Mostrando postagens com marcador Ângela de Biase Ferrari. Mostrar todas as postagens
1/01/2016
É interessante notar-se que esta distinção entre Colônia Velha e Nova, que foi feita no espaço de menos de um ano, atualmente não mais aparece no Espírito Santo. Poderia, presentemente haver tal distinção entre os núcleos fundados no século XIX nos já citados vales dos rios Jacu e Santa Maria da Vitória, e aqueles existentes a partir do início do século XX nos vales dos três principais afluentes da margem direita do rio Doce: Santa Maria do Rio Doce, Santa Joana e Guandu. Entretanto, hoje a distinção se faz pela diversidade do clima decorrente da topografia: Terra Fria (alta) o Terra Quente (baixa), com uma diferença de 4 a 5 graus em média. É perfeitamente aceitável e compreensível que o número de descendentes alemães seja acentuadamente maior na Terra Fria, zona serrana com altitude média de 700 a 800 metros, onde 4/5 da população é de origem germânica, enquanto que na Terra Quente somente 1/6 o é.
Para as duas partes da colônia, velha e nova, vieram suíços, alemães, tiroleses, luxemburgueses e holandeses. Os colonos faziam um contrato com o governo, alguns, contudo, não tinham contrato algum "confiados na generosidade do governo brasileiro". Todos, porém, tinham direito a um prazo (hoje colônia) que era sorteado o formava um quadrado de 250 braças de lado (25 ha.), casa provisória, diária durante 6 meses (subsídio freqüentemente ampliado para 12, 24 meses e até mais, em casos de doença), derrubadas (inicialmente feitas pelos nacionais, e, depois, pelos próprios colonos, pois além de ficarem menos dispendiosas, eram mais uma fonte de renda e evitava uma fiscalização no trabalho dos brasileiros, cuja deficiência acarretava sérios prejuízos. A extensão das derrubadas variava de 1.000 a 10.000 b².
Os prazos de 250 braças de lado, transformaram-se em propriedades, tendo na sua maioria (85%) uma superfície de 10 a 100 ha; metade dos proprietários possui 25 a 75 ha (de 1 a 3 "lotes"). Entre os colonos, quando se trata do tamanho da propriedade, ela se define por "colônia", que corresponde a 25 ha. Como se observa, foi conservada como padrão, a medida inicial dos prazos.
Nesses prazos instalavam-se os imigrantes alemães em ranchos provisórios que mais tarde serviriam como "moinhos de farinha". Os pomeranos, segundo um memorial do Dr. Rudio, diretor da colônia, em 1864, eram a "pérola da colônia, gente forte, lavradores de infância, mulheres bonitas, adolescência alegre com faces gordas vermelhas". Ainda segundo o mesmo depoimento, todos tinham "boas casas definitivas, cobertas com taboinhas, uma casinha para o forno, estrebarias separadas para vacas. bezerros, porcos, aves" e ainda "preparos para socar o café e o milho com água". Podendo-se "distinguir um Pomerano entre outros colonos à primeira vista".
Atualmente também distinguem-se ainda os teuto-capixabas dos outros núcleos rurais do Espírito Santo. Conservaram a construção em estuque e a cobertura de "taboinhas" de madeira. Segundo documentos da época, a escolha deste tipo de cobertura foi motivada pelo fato da facilidade de obtenção de madeira, ausência de cerâmica e mais a influência do país de origem. Vamos encontrar, principalmente na zona pioneira, esta cobertura característica. Devido à sua grande durabilidade, é comum encontrar-se, ainda hoje, nas colônias mais antigas, este tipo singular mas eficiente de cobertura.
As casas apresentam um aspecto agradável, sobre estacas (correção da umidade), caiadas de branco, janelas pintadas geralmente de azul e com barras de sustentação pintadas de preto. Na fachada nota-se, para uma adaptação ao nosso clima, a presença de uma varanda com balaústres de madeira que ocupa, às vezes, toda a frente da casa.
Como em 1864, os anexos são numerosos e necessários; surgem eles à medida que as necessidades o exigem: o forno para o pão, o paiol, o chiqueiro, o galinheiro, o terreiro para socar o café, o quitungo (casa de farinha)...
Em 1857 o número de imigrantes que habitavam a região era de 140, compondo-se de 17 famílias suíças com 99 pessoas; 5 famílias de Hannover, com 24 componentes; 2 famílias de Luxemburgo, com 6 pessoas; 1 família prussiana, com 3 elementos; 2 viúvas de Holstein, com 3 filhos cada uma, sendo os mais velhos de 11 e 10 anos. No ano seguinte chegaram mais prussianos e luxemburgueses. Em julho de 1859 vieram os pomerânios, os hessianos com 12 famílias (61 pessoas), os tiroleses e de Baden também chegaram 12 famílias (34). Em 1860 além dos provenientes de Nassau, recebeu a colônia 13 famílias (62) de Westfalia e 15 famílias (68 pessoas) da Saxônia. Para sintetizar diremos que o total de colonos em janeiro de 1861 era de 1.014 pessoas.
Hoje o número do teuto-capixabas é de aproximadamente 72.000 (1960). A grande diferença entre o número de imigrantes — 6 000 (aproximadamente 5.000 de 1847 a 1914 e 1.000 entre 1918 o 1939) — e o de seus descendentes mostra que a expansão da colonização foi devida á forte natalidade. Em 1960 2/3 das famílias de origem alemã tinham mais de cinco crianças.
Quanto às qualificações dos primeiros imigrantes, assim se referia em seu relatório de 1861 o diretor da colônia: "era bem variada, da Baviera, Hannover e dos Estados alemães pequenos temos muita gente e esta é misturada, superior a inferior, alguns quase inválidos. Havia fabricantes de cerveja, marinheiros, mineiros, guarda-livros, músicos, alfaiates, decoradores de teatro, agrimensores e até mesmo alguns lavradores". Os pomerânios, citados em todos os relatórios como os melhores colonos, "gente forte e incansável foram na sua pátria servos dos proprietários, aqui são possessores da suas terras e muito contentes com as suas sortes". Os Westfalos, os renanos e os prussianos também, de um modo geral, eram bons trabalhadores, embora existisse "entre eles alguma gente que não prestava para a imigração". Os tiroleses também são citados como bons trabalhadores, apesar de ''na Alemanha serem conhecidos como uma nação de preguiçosos; em Santa Leopoldina isto não se pode dizer", Os saxões, operários de fábricas, desconhecendo o trabalho na lavoura, achavam-no pesado, encontrando sérias dificuldades para o seu progresso.
As qualificações citadas não correspondiam, em Santa Leopoldina, a uma diferenciação social, uma vez que ali todos os imigrantes começaram como lavradores, nas mesmas condições e com as mesmas oportunidades. A constituição de classes sociais foi se firmando com o correr dos anos como uma decorrência do sistema no qual se baseou a colonização: a propriedade da terra, com interferência do grupo étnico. Hoje encontramos nas classes sociais dois grupos: os proprietários e os que não possuem terras. Entre estes últimos temos os assalariados e os meeiros. Os assalariados correspondem às criadas, o diarista ou "camarada" e os meeiros. As criadas vivem em condições muito modestas e ocupam uma posição muito humilde; percebem como ordenado uma insignificância, menos de 1/3 do que recebe o diarista. Este, em 1960, ganhava do 50 a 100 cruzeiros antigos por dia. A procura do seus serviços é pequena; em zonas pioneiras, onde os homens não são suficientemente numerosos para derrubada, plantio e colheita, encontram estes proletários mais trabalho. Os meeiros dividem com os proprietários a metade do que plantam e colhem da cultura principal; das culturas secundárias (geralmente de subsistência) conservam a totalidade ou reservam uma fração para o dono da terra. Em troca este lhes fornece alojamento, utensílios, sementes e eles entram com o serviço. Alguns meeiros têm uma renda superior aos pequenos proprietários e conseguem, após alguns anos, adquirir seu próprio lote. Constituem 40% dos exploradores agrícolas, apesar da animosidade e desconfiança acentuadas e recíprocas.
Quanto ao proprietário há os pequenos (com menos de 10 ha., 6%), médios (com 10 a 100 ha., 85%) e grandes (mais de 100 ha., 9%). A renda vai depender do tamanho da propriedade e o valor desta depende, em parte, do estado dos cafezais e, principalmente, das matas restantes. Entre os proprietários, pois todos ou quase todos o são, encontramos os comerciantes, que representam a elite, a classe mais rica e poderosa, cujo prestígio tem relação com o seu grau de riqueza, que surge como resultado de atividades que vão desde a casa do comércio puramente rural, com pequeno raio de ação (3 km mais ou menos), até a grande casa comercial, quando o seu raio de atividade chega a atingir até 30 km.
A situação atual, do ponto do vista comercial, não difere muito da do século XIX. Um dos problemas do abastecimento da colônia era o custo dos transportes, que até hoje se faz sentir. O produto que o colono tem para vendar e o que necessita comprar é onerado pela despesa com o transporte resultante da distância que o separa do centro que consome e abastece. Esta situação oferece vantagens somente para o comerciante, que na maioria das vezes, é o próprio transportador, percebendo lucro na compra e venda da mercadoria e, ainda, no seu transporte. Com a expressão "o que têm os colonos para vender é barato e o que eles têm para comprar é caro", percebe-se que já se queixavam deste problema os diretores da colônia. Diante desta situação, em 1862 sugeria um dos diretores a desapropriação de lotes no Porto do Cachoeiro que seriam aforados por comerciante, oferecendo-se assim mais recurso aos colonos. Procurava, também evitar com isto "as demoradas e prejudiciais viagens" que faziam os colonos à capital".
