates Calmon, "O centenário do município de Colatina", in Revista do IHGES, n. 7, p. 192.
[ 14 ] Saint-Hilaire e muitos outros.
[ 15 ] Camões, Lusíadas, Canto VI, 3.
[ 16 ] Norbertino Bahiense, O caboclo Bernardo, p. 531.
[ 17 ] Dados fornecidos pela Capitania de Portos do Espírito Santo em 22/01/1952.
[ 18 ] Viagens pelos rios navegáveis do Estado do Espírito Santo — Viagem ao Rio Doce, Revista do IHGES, n. 7, p. 213.
[ 19 ] Veríssimo Costa, obra citada, Revista do IHGES, n.7, p. 214.
[ 20 ] Nome adotado "para perpetuar o do Príncipe Regente, depois D. João VI", Veríssimo Costa, obra cit., Revista do IHGES, n. 7, p. 212.
[ 21 ] Veríssimo Costa, obra cit., Revista do IHGES, n. 7, p. 212.
[ 22 ] Beresford Moreira, O Rio Doce, obra inédita, p. 111.
[ 23 ] Veríssimo Costa, obra cit., Revista do IHGES, n. 7, p. 213.
[ 24 ] Idem, ibidem, p. 212.
[ 25 ] Idem, ibidem, n. 7, p. 212.
[ 26 ] José Teixeira de Oliveira, História do Estado do Espírito Santo, p. 359.
[ 27 ] Talvez esteja o leitor notando as múltiplas citações à obra do Capitão-de-Corveta Veríssimo Costa, fato que assim se explica: Chegamos ao Rio Doce, como engenheiro da Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas em agosto de 1905, e em novembro do mesmo ano, o Capitão-de-Corveta Veríssimo visitou o Rio Doce, viajando a bordo do Milagre, o que só fizemos em 1916, havendo a maioria de nossas observações coincidido com as do distinto oficial da Marinha.
[ 28 ] D. José Casais, Um turista en el Brasil, 1940 [p. 217], "Regencia es una aldeita insignificante, e [...] navio naufragado."
[ 29 ] Auguste de Saint-Hilaire, Segunda viagem ao interior do Brasil (Espírito Santo), tradução de Carlos Madeira, p. 183.
[ 30 ] Na mata, Coelho Neto: "...Sagüis silvavam, trilavam passarinhos: essas vozes, porém, tornavam mais misterioso o silêncio -- eram como vaga-lumes, na sombra, vaga-lumes que cintilam, sem, todavia, iluminar..." [Crestomatia, Taborda, p. 140].
[ 31 ] O ninho e a cobra, Alberto de Oliveira: A ave vê enroscado o repelente corpo no ninho e então:
"Grita, inutilmente grita:
voa, inutilmente aflita:
Entrou a cobra em teu ninho,
Passarinho."
"Grita, inutilmente grita:
voa, inutilmente aflita:
Entrou a cobra em teu ninho,
Passarinho."
[ 32 ] Citação de Rocha Pombo, História do Brasil, Vol. 1, p. 547.
[ 33 ] É de Wappoeus a seguinte observação: "Grande número de cobras (ofídios), de lagartos (sáurios) e de rãs (ranídeos) vivem nas árvores."
[ 34 ] Radagásio Taborda, Crestomatia, nota 9, p. 145. Rui Barbosa, As andorinhas de Campinas.
[ 35 ] "Os primitivos habitantes destas povoações eram selvagens, que depois foram se domesticando e se entrelaçando com diversos europeus por aí trazidos pelos missionários encarregados da catequese, e hoje os seus descendentes são lavradores" [Veríssimo Costa, Revista IHGES, n.7, p. 220.
[ 36 ] Beresford Moreira, O Rio Doce, obra inédita, p. 32: Reza para dores de cabeça:
Jesus, espinho de rosa
Coração de Serafim
Ajuntai esses miolos
Que andam fora de mim.
Jesus, espinho de rosa
Coração de Serafim
Ajuntai esses miolos
Que andam fora de mim.
[ 37 ] D. José Casais, obra cit., p. 113: "Llegamos al primer embarcadero 'puerto de lelia'. Durante la travesia encontraremos muchos. La caldera del vapor consume gran cantidad de este combustible."
[ 38 ] Angyone Costa, Indiologia, p. 260: "...De súbito o navio pára a tomar lenha, demora horas, meio dia, às vezes mais..."
[ 39 ] Veríssimo Costa, obra citada, p. 221.
[ 40 ] Idem, ibidem, p. 221.
[ 41 ] Idem, ibidem, p. 222.
[ 42 ] Saint-Hilaire, obra citada, p. 189, registrou: "o rio corria majestosamente entre as sombrias florestas que o margeiam."
[ 43 ] Beresford Moreira, obra citada, pp. 122-5.
[ 44 ] Dr. José Casais, obra citada, pp. 219-21.
[Reprodução da primeira edição publicada pela Livraria e Editora José Olympio, Rio de Janeiro, em 1959, como parte da Coleção Documentos Brasileiros. Publicado originalmente no site em 2004.]
Ceciliano Abel de Almeida (autor) foi engenheiro da Estrada de Ferro Vitória a Minas, tendo trabalhado nos primórdios de sua construção, sendo também responsável por importantes obras de infraestrutura no Estado. Foi o primeiro prefeito de Vitória, ES, professor de ensino secundário no Ginásio Espírito Santo e primeiro reitor da Universidade do Espírito Santo, quando de sua fundação como instituição estadual.
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