Constata-se hoje que os colonos jamais se tornaram auto-suficientes. Em 1860, o barão Pfuhl, diretor da colônia de Santa Leopoldina, dizia que o colono era mais especialista na lavoura e negociava mais com os produtos que o fazendeiro brasileiro, cuja ambição era "que sua lavoura, a sua fazenda lhe produza tudo do que precisa e assim é que há tão pouco comércio, entre duas províncias como são Minas Gerais e a do Espírito Santo". Já em 1865, o diretor Rudio acusava 4 ou 6 "vendas" existentes no Pôrto de haverem desvirtuado a sua função dando lugar a "bacanais a paixão excessiva de jogar", transformando Santa Leopoldina na "colônia da miséria o do mistério". O futuro iria demonstrar que o comércio estava fazendo a fortuna do Pôrto, e que o transformaria na mais importante cidade do Espírito Santo no início do século XX , com a existência ali de casas comerciais que operavam diretamente com o exterior, principalmente com a Alemanha. Durou pouco este apogeu. Hoje não encontramos em toda a colônia teuto-capixaba uma casa de exportação-importação.
Além do papel importante do comércio, temos também que salientar o que desempenhou e vem desempenhando a Igreja representada pelo pastor e sacerdote. Desde o início da colonização era preocupação constante dos colonos e dos próprios diretores a instalação regular de serviços religiosos. Em 1861, o diretor Rudio atribuía os desmandos dos colonos à falta de assistência religiosa e estes desmandos chegavam a tal ponto que ele se envergonhava "de pertencer com esta gente à mesma nação, que esquece Deus e suas obrigações para o Estado, para seus semelhantes e para a humanidade". Para o referido diretor, filho de "uma família huguenote, que deixou a França depois da revogação do Edito de Nantes, sem ser fanático", o principal problema da colônia era "a rudeza geral e a incivilidade selvagem"; e somente "a religião poderia domar esta bravidade". Não havia na época nem escola, nem igrejas. Entre os protestantes, queixava-se ainda o mesmo diretor, "18 casados esperam a bênção da Igreja, talvez 30 crianças não são batizadas o não receberam há 20 meses a eucaristia. São o que isso podem mais do 700 almas". Continuando na sua queixa, estranhava o fato do Santa Isabel possuir naquela época (1862) um eclesiástico quando contava com apenas a metade dos 720 protestantes que residiam em Santa Leopoldina e aguardando a assistência religiosa. Neste mesmo ano propunha o mesmo diretor a construção de um templo protestante com a sua ajuda financeira e a dos colonos. "Mesmo os católicos se declaram prontos para ajudar, mas excusei seus serviços, dizendo que seja causa de família protestante". Afirmava que a concórdia religiosa era ótima na sua colônia, ao contrário da de Santa Isabel, e que ele manteria esta ordem "com uma energia, donde me creio talvez não capaz". Queixava-se ainda o mesmo diretor não terem as autoridades tomado as providências necessárias na época da fundação da colônia, reservando prazos para capelas, escolas e cemitérios . Os cemitérios eram separados, havendo dois para os católicos e somente um para os protestantes, embora estes constituíssem a maioria. O motivo desta disparidade era o fato do culto protestante "não prescrever a terra sagrada" e porque muitos colonos preferiam enterrar seus mortos no prazo onde viveram".
Em 1864, recebia o diretor ordem para apresentar um projeto para a edificação da Igreja Católica, entendendo-se, para isto, com o capelão da colônia, frei Adriano Lauschner.Apresenta o orçamento de .4:556$786 e organiza o projeto do edifício que seria construído de "pau-a-pique, tendo a nave trinta palmos sobre cinqüenta, o coro 8 sobre 28 e a sacristia 30 palmos, o que dava "uma capacidade para 350 e 380 pessoas".
Em 1868, servia ainda de capelão o padre missionário frei Adriano Lauschner e para a culto protestante o pastor Germano Reuther. Não tendo os protestantes recebido o dinheiro prometido para a edificação da Igreja, começaram a construção às próprias custas.
O papel da Igreja dentro da zona de colonização alemã continua a ser muito importante. Inicialmente os ministros tinham dupla influência moral e pedagógica. Com a proibição de se ensinar em alemão, esta última influência desapareceu, o que não impediu que grande parte do prestígio dos padres e pastores, que resido no fato de serem as pessoas mais cultas da colônia, continuasse em evidência. É também na Igreja, aos domingos e dias de festa, que se reúnem os colonos para que ao mesmo tempo em que cumprem seu dever religioso, possam também se distrair. Deslocam-se em "animais de sela" ou em bicicletas. Depois do ofício religioso ficam os homens de cócoras (à moda cabocla) conversando. É uma oportunidade de distração num meio, onde ela é escassa ou nula, já que o trabalho na lavoura absorve-lhes todo o tempo disponível (de sol a sol).
O café aparece como a principal cultura secundada pela "lavoura branca'', responsável pelo alimento diário. Com o milho, feijão e mandioca suprem eles suas cozinhas pobres.
Já em 1861, a situação não ara diversa. Desde aquela época os colonos depositavam todas suas esperanças na cultura dos cafezais: "se pudermos vender café, acabará nossa miséria e seremos lavradores completos".
Mas a maior parte dos imigrantes lutava "naturalmente com obstáculos provenientes não somente de seus defeitos físicos e morais, mas também do emprego em um serviço novo e penoso para elles". E tanto isto era verdade que "os colonos mais abastados e com culturas mais prósperas 'eram' os que tinham sido agricultores em sua pátria tais os pomerânios e a maioria dos luxemburgueses. O desejo de lucro imediato também levava os colonos a fazerem a derrubada em áreas de mata maiores do que as que realmente necessitavam, tendo em vista o dinheiro com que lhe seriam pagos os seus serviços. Devia ainda se acrescentar a diferença nossa lavoura. e a da Europa: "o lavrador brasileiro derruba, queima a planta suas terras até ser muito cansada, que não dê mais colheitas, depois do qual derrubam o outro terreno. É outra coisa com o colono alemão".
Hoje não podemos mais repetir as palavras do citado diretor, pois o colono alemão não mais difere do lavrador brasileiro do século XIX, que não evoluiu até hoje. A técnica agrícola nas zonas teuto-capixabas é precária, quase todo trabalho, 99%, é feito à mão, com pouco rendimento e muito desgaste. A este desgaste físico soma-se o desgaste da terra. O sistema de queimada, a erosão intensa provocada pelas chuvas violentas caindo sobre grandes declives onde, sem cuidado e nenhuma precaução, estão situados os cafezais, provocam uma desastrosa transformação, substituindo, após algum tempo, por abandono, a cultura do café em desfigurado capoeiral. Contudo este sistema tradicional de cultura de café com sistema de rotação das terras foi substituído numa pequena parte da superfície da zona teuto-capixaba no distrito de Santa Maria, município ao Santa Leopoldina, onde nos fundos dos vales, em lugares impróprios ao plantio do café se desenvolve com sucesso, obedecendo a processos modernos, a cultura de legumes que conseguem, agora, graças a algumas estradas de rodagem, alcançar Vitória. Infelizmente, porém, este conhecimento moderno de agricultura (com irrigação o adubação) e boas estradas ainda são raros na paisagem espírito-santense.
Na zona de colonização alemã encontramos associação entre a cultura e a criação, fato que já preocupava o diretor no tempo da colônia quando ele afirmava "que somente lavoura junto com criação daria a Santa Leopoldina a força necessária para se tornar uma das melhoras colônias do Brasil". Acrescentava ainda que "o único remédio de melhoramento do chão é a estercação e por esta conseqüência a criação do gado vacum". Nas suas sugestões diz ainda no relatório que a adubação podia ser aplicada "na forma de composto", como aplicava na sua terra nos vinhedos do Reno, ou ainda "pela troca de terra", fazer "dois ou três anos de pasto, depois arrancar e acumular as relvas, fazer apodrecer-lhe e plantar mandioca, feijão a outras plantas". Sistema semelhante a este encontramos sendo feito apenas por um colono alemão, homenageado este ano como agricultor modelo do Espírito Santo. Sua cultura principal é a cana associada à do milho ou à do feijão.
Aliás, na alimentação dos colonos tanto o feijão como o milho (Brot) têm uma grande importância, sendo que as preferências são em ordem decrescente: feijão (75%), arroz (43%), batata (28%), carne(14%) e ovos idem. Dão preferência ainda, naturalmente, pela facilidade de criar, à carne de porco e galinha, que não falta nos domingos e dias de festa. Fazem três alimentações diárias: café da manhã (brot, café puro ou com leite, linguiça manteiga e geleias), almoço e jantar. Alguns fazem ainda uma quarta refeição "café da tarde" (hábito bem difundido no Espírito Santo e quiçá no Brasil). Este caminho de adaptação é ainda acentuado pelo uso generalizado de cachaça, que já era reclamada pelos colonos em 1859 no Porto, enquanto aguardavam a distribuição de lotes, "os 139 colonos gritam por aguardente e por negros ou animais para conduzir suas cargas pesadas". Mo relatório de 1861, declarava o diretor que os alemães achavam mais lucrativa a plantação de batatas doces e "para dizer a verdade", continua o mesmo, "que me parecer que se mudou o gosto de nossa colônia", dando preferência "às batatas doces, dizendo que acham insípidas as batatas inglesas".
Houve, portanto, a assimilação de muitos hábitos, mas não uma integração dificultada pelo isolamento em que se encontram a pelo desconhecimento da língua portuguesa.
Desde a início da colonização, os diretores reclamavam escolas para os recém-chegados. Em 1864 , para um total de 664 crianças, dos quais 280 em idade escolar, havia três aulas com 116 alunos:
1 – A de Manoel Passos, 6 alunos.
2 – A de frei Adriano Lauschner, 25 alunos.
3 – A do pastor Germano Reuther, 85 alunos de 13 a 18 anos. Depois receberiam instruções os de 6 a 13 anos. O objetivo do pastor era que seus discípulos pudessem ler a Bíblia, ameaçando de não dar a bênção do casamento a quem não soubesse ler ou escrever.
O professor brasileiro, além de ter a sua classe longe da colônia, em Ribeirão dos Pardos, tinha, ainda, contra si, o pouco conhecimento do alemão; ganhava 400$000 por ano.
O padre e o pastor trabalhavam gratuitamente tendo, contudo, o primeiro recebido 200$000 para instalação e utensílios da escola em 1864. No mesmo ano o pastor construiu, com o dinheiro da comunidade protestante, uma casa provisória com um quarto e uma sala de aula; foi prometida, em 1866, uma ajuda do governo imperial de 750$000 para dar "começo às obras do edifício protestante e para escola das primeiras letras da colônia de Santa Leopoldina". Não tendo recebido o dinheiro, os protestantes iniciaram a construção dois anos depois às próprias custas. Não sendo subvencionada [a escola] pelo governo, os pais dos meninos pagavam ao pastor anualmente, para o ensino de um aluno, seis dias de serviço na lavoura do prazo da igreja protestante; para dois, três ou mais, o tempo de serviço era respectivamente 10 e 12 dias de trabalho. O ensino era dado em língua alemã, apesar da insistência dos diretores no sentido que ele fosse orientado em língua portuguesa.
Esta situação perdurou até que o governo brasileiro proibiu o ensino em língua estrangeira. Mesmo assim, o emprego da língua alemã é extraordinariamente difundido entre os teuto-capixabas. Os velhos ignoram o português, os adultos se exprimem no nosso idioma sem dificuldade e as crianças são bilíngues. O nível cultural de nossos colonos é muito baixo; apenas o ensino primário está ao alcance de todos; o ensino secundário, assim como o superior, é um privilégio dos mais ricos, cujo número é bem reduzido entre os teuto-capixabas.
De dois fatos expostos, parece-nos possível tirar algumas conclusões, tais como:
– a contribuição quantitativa de um núcleo de população ativa que não pôde ainda desenvolver todas as suas potencialidades;
– a existência de "brasileiros de origem" que vivem, como tantos outros brasileiros rurais de condições modestas, esquecidos e mal recompensados;
– a maneira como a situação no século XIX difere tão pouco da atual, permanecendo os colonos numa rotina que vem durando um século, o que dificulta a sua integração com seus irmãos brasileiros, que procuram cada vez mais elevar seu nível cultural para sair de sua frustração econômica o social.
Os colonos ainda não tomaram consciência dos seus deveres o direitos. Não perderam o hábito de viver isolados num meio onde as comunicações limitadas dificultam o contato com outras comunidades. A vida exclusivamente agrícola ocupa a mente e o corpo num só sentido.
A religiosidade intensa restringe ainda mais vôos de liberdade, os comerciantes poderosos exigem dinheiro e o respeito apreensivo, os ministros de culto, influentes, dominam facilmente a sociedade local, e as tradições de seu país de origem são mantidas em língua alemã usada cotidianamente. O círculo, portanto, envolve e, muitas vezes, isola toda uma geração de brasileiros.
Entretanto são vários os caminhos a serem percorridos para que haja uma perfeita integração. Urge a modificação do sistema atual de agricultura, pois as observações demonstram que o solo é destruído impiedosamente, sem nenhuma preocupação de conservação. Urge a abertura de estradas que possam levar a cidade ao colono e o colono à cidade. O que não se compreende é que atualmente a situação estudada, os problemas equacionados, as soluções encontradas, não se faça mais por este bravo povo do campo tão cantado, tão sofrido. Muitos deles descendem de avós que trocaram os louros trigos pelo café moreno o amargo. Eles bem merecem mais colégios, melhores ferramentas, maior produção, melhor mercado e isto só será possível quando as estradas se multiplicarem, no nosso estado e dentro do Brasil, ligando povoados vilas, cidades a pequeninos núcleos onde um pastor, um comerciante alguns proprietários e muitos proletários não se sentirão mais sós.
[FERREIRA, Ângela de Biase. Notas sobre os alemães no Espírito Santo. [Trabalho apresentado no II Colóquio de Estudos Teuto-Brasileiros, em Recife-PE, em abril de 1968 e publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Reprodução autorizada pela autora.]
---------
© 1968 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
---------
A colonização alemã no Espírito Santo começou em 1847 com a vinda de emigrantes para o vale do Jacu [ou Jucu] na localidade que tomou o nome...
Notas sobre os alemães no Espírito Santo
A colonização alemã no Espírito Santo começou em 1847 com a vinda de emigrantes para o vale do Jacu [ou Jucu] na localidade que tomou o nome de Santa Isabel. Dez anos mais tarde outra colônia foi fundada no vale do rio Santa Maria da Vitória, entre os rios Mangaraí e Santa Maria. Esta colônia dividia-se em duas partes distintas: Colônia Velha, ou de Santa Ma ria, e Colônia Nova, ou de Santa Leopoldina. A Colônia Velha situava-se em uma região distante do uma "légua" ao norte do porto do Cachoeiro, ponto final da navegabilidade do rio Santa Maria. Até a abertura da estrada do rodagem, em 1928, era a única via de acesso da capital ao interior nesta região. Na referida colônia se estabeleceram os primeiros colonos chegados em março do 1857. Eram na sua maioria suíços descontentes com contratos de parceria e transferidos pelo governo imperial de Ubatuba para Santa Maria. O solo na região era em geral pouco e bastante montanhoso. Reconhecendo estes defeitos, mandou a presidência, em fins de 1857, explorar novos sítios que se prestassem melhor ao desenvolvimento da colônia. O local escolhido, veio a constituir a segunda parte dela, a oeste do porto de Cachoeiro e cognominada de Colônia Nova de Santa Leopoldina. Quase tão montanhosa quanto a primeira, era, porém, "mais fértil e cortada de ribeiros cristalinos".É interessante notar-se que esta distinção entre Colônia Velha e Nova, que foi feita no espaço de menos de um ano, atualmente não mais aparece no Espírito Santo. Poderia, presentemente haver tal distinção entre os núcleos fundados no século XIX nos já citados vales dos rios Jacu e Santa Maria da Vitória, e aqueles existentes a partir do início do século XX nos vales dos três principais afluentes da margem direita do rio Doce: Santa Maria do Rio Doce, Santa Joana e Guandu. Entretanto, hoje a distinção se faz pela diversidade do clima decorrente da topografia: Terra Fria (alta) o Terra Quente (baixa), com uma diferença de 4 a 5 graus em média. É perfeitamente aceitável e compreensível que o número de descendentes alemães seja acentuadamente maior na Terra Fria, zona serrana com altitude média de 700 a 800 metros, onde 4/5 da população é de origem germânica, enquanto que na Terra Quente somente 1/6 o é.
Para as duas partes da colônia, velha e nova, vieram suíços, alemães, tiroleses, luxemburgueses e holandeses. Os colonos faziam um contrato com o governo, alguns, contudo, não tinham contrato algum "confiados na generosidade do governo brasileiro". Todos, porém, tinham direito a um prazo (hoje colônia) que era sorteado o formava um quadrado de 250 braças de lado (25 ha.), casa provisória, diária durante 6 meses (subsídio freqüentemente ampliado para 12, 24 meses e até mais, em casos de doença), derrubadas (inicialmente feitas pelos nacionais, e, depois, pelos próprios colonos, pois além de ficarem menos dispendiosas, eram mais uma fonte de renda e evitava uma fiscalização no trabalho dos brasileiros, cuja deficiência acarretava sérios prejuízos. A extensão das derrubadas variava de 1.000 a 10.000 b².
Os prazos de 250 braças de lado, transformaram-se em propriedades, tendo na sua maioria (85%) uma superfície de 10 a 100 ha; metade dos proprietários possui 25 a 75 ha (de 1 a 3 "lotes"). Entre os colonos, quando se trata do tamanho da propriedade, ela se define por "colônia", que corresponde a 25 ha. Como se observa, foi conservada como padrão, a medida inicial dos prazos.
Nesses prazos instalavam-se os imigrantes alemães em ranchos provisórios que mais tarde serviriam como "moinhos de farinha". Os pomeranos, segundo um memorial do Dr. Rudio, diretor da colônia, em 1864, eram a "pérola da colônia, gente forte, lavradores de infância, mulheres bonitas, adolescência alegre com faces gordas vermelhas". Ainda segundo o mesmo depoimento, todos tinham "boas casas definitivas, cobertas com taboinhas, uma casinha para o forno, estrebarias separadas para vacas. bezerros, porcos, aves" e ainda "preparos para socar o café e o milho com água". Podendo-se "distinguir um Pomerano entre outros colonos à primeira vista".
Atualmente também distinguem-se ainda os teuto-capixabas dos outros núcleos rurais do Espírito Santo. Conservaram a construção em estuque e a cobertura de "taboinhas" de madeira. Segundo documentos da época, a escolha deste tipo de cobertura foi motivada pelo fato da facilidade de obtenção de madeira, ausência de cerâmica e mais a influência do país de origem. Vamos encontrar, principalmente na zona pioneira, esta cobertura característica. Devido à sua grande durabilidade, é comum encontrar-se, ainda hoje, nas colônias mais antigas, este tipo singular mas eficiente de cobertura.
As casas apresentam um aspecto agradável, sobre estacas (correção da umidade), caiadas de branco, janelas pintadas geralmente de azul e com barras de sustentação pintadas de preto. Na fachada nota-se, para uma adaptação ao nosso clima, a presença de uma varanda com balaústres de madeira que ocupa, às vezes, toda a frente da casa.
Como em 1864, os anexos são numerosos e necessários; surgem eles à medida que as necessidades o exigem: o forno para o pão, o paiol, o chiqueiro, o galinheiro, o terreiro para socar o café, o quitungo (casa de farinha)...
Em 1857 o número de imigrantes que habitavam a região era de 140, compondo-se de 17 famílias suíças com 99 pessoas; 5 famílias de Hannover, com 24 componentes; 2 famílias de Luxemburgo, com 6 pessoas; 1 família prussiana, com 3 elementos; 2 viúvas de Holstein, com 3 filhos cada uma, sendo os mais velhos de 11 e 10 anos. No ano seguinte chegaram mais prussianos e luxemburgueses. Em julho de 1859 vieram os pomerânios, os hessianos com 12 famílias (61 pessoas), os tiroleses e de Baden também chegaram 12 famílias (34). Em 1860 além dos provenientes de Nassau, recebeu a colônia 13 famílias (62) de Westfalia e 15 famílias (68 pessoas) da Saxônia. Para sintetizar diremos que o total de colonos em janeiro de 1861 era de 1.014 pessoas.
Hoje o número do teuto-capixabas é de aproximadamente 72.000 (1960). A grande diferença entre o número de imigrantes — 6 000 (aproximadamente 5.000 de 1847 a 1914 e 1.000 entre 1918 o 1939) — e o de seus descendentes mostra que a expansão da colonização foi devida á forte natalidade. Em 1960 2/3 das famílias de origem alemã tinham mais de cinco crianças.
Quanto às qualificações dos primeiros imigrantes, assim se referia em seu relatório de 1861 o diretor da colônia: "era bem variada, da Baviera, Hannover e dos Estados alemães pequenos temos muita gente e esta é misturada, superior a inferior, alguns quase inválidos. Havia fabricantes de cerveja, marinheiros, mineiros, guarda-livros, músicos, alfaiates, decoradores de teatro, agrimensores e até mesmo alguns lavradores". Os pomerânios, citados em todos os relatórios como os melhores colonos, "gente forte e incansável foram na sua pátria servos dos proprietários, aqui são possessores da suas terras e muito contentes com as suas sortes". Os Westfalos, os renanos e os prussianos também, de um modo geral, eram bons trabalhadores, embora existisse "entre eles alguma gente que não prestava para a imigração". Os tiroleses também são citados como bons trabalhadores, apesar de ''na Alemanha serem conhecidos como uma nação de preguiçosos; em Santa Leopoldina isto não se pode dizer", Os saxões, operários de fábricas, desconhecendo o trabalho na lavoura, achavam-no pesado, encontrando sérias dificuldades para o seu progresso.
As qualificações citadas não correspondiam, em Santa Leopoldina, a uma diferenciação social, uma vez que ali todos os imigrantes começaram como lavradores, nas mesmas condições e com as mesmas oportunidades. A constituição de classes sociais foi se firmando com o correr dos anos como uma decorrência do sistema no qual se baseou a colonização: a propriedade da terra, com interferência do grupo étnico. Hoje encontramos nas classes sociais dois grupos: os proprietários e os que não possuem terras. Entre estes últimos temos os assalariados e os meeiros. Os assalariados correspondem às criadas, o diarista ou "camarada" e os meeiros. As criadas vivem em condições muito modestas e ocupam uma posição muito humilde; percebem como ordenado uma insignificância, menos de 1/3 do que recebe o diarista. Este, em 1960, ganhava do 50 a 100 cruzeiros antigos por dia. A procura do seus serviços é pequena; em zonas pioneiras, onde os homens não são suficientemente numerosos para derrubada, plantio e colheita, encontram estes proletários mais trabalho. Os meeiros dividem com os proprietários a metade do que plantam e colhem da cultura principal; das culturas secundárias (geralmente de subsistência) conservam a totalidade ou reservam uma fração para o dono da terra. Em troca este lhes fornece alojamento, utensílios, sementes e eles entram com o serviço. Alguns meeiros têm uma renda superior aos pequenos proprietários e conseguem, após alguns anos, adquirir seu próprio lote. Constituem 40% dos exploradores agrícolas, apesar da animosidade e desconfiança acentuadas e recíprocas.
Quanto ao proprietário há os pequenos (com menos de 10 ha., 6%), médios (com 10 a 100 ha., 85%) e grandes (mais de 100 ha., 9%). A renda vai depender do tamanho da propriedade e o valor desta depende, em parte, do estado dos cafezais e, principalmente, das matas restantes. Entre os proprietários, pois todos ou quase todos o são, encontramos os comerciantes, que representam a elite, a classe mais rica e poderosa, cujo prestígio tem relação com o seu grau de riqueza, que surge como resultado de atividades que vão desde a casa do comércio puramente rural, com pequeno raio de ação (3 km mais ou menos), até a grande casa comercial, quando o seu raio de atividade chega a atingir até 30 km.
A situação atual, do ponto do vista comercial, não difere muito da do século XIX. Um dos problemas do abastecimento da colônia era o custo dos transportes, que até hoje se faz sentir. O produto que o colono tem para vendar e o que necessita comprar é onerado pela despesa com o transporte resultante da distância que o separa do centro que consome e abastece. Esta situação oferece vantagens somente para o comerciante, que na maioria das vezes, é o próprio transportador, percebendo lucro na compra e venda da mercadoria e, ainda, no seu transporte. Com a expressão "o que têm os colonos para vender é barato e o que eles têm para comprar é caro", percebe-se que já se queixavam deste problema os diretores da colônia. Diante desta situação, em 1862 sugeria um dos diretores a desapropriação de lotes no Porto do Cachoeiro que seriam aforados por comerciante, oferecendo-se assim mais recurso aos colonos. Procurava, também evitar com isto "as demoradas e prejudiciais viagens" que faziam os colonos à capital".
Constata-se hoje que os colonos jamais se tornaram auto-suficientes. Em 1860, o barão Pfuhl, diretor da colônia de Santa Leopoldina, dizia que o colono era mais especialista na lavoura e negociava mais com os produtos que o fazendeiro brasileiro, cuja ambição era "que sua lavoura, a sua fazenda lhe produza tudo do que precisa e assim é que há tão pouco comércio, entre duas províncias como são Minas Gerais e a do Espírito Santo". Já em 1865, o diretor Rudio acusava 4 ou 6 "vendas" existentes no Pôrto de haverem desvirtuado a sua função dando lugar a "bacanais a paixão excessiva de jogar", transformando Santa Leopoldina na "colônia da miséria o do mistério". O futuro iria demonstrar que o comércio estava fazendo a fortuna do Pôrto, e que o transformaria na mais importante cidade do Espírito Santo no início do século XX , com a existência ali de casas comerciais que operavam diretamente com o exterior, principalmente com a Alemanha. Durou pouco este apogeu. Hoje não encontramos em toda a colônia teuto-capixaba uma casa de exportação-importação.
Além do papel importante do comércio, temos também que salientar o que desempenhou e vem desempenhando a Igreja representada pelo pastor e sacerdote. Desde o início da colonização era preocupação constante dos colonos e dos próprios diretores a instalação regular de serviços religiosos. Em 1861, o diretor Rudio atribuía os desmandos dos colonos à falta de assistência religiosa e estes desmandos chegavam a tal ponto que ele se envergonhava "de pertencer com esta gente à mesma nação, que esquece Deus e suas obrigações para o Estado, para seus semelhantes e para a humanidade". Para o referido diretor, filho de "uma família huguenote, que deixou a França depois da revogação do Edito de Nantes, sem ser fanático", o principal problema da colônia era "a rudeza geral e a incivilidade selvagem"; e somente "a religião poderia domar esta bravidade". Não havia na época nem escola, nem igrejas. Entre os protestantes, queixava-se ainda o mesmo diretor, "18 casados esperam a bênção da Igreja, talvez 30 crianças não são batizadas o não receberam há 20 meses a eucaristia. São o que isso podem mais do 700 almas". Continuando na sua queixa, estranhava o fato do Santa Isabel possuir naquela época (1862) um eclesiástico quando contava com apenas a metade dos 720 protestantes que residiam em Santa Leopoldina e aguardando a assistência religiosa. Neste mesmo ano propunha o mesmo diretor a construção de um templo protestante com a sua ajuda financeira e a dos colonos. "Mesmo os católicos se declaram prontos para ajudar, mas excusei seus serviços, dizendo que seja causa de família protestante". Afirmava que a concórdia religiosa era ótima na sua colônia, ao contrário da de Santa Isabel, e que ele manteria esta ordem "com uma energia, donde me creio talvez não capaz". Queixava-se ainda o mesmo diretor não terem as autoridades tomado as providências necessárias na época da fundação da colônia, reservando prazos para capelas, escolas e cemitérios . Os cemitérios eram separados, havendo dois para os católicos e somente um para os protestantes, embora estes constituíssem a maioria. O motivo desta disparidade era o fato do culto protestante "não prescrever a terra sagrada" e porque muitos colonos preferiam enterrar seus mortos no prazo onde viveram".
Em 1864, recebia o diretor ordem para apresentar um projeto para a edificação da Igreja Católica, entendendo-se, para isto, com o capelão da colônia, frei Adriano Lauschner.Apresenta o orçamento de .4:556$786 e organiza o projeto do edifício que seria construído de "pau-a-pique, tendo a nave trinta palmos sobre cinqüenta, o coro 8 sobre 28 e a sacristia 30 palmos, o que dava "uma capacidade para 350 e 380 pessoas".
Em 1868, servia ainda de capelão o padre missionário frei Adriano Lauschner e para a culto protestante o pastor Germano Reuther. Não tendo os protestantes recebido o dinheiro prometido para a edificação da Igreja, começaram a construção às próprias custas.
O papel da Igreja dentro da zona de colonização alemã continua a ser muito importante. Inicialmente os ministros tinham dupla influência moral e pedagógica. Com a proibição de se ensinar em alemão, esta última influência desapareceu, o que não impediu que grande parte do prestígio dos padres e pastores, que resido no fato de serem as pessoas mais cultas da colônia, continuasse em evidência. É também na Igreja, aos domingos e dias de festa, que se reúnem os colonos para que ao mesmo tempo em que cumprem seu dever religioso, possam também se distrair. Deslocam-se em "animais de sela" ou em bicicletas. Depois do ofício religioso ficam os homens de cócoras (à moda cabocla) conversando. É uma oportunidade de distração num meio, onde ela é escassa ou nula, já que o trabalho na lavoura absorve-lhes todo o tempo disponível (de sol a sol).
O café aparece como a principal cultura secundada pela "lavoura branca'', responsável pelo alimento diário. Com o milho, feijão e mandioca suprem eles suas cozinhas pobres.
Já em 1861, a situação não ara diversa. Desde aquela época os colonos depositavam todas suas esperanças na cultura dos cafezais: "se pudermos vender café, acabará nossa miséria e seremos lavradores completos".
Mas a maior parte dos imigrantes lutava "naturalmente com obstáculos provenientes não somente de seus defeitos físicos e morais, mas também do emprego em um serviço novo e penoso para elles". E tanto isto era verdade que "os colonos mais abastados e com culturas mais prósperas 'eram' os que tinham sido agricultores em sua pátria tais os pomerânios e a maioria dos luxemburgueses. O desejo de lucro imediato também levava os colonos a fazerem a derrubada em áreas de mata maiores do que as que realmente necessitavam, tendo em vista o dinheiro com que lhe seriam pagos os seus serviços. Devia ainda se acrescentar a diferença nossa lavoura. e a da Europa: "o lavrador brasileiro derruba, queima a planta suas terras até ser muito cansada, que não dê mais colheitas, depois do qual derrubam o outro terreno. É outra coisa com o colono alemão".
Hoje não podemos mais repetir as palavras do citado diretor, pois o colono alemão não mais difere do lavrador brasileiro do século XIX, que não evoluiu até hoje. A técnica agrícola nas zonas teuto-capixabas é precária, quase todo trabalho, 99%, é feito à mão, com pouco rendimento e muito desgaste. A este desgaste físico soma-se o desgaste da terra. O sistema de queimada, a erosão intensa provocada pelas chuvas violentas caindo sobre grandes declives onde, sem cuidado e nenhuma precaução, estão situados os cafezais, provocam uma desastrosa transformação, substituindo, após algum tempo, por abandono, a cultura do café em desfigurado capoeiral. Contudo este sistema tradicional de cultura de café com sistema de rotação das terras foi substituído numa pequena parte da superfície da zona teuto-capixaba no distrito de Santa Maria, município ao Santa Leopoldina, onde nos fundos dos vales, em lugares impróprios ao plantio do café se desenvolve com sucesso, obedecendo a processos modernos, a cultura de legumes que conseguem, agora, graças a algumas estradas de rodagem, alcançar Vitória. Infelizmente, porém, este conhecimento moderno de agricultura (com irrigação o adubação) e boas estradas ainda são raros na paisagem espírito-santense.
Na zona de colonização alemã encontramos associação entre a cultura e a criação, fato que já preocupava o diretor no tempo da colônia quando ele afirmava "que somente lavoura junto com criação daria a Santa Leopoldina a força necessária para se tornar uma das melhoras colônias do Brasil". Acrescentava ainda que "o único remédio de melhoramento do chão é a estercação e por esta conseqüência a criação do gado vacum". Nas suas sugestões diz ainda no relatório que a adubação podia ser aplicada "na forma de composto", como aplicava na sua terra nos vinhedos do Reno, ou ainda "pela troca de terra", fazer "dois ou três anos de pasto, depois arrancar e acumular as relvas, fazer apodrecer-lhe e plantar mandioca, feijão a outras plantas". Sistema semelhante a este encontramos sendo feito apenas por um colono alemão, homenageado este ano como agricultor modelo do Espírito Santo. Sua cultura principal é a cana associada à do milho ou à do feijão.
Aliás, na alimentação dos colonos tanto o feijão como o milho (Brot) têm uma grande importância, sendo que as preferências são em ordem decrescente: feijão (75%), arroz (43%), batata (28%), carne(14%) e ovos idem. Dão preferência ainda, naturalmente, pela facilidade de criar, à carne de porco e galinha, que não falta nos domingos e dias de festa. Fazem três alimentações diárias: café da manhã (brot, café puro ou com leite, linguiça manteiga e geleias), almoço e jantar. Alguns fazem ainda uma quarta refeição "café da tarde" (hábito bem difundido no Espírito Santo e quiçá no Brasil). Este caminho de adaptação é ainda acentuado pelo uso generalizado de cachaça, que já era reclamada pelos colonos em 1859 no Porto, enquanto aguardavam a distribuição de lotes, "os 139 colonos gritam por aguardente e por negros ou animais para conduzir suas cargas pesadas". Mo relatório de 1861, declarava o diretor que os alemães achavam mais lucrativa a plantação de batatas doces e "para dizer a verdade", continua o mesmo, "que me parecer que se mudou o gosto de nossa colônia", dando preferência "às batatas doces, dizendo que acham insípidas as batatas inglesas".
Houve, portanto, a assimilação de muitos hábitos, mas não uma integração dificultada pelo isolamento em que se encontram a pelo desconhecimento da língua portuguesa.
Desde a início da colonização, os diretores reclamavam escolas para os recém-chegados. Em 1864 , para um total de 664 crianças, dos quais 280 em idade escolar, havia três aulas com 116 alunos:
1 – A de Manoel Passos, 6 alunos.
2 – A de frei Adriano Lauschner, 25 alunos.
3 – A do pastor Germano Reuther, 85 alunos de 13 a 18 anos. Depois receberiam instruções os de 6 a 13 anos. O objetivo do pastor era que seus discípulos pudessem ler a Bíblia, ameaçando de não dar a bênção do casamento a quem não soubesse ler ou escrever.
O professor brasileiro, além de ter a sua classe longe da colônia, em Ribeirão dos Pardos, tinha, ainda, contra si, o pouco conhecimento do alemão; ganhava 400$000 por ano.
O padre e o pastor trabalhavam gratuitamente tendo, contudo, o primeiro recebido 200$000 para instalação e utensílios da escola em 1864. No mesmo ano o pastor construiu, com o dinheiro da comunidade protestante, uma casa provisória com um quarto e uma sala de aula; foi prometida, em 1866, uma ajuda do governo imperial de 750$000 para dar "começo às obras do edifício protestante e para escola das primeiras letras da colônia de Santa Leopoldina". Não tendo recebido o dinheiro, os protestantes iniciaram a construção dois anos depois às próprias custas. Não sendo subvencionada [a escola] pelo governo, os pais dos meninos pagavam ao pastor anualmente, para o ensino de um aluno, seis dias de serviço na lavoura do prazo da igreja protestante; para dois, três ou mais, o tempo de serviço era respectivamente 10 e 12 dias de trabalho. O ensino era dado em língua alemã, apesar da insistência dos diretores no sentido que ele fosse orientado em língua portuguesa.
Esta situação perdurou até que o governo brasileiro proibiu o ensino em língua estrangeira. Mesmo assim, o emprego da língua alemã é extraordinariamente difundido entre os teuto-capixabas. Os velhos ignoram o português, os adultos se exprimem no nosso idioma sem dificuldade e as crianças são bilíngues. O nível cultural de nossos colonos é muito baixo; apenas o ensino primário está ao alcance de todos; o ensino secundário, assim como o superior, é um privilégio dos mais ricos, cujo número é bem reduzido entre os teuto-capixabas.
De dois fatos expostos, parece-nos possível tirar algumas conclusões, tais como:
– a contribuição quantitativa de um núcleo de população ativa que não pôde ainda desenvolver todas as suas potencialidades;
– a existência de "brasileiros de origem" que vivem, como tantos outros brasileiros rurais de condições modestas, esquecidos e mal recompensados;
– a maneira como a situação no século XIX difere tão pouco da atual, permanecendo os colonos numa rotina que vem durando um século, o que dificulta a sua integração com seus irmãos brasileiros, que procuram cada vez mais elevar seu nível cultural para sair de sua frustração econômica o social.
Os colonos ainda não tomaram consciência dos seus deveres o direitos. Não perderam o hábito de viver isolados num meio onde as comunicações limitadas dificultam o contato com outras comunidades. A vida exclusivamente agrícola ocupa a mente e o corpo num só sentido.
A religiosidade intensa restringe ainda mais vôos de liberdade, os comerciantes poderosos exigem dinheiro e o respeito apreensivo, os ministros de culto, influentes, dominam facilmente a sociedade local, e as tradições de seu país de origem são mantidas em língua alemã usada cotidianamente. O círculo, portanto, envolve e, muitas vezes, isola toda uma geração de brasileiros.
Entretanto são vários os caminhos a serem percorridos para que haja uma perfeita integração. Urge a modificação do sistema atual de agricultura, pois as observações demonstram que o solo é destruído impiedosamente, sem nenhuma preocupação de conservação. Urge a abertura de estradas que possam levar a cidade ao colono e o colono à cidade. O que não se compreende é que atualmente a situação estudada, os problemas equacionados, as soluções encontradas, não se faça mais por este bravo povo do campo tão cantado, tão sofrido. Muitos deles descendem de avós que trocaram os louros trigos pelo café moreno o amargo. Eles bem merecem mais colégios, melhores ferramentas, maior produção, melhor mercado e isto só será possível quando as estradas se multiplicarem, no nosso estado e dentro do Brasil, ligando povoados vilas, cidades a pequeninos núcleos onde um pastor, um comerciante alguns proprietários e muitos proletários não se sentirão mais sós.
[FERREIRA, Ângela de Biase. Notas sobre os alemães no Espírito Santo. [Trabalho apresentado no II Colóquio de Estudos Teuto-Brasileiros, em Recife-PE, em abril de 1968 e publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Reprodução autorizada pela autora.]
---------
© 1968 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
---------
Ângela de Biase Ferrari nasceu em Vitória, 1923. Graduada em História e Geografia pela Universidade Santa Úrsula-RJ, desenvolveu muitos trabalhos de pesquisa na área de Geografia, à qual se dedicou com maior intensidade. Professora aposentada da Ufes, onde lecionou de 1955 até 1985. Publicou vários artigos.
1/01/2016
A fonte, portanto, é boa, e a pesquisa foi feita com seriedade e carinho. Procuramos com nossa parcela de estudo e paciência oferecer um campo inesgotável de comparações e deduções para um aprofundamento maior. Todo esforço de busca é um elo. Ligando passado, presente e futuro, procurando causas, determinando efeitos, encontrando cifras, interpretando atos, proporcionando material de estudo e de discussão. É o que esperamos, encontrem no nosso trabalho.
A colônia de Santa Leopoldina achava-se situada a "8 ou 9 léguas" de distância da cidade de Vitória, entre os rios Mangaraí e Santa Maria.
Dividia-se em duas partes distintas: 1) Colonia Velha, denominada de Santa Maria, situada a "1 légua" ao norte do Porto de Cachoeira de José Cláudio, hoje cidade de Santa Leopoldina. Aí se estabeleceram os primeiros colonos chegados em março de 1857. Estes colonos eram na maioria suíços descontentes por contratos de parceria e transferidos pelo governo imperial de Ubatuba para Santa Maria.
O solo nesta parte da colônia era em geral pouco fértil e bastante montanhoso. Reconhecendo estes defeitos, mandou a presidência, em fins de 1857, explorar novos sítios que se prestassem melhor ao desenvolvimento da colônia. O local escolhido veio a constituir a segunda parte da colônia, a oeste do Porto de Cachoeiro.
Era a Colonia Nova de Santa Leopoldina quase tão montanhosa como a primeira, porém, "mais fértil e cortada de ribeiros cristalinos".
Para estas duas partes vieram colonos suíços, alemães, luxemburgueses e holandeses. Estes colonos faziam um contrato com o governo: alguns contudo não tinham contrato nenhum "confiados na generosidade do governo brasileiro". Todos, porém, tinham direito a um prazo (hoje colônia) que era sorteado e formava um quadrado de 250 braças de lado, casa provisória, diárias de 6 meses, derrubada (inicialmente feita pelos nacionais, mas depois pelos próprios colonos, por ficarem mais baratas, por serem também mais uma fonte de renda para os colonos nos primeiros tempos e ainda porque não se podia fiscalizar o trabalho dos brasileiros, havendo prejuízo por não cumprirem as ordens). A extensão das derrubadas variava de 10.000 a 1.000 b².
A colônia tinha uma área de 16.100.000 b² e era administrada por dois funcionários: um diretor, que ganhava 200$000 por mês, e 1 administrador com 50$000 mensais.
Havia ainda 1 intérprete do governo, 1 capelão, 1 pastor, um professor de primeiras letras e um médico. Os três primeiros ganhavam 30$000 e o professor 20$000 e o médico 100$000.
O primeiro médico que teve a colônia foi J. Braun, como podemos verificar no ofício do Superintendente da colônia datado de 10 de outubro de 1858:
Em 1860 era médico da colônia o Dr. Martim Leocádio Cordeiro e em 29 de agosto de 1863 é nomeado o Dr. Francisco Gomes de Azambuja Müller, entrando em exercício em 16 de outubro do mesmo ano, após a demissão de Braun, que assim era julgado pelo diretor Rudio: "...este sujeito, chamado Braun, cujo nome é sinônimo com a desmoralização desta colônia, é dela de mentira e charlatanismo."
Embora assistidos pelo médico, as condições de saúde dos colonos não podiam ser excelentes. A maior parte dos colonos recém-chegados sofria de disenteria, doenças do fígado, hidropsias (que fazia bastante vítimas entre as crianças). Uma moléstia que aparecia com freqüência era a oftalmia, que, segundo o médico, atacava principalmente os trabalhadores de estradas. Dava como causas a cor do terreno, vermelha, que atraía grande soma de calor e ainda "um vento frio que sopra inconstante e que acarreta sobre os órgãos visuais partículas de um pó subtil". A poeira, o vento e o calor, segundo ele, determinavam a moléstia em questão, que atacava tanto os nacionais como os estrangeiros.
A sarna também fazia inúmeras vítimas: a causa aqui era a falta de higiene e a contaminação era devida à promiscuidade.
Aparecia também, entre os doentes, opilados, "e em não pequeno número", fato ocasionado sempre, segundo o médico, pela ação combinada da alimentação pouco substancial e da umidade. Destes, muitos, eram curados, mas alguns, desiludidos, abandonavam o tratamento.
Os vermes eram comuns tanto nos adultos como nas crianças, constando num relatório a justificativa de não especificar aí os que os possuíam, porque se se o fizesse ter-se-ia de enumerar todos os colonos.
Febres intermitentes ocorriam com uma certa freqüência, verificadas principalmente entre os colonos que se haviam transferido para Rio Novo e voltado para Santa Leopoldina. Entre muitos, citaremos este ofício:
Os relatórios dos médicos fazem menção ainda à disenteria e diarreia, dando como causas "as comedorias mal preparadas e intemperança dos colonos".
Os médicos procuravam exercer sua profissão da melhor forma possível, mostrando os obstáculos, dificuldades, causas das doenças etc... como veremos no oficio que transcrevemos, ofício de 10 de novembro de 1860, do médico da colônia, Dr. Martim Leocádio Cordeiro:
Outras dificuldades devem ser incluídas, além da grande extensão a ser percorrida pelo médico, ausência de enfermaria, fingimentos dos colonos para continuar a ganhar subsídios. Uma das mais importantes e à qual encontramos referência em vários relatórios e ofícios, é a que se refere à instalação dos colonos nos barracões enquanto esperavam ser acomodados nos prazos. Existiam 3 barracões em Bragança (1ª povoação da colônia); ainda em 1858 o Administrador A. Pralon pede para construir mais um, no Porto. O presidente autoriza-o a "edificar o barracão com toda segurança e economia". Pois bem, estes barracões não ofereciam condições de habitabilidade: umidade, exiguidade de espaço e falta de asseio contribuíram para que uma grande maioria dos recém-chegados adoecessem, como podemos verificar nos ofícios que seguem.
Em 30 de abril de 1857 — Fernando Antônio Ferreira Castelo falava de umas "câmaras de sangue" que atacavam principalmente. as crianças menores de 5 anos asseverando que com essa idade nenhuma resistia à moléstia, e conclui dizendo:
D'Illiers, diretor da colônia, em 17 de setembro de 1859 dizia que as chuvas haviam ocasionado algumas indisposições entre os colonos instalados nos prazos, mas sem maiores conseqUências. Contudo chama a atenção para morte de 2 crianças dans le grand Rancho du Port, il existe dans cette endroit plus de maladies qu'ailleur à cause de manque d'air et de la grande humidité, aux quels les soins ne peuvent remedier par suite du mauvais choix de l'emplacemente de ce rancho.
Noutro ofício de 8 de outubro de 1859 é ainda D'Illiers que fala da necessidade de deslocar 27 doentes que estavam nos barracões: ...pour la conservation de ces personnes, il est important de les faires sortir de ce lieu insalubre.
Em outros ofícios verificamos que nos primeiros tempos a colônia viveu momentos difíceis; desânimo, desordem... a tal ponto que em 1861 o governo imperial declarou que todos que o quisessem, poderiam mudar para Rio Novo. Mudaram somente duas famílias suíças "as mais gritadoras". Outros foram, mas voltaram. Um dos motivos dessa situação difícil era a fome.
Em 18 de abril de 1860 o diretor barão Pfhul levava ao conhecimento do presidente da província o deplorável estado dos colonos e o seu "receio que não vindo dinheiro com toda a pressa, tenhamos de lamentar doenças e talvez mortes causadas pela fome".
No mesmo ano, em julho, comunicava o diretor que uma colona holandesa havia tido um ataque no Porto, que se atribuía à fome e que o mesmo acontecera no prazo n° 1, a outro colono também holandês, este socorrido por seus companheiros. Para evitar a repetição de semelhantes fatos, ele sugeria:
Como vemos, o governa imperial não tinha inteiramente culpa da situação reinante: o subsídio de 6 meses era freqüentemente ampliado para 12, 24 meses e até mais, em casos de doença.
A indolência dos colonos e a ignorância dos trabalhos agrícolas eram as principais responsáveis. Não entraremos em pormenores sobre esse assunto, por fugir ao que propusemos. Citaremos, apenas, um trecho do relatório de 1865:
Ao lado desses que não queriam trabalhar, havia aqueles que o faziam com muito zelo como os pomerânios, por exemplo, e iam abrindo novos horizontes, não sem dores e sacrifícios. Convém ainda reconhecer que a extensão de 62.500 b² é muito limitada para que não somente se deem a uma família os meios de subsistência, como também para que se lhes proporcione sobra. Bem verdade que o colono podia comprar outros prazos, mas estes estavam situados a longa distancia, o que dificultava um cultivo assíduo e vantajoso.
Em 1862 a situação não fora melhor:
Não só a quantidade de comida era insuficiente, somo também a qualidade era deficiente, segundo os relatórios de 1860 e 1864 dos médicos da colônia:
Outros fatores iriam também desempenhar condições negativas, tais como a dificuldade de atender aos colonos doentes, negligência e ignorância dos enfermos, falta de higiene e de medicamentos.
Sendo a colônia muito grande, o médico não podia, segundo o dispositivo do regulamento, percorrê-la pelo menos uma vez por semana e visitar diariamente aos enfermos em seus domicílios. Estando muito disseminados os colonos, examinava o médico particularmente os que necessitavam de seus serviços: "...deixando que me procurem na estrada em dias determinados, ou em meu domicílio a qualquer hora, os que possam fazê-lo por si ou por pessoa informante."
Assim muitas vezes o doente só procurava médico quando a doença já se tinha agravado e progredido: "...não de propósito, mas quando minha presença ou a do ajudante lhes oferecia ocasião para isso."
A morosidade e imperfeição de cura de certas enfermidades era devida à negligência dos enfermos que não seguiam as prescrições do facultativo:
Junte-se a isso a falta de higiene dos colonos. Para ilustrá-la, transcrevemos um trecho de um relatório médico.
Como vemos, também a falta de medicamentos adequados era outro obstáculo para o tratamento dos doentes: "...alguns dos quais não se acham em tratamento por falta de medicamentos apropriados e aconselhados para seu curativo."
O diretor Rudio que por ocasião da demissão médico, J. Braun, toma a seu cargo o tratamento dos doentes, também reclama a mesma coisa e faz sugestões:
Apesar desses inconvenientes todos, o estado sanitário era considerado satisfatório pelos diretores da colônia. Em 1860, 432 pacientes das 912 pessoas existentes foram tratadas, tendo morrido 27. Há a inclusão ainda de dois que morreram afogados e de uma colona que pereceu perdida no mato. A lista segundo as idades era a seguinte:
13 pessoas de 1 a 10 anos
1 pessoa de 10 a 20 anos
6 pessoas de 20 a 30 anos
4 pessoas de 30 a 40 anos
3 pessoas de 40 a 50 anos
2 pessoas de 50 a 60 anos
1 pessoa de 60 a 70 anos
Segue a lista das doenças:
187 – disenteria e diarréia
48 – febres gástricas
42 – atrofia
19 – febres nervosas
13 – febre intermitente
11 – hidropsias
112 – moléstias várias
Em 1861 a colônia tinha 1.075 habitantes, dos quais morreram nesse ano 18. Dois anos depois, número de habitantes se elevou para 1.187, diminuindo o número de mortes para 13 (8 crianças de menos de 2 anos e um adulto assassinado). Em 1865, a população era de 1.279 almas e o número de óbitos foi 21.
Chegamos ao fim dá presente contribuição, por não nos ter sido possível estender as pesquisas além de 1865. O clima parece não ter exercido uma influência muito nefasta na saúde dos colonos: "...a posição elevada de suas terras, o ar puro que se respira, a falta de pântanos com as exalações mefíticas, as boas águas que em todos os prazos correm."
lhes proporcionavam grandes vantagens. Há ainda a opinião de um dos médicos dizendo que: "...a proporção dos doentes entre os colonos antigos está para os mais modernos na razão de 1 para 13."
A longa permanência dos colonos no Porto, abrigados em barracões com más condições higiênicas, facilitava "...o desenvolvimento de certas endemias, que atacam de preferência aos recém-chegados, alterando por esta forma sua saúde futura."
Para reforçar esta ideia, o depoimento do francês D'Illiers: ...le cliniat de la colonie ne peut pas être plus salubre pour des travailleurs. Les maladies dont il vous est donné connaissance sont plutôt le resultat de l'imprudence et de la misère, que l'aclimatation.
Sim, o clima não teve importância tão grande quanto, a ignorância própria não só dos colonos desse rincão, mas fruto da época em que viviam. Condições sanitárias precárias, conhecimentos de assepsia nulos, alimentação mal orientada... foram fatores decisivos para a existência de grande número de colonos doentes.
[FERRARI, Ângela de Biase. Contribuição para o estudo da colonização [alemã] no Espírito Santo: estado sanitário da colônia de Santa Leopoldina no primeiro lustro de sua existência. Palestra proferida no Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, durante o I Seminário de Estudos Espírito-santenses. Reprodução autorizada pela autora.]
---------
© 2002 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
---------
No título está a meta deste nosso trabalho, contribuição pequena, mas fiel a dados oficiais, a relatórios e ofícios enviados para os preside...
Contribuição para o estudo da colonização [alemã] no Espírito Santo: estado sanitário da colônia de Santa Leopoldina no primeiro lustro de sua existência.
No título está a meta deste nosso trabalho, contribuição pequena, mas fiel a dados oficiais, a relatórios e ofícios enviados para os presidentes da então província do Espírito Santo.A fonte, portanto, é boa, e a pesquisa foi feita com seriedade e carinho. Procuramos com nossa parcela de estudo e paciência oferecer um campo inesgotável de comparações e deduções para um aprofundamento maior. Todo esforço de busca é um elo. Ligando passado, presente e futuro, procurando causas, determinando efeitos, encontrando cifras, interpretando atos, proporcionando material de estudo e de discussão. É o que esperamos, encontrem no nosso trabalho.
A colônia de Santa Leopoldina achava-se situada a "8 ou 9 léguas" de distância da cidade de Vitória, entre os rios Mangaraí e Santa Maria.
Dividia-se em duas partes distintas: 1) Colonia Velha, denominada de Santa Maria, situada a "1 légua" ao norte do Porto de Cachoeira de José Cláudio, hoje cidade de Santa Leopoldina. Aí se estabeleceram os primeiros colonos chegados em março de 1857. Estes colonos eram na maioria suíços descontentes por contratos de parceria e transferidos pelo governo imperial de Ubatuba para Santa Maria.
O solo nesta parte da colônia era em geral pouco fértil e bastante montanhoso. Reconhecendo estes defeitos, mandou a presidência, em fins de 1857, explorar novos sítios que se prestassem melhor ao desenvolvimento da colônia. O local escolhido veio a constituir a segunda parte da colônia, a oeste do Porto de Cachoeiro.
Era a Colonia Nova de Santa Leopoldina quase tão montanhosa como a primeira, porém, "mais fértil e cortada de ribeiros cristalinos".
Para estas duas partes vieram colonos suíços, alemães, luxemburgueses e holandeses. Estes colonos faziam um contrato com o governo: alguns contudo não tinham contrato nenhum "confiados na generosidade do governo brasileiro". Todos, porém, tinham direito a um prazo (hoje colônia) que era sorteado e formava um quadrado de 250 braças de lado, casa provisória, diárias de 6 meses, derrubada (inicialmente feita pelos nacionais, mas depois pelos próprios colonos, por ficarem mais baratas, por serem também mais uma fonte de renda para os colonos nos primeiros tempos e ainda porque não se podia fiscalizar o trabalho dos brasileiros, havendo prejuízo por não cumprirem as ordens). A extensão das derrubadas variava de 10.000 a 1.000 b².
A colônia tinha uma área de 16.100.000 b² e era administrada por dois funcionários: um diretor, que ganhava 200$000 por mês, e 1 administrador com 50$000 mensais.
Havia ainda 1 intérprete do governo, 1 capelão, 1 pastor, um professor de primeiras letras e um médico. Os três primeiros ganhavam 30$000 e o professor 20$000 e o médico 100$000.
O primeiro médico que teve a colônia foi J. Braun, como podemos verificar no ofício do Superintendente da colônia datado de 10 de outubro de 1858:
Acuso a recepção do ofício de V. Exa. datado de 30 de Agosto acompanhado do aviso n. 72 de 10 do mesmo mês expedido pela Repartição Geral das Terras Públicas para que desse conhecimento de seu objeto ao colono J. Braun, formado em medicina, que pretende uma gratificação para encarregar-se de prestar socorros de sua arte aos seus compatriotas desta Colônia, o que por mim foi satisfeito à determinação de V. Exa. |
Em 1860 era médico da colônia o Dr. Martim Leocádio Cordeiro e em 29 de agosto de 1863 é nomeado o Dr. Francisco Gomes de Azambuja Müller, entrando em exercício em 16 de outubro do mesmo ano, após a demissão de Braun, que assim era julgado pelo diretor Rudio: "...este sujeito, chamado Braun, cujo nome é sinônimo com a desmoralização desta colônia, é dela de mentira e charlatanismo."
Embora assistidos pelo médico, as condições de saúde dos colonos não podiam ser excelentes. A maior parte dos colonos recém-chegados sofria de disenteria, doenças do fígado, hidropsias (que fazia bastante vítimas entre as crianças). Uma moléstia que aparecia com freqüência era a oftalmia, que, segundo o médico, atacava principalmente os trabalhadores de estradas. Dava como causas a cor do terreno, vermelha, que atraía grande soma de calor e ainda "um vento frio que sopra inconstante e que acarreta sobre os órgãos visuais partículas de um pó subtil". A poeira, o vento e o calor, segundo ele, determinavam a moléstia em questão, que atacava tanto os nacionais como os estrangeiros.
A sarna também fazia inúmeras vítimas: a causa aqui era a falta de higiene e a contaminação era devida à promiscuidade.
Aparecia também, entre os doentes, opilados, "e em não pequeno número", fato ocasionado sempre, segundo o médico, pela ação combinada da alimentação pouco substancial e da umidade. Destes, muitos, eram curados, mas alguns, desiludidos, abandonavam o tratamento.
Os vermes eram comuns tanto nos adultos como nas crianças, constando num relatório a justificativa de não especificar aí os que os possuíam, porque se se o fizesse ter-se-ia de enumerar todos os colonos.
Febres intermitentes ocorriam com uma certa freqüência, verificadas principalmente entre os colonos que se haviam transferido para Rio Novo e voltado para Santa Leopoldina. Entre muitos, citaremos este ofício:
Carlos Kunert, saxano e colono laborioso seguiu aos outros para Rio Novo menos na mira para mudar de colônia, mas para ganhar de dinheiro. O experimento não sucedeu como ele desejava, voltou com febre intermitente e, fraco como era, não resistiu aos ataques desta doença e sucumbiu. Temos para isso, uma viúva a mais. |
Os relatórios dos médicos fazem menção ainda à disenteria e diarreia, dando como causas "as comedorias mal preparadas e intemperança dos colonos".
Os médicos procuravam exercer sua profissão da melhor forma possível, mostrando os obstáculos, dificuldades, causas das doenças etc... como veremos no oficio que transcrevemos, ofício de 10 de novembro de 1860, do médico da colônia, Dr. Martim Leocádio Cordeiro:
Na impossibilidade em que me vejo de exercer satisfatoriamente as funções de médico da Colonia de Santa Leopoldina, cujo cargo me foi cometido pelo governo imperial, em atenção à grande extensão de território que pela mesma colônia é atualmente ocupada e que terá por sem dúvida de aumentar-se, pela afluência de colonos para este ponto, e que devo percorrer diariamente, venho submeter à consideração de V.Exa. a conveniência de se estabelecer provisoriamente no Cachoeiro, onde presentemente resido, uma enfermaria, para a qual sejam recolhidos os doentes graves de medicina e cirurgia que reclamem desvelos imediatos e aturados de facultativo, tornando-se assim reais os serviços profissionais, que o governo imperial serviu-se confiar-me e que de mim exige; e tanto mais quanto pela diretoria geral das terras públicas me havia sido informada a existência desta enfermaria, e convencido estava eu dela, quando aqui me dirigi — Sendo em geral inteiramente indolentes os colonos enfermos, não curando de seus males e sim parecendo entretê-los com o fim de atrair a comiseração dos circunstantes, e provar por este meio a sua desventura, torna-se patente a urgente e imperiosa necessidade de fundar-se este estabelecimento de caridade; necessidade esta que foi sentida pela comissão prusso-suíça que percorreu esta colônia a sindicar da sorte de seus compatriotas. A manipulação dos medicamentos estando também confiada ao médico da colônia, e, não podendo por forma alguma, ser delegada a pessoas não profissionais sem sua imediata inspeção, roubando-me momentos preciosos para a minha clínica, oferece, igualmente razão plausível a uma tal instituição, pois que reunidos os doentes, e feita a visita a cada um de per si, facilitaria então ao facultativo a dosagem dos ingredientes das diversas preparações ao uso comum e individual dos enfermos examinados, e assistiria a sua distribuição. |
Outras dificuldades devem ser incluídas, além da grande extensão a ser percorrida pelo médico, ausência de enfermaria, fingimentos dos colonos para continuar a ganhar subsídios. Uma das mais importantes e à qual encontramos referência em vários relatórios e ofícios, é a que se refere à instalação dos colonos nos barracões enquanto esperavam ser acomodados nos prazos. Existiam 3 barracões em Bragança (1ª povoação da colônia); ainda em 1858 o Administrador A. Pralon pede para construir mais um, no Porto. O presidente autoriza-o a "edificar o barracão com toda segurança e economia". Pois bem, estes barracões não ofereciam condições de habitabilidade: umidade, exiguidade de espaço e falta de asseio contribuíram para que uma grande maioria dos recém-chegados adoecessem, como podemos verificar nos ofícios que seguem.
Em 30 de abril de 1857 — Fernando Antônio Ferreira Castelo falava de umas "câmaras de sangue" que atacavam principalmente. as crianças menores de 5 anos asseverando que com essa idade nenhuma resistia à moléstia, e conclui dizendo:
Se não me aventuro a dizer a V.Exa. a causa de que possa provir tal enfermidade, também não deve crer que provenha da insalubridade do lugar em que estão estabelecidos: antes creio que provenha de estarem por ora aglomerados, mais do que é possível, pelo que, cuido, quanto minhas forças permitirem em os acomodar convenientemente. |
D'Illiers, diretor da colônia, em 17 de setembro de 1859 dizia que as chuvas haviam ocasionado algumas indisposições entre os colonos instalados nos prazos, mas sem maiores conseqUências. Contudo chama a atenção para morte de 2 crianças dans le grand Rancho du Port, il existe dans cette endroit plus de maladies qu'ailleur à cause de manque d'air et de la grande humidité, aux quels les soins ne peuvent remedier par suite du mauvais choix de l'emplacemente de ce rancho.
Noutro ofício de 8 de outubro de 1859 é ainda D'Illiers que fala da necessidade de deslocar 27 doentes que estavam nos barracões: ...pour la conservation de ces personnes, il est important de les faires sortir de ce lieu insalubre.
Em outros ofícios verificamos que nos primeiros tempos a colônia viveu momentos difíceis; desânimo, desordem... a tal ponto que em 1861 o governo imperial declarou que todos que o quisessem, poderiam mudar para Rio Novo. Mudaram somente duas famílias suíças "as mais gritadoras". Outros foram, mas voltaram. Um dos motivos dessa situação difícil era a fome.
Em 18 de abril de 1860 o diretor barão Pfhul levava ao conhecimento do presidente da província o deplorável estado dos colonos e o seu "receio que não vindo dinheiro com toda a pressa, tenhamos de lamentar doenças e talvez mortes causadas pela fome".
No mesmo ano, em julho, comunicava o diretor que uma colona holandesa havia tido um ataque no Porto, que se atribuía à fome e que o mesmo acontecera no prazo n° 1, a outro colono também holandês, este socorrido por seus companheiros. Para evitar a repetição de semelhantes fatos, ele sugeria:
1. Ordem para dar começo aos trabalhos das estradas; 2. Licença de prender como vadios aqueles colonos (durante 24 horas até 3 dias) que não trabalharem nem nos seus prazos ou de outros, nem nas estradas. |
Como vemos, o governa imperial não tinha inteiramente culpa da situação reinante: o subsídio de 6 meses era freqüentemente ampliado para 12, 24 meses e até mais, em casos de doença.
A indolência dos colonos e a ignorância dos trabalhos agrícolas eram as principais responsáveis. Não entraremos em pormenores sobre esse assunto, por fugir ao que propusemos. Citaremos, apenas, um trecho do relatório de 1865:
E é exato o que fica dito que alguns colonos em Santa Leopoldina declaram que não vieram para o Brasil a fim de trabalhar e sim de receber subsídio, dando em troca ao país o favor do aumento da população. Vários colonos, por enfermidades antigas e manifestas por prematura e reconhecido quebramento de força, ou por velhice achacada, tornam-se verdadeiramente inúteis e depõem contra o zelo das casas agentes que as contractas prestando alguns deles utilidade ao país somente pelas esperanças depositadas no crescimento dos filhos ainda infantes. |
Ao lado desses que não queriam trabalhar, havia aqueles que o faziam com muito zelo como os pomerânios, por exemplo, e iam abrindo novos horizontes, não sem dores e sacrifícios. Convém ainda reconhecer que a extensão de 62.500 b² é muito limitada para que não somente se deem a uma família os meios de subsistência, como também para que se lhes proporcione sobra. Bem verdade que o colono podia comprar outros prazos, mas estes estavam situados a longa distancia, o que dificultava um cultivo assíduo e vantajoso.
Em 1862 a situação não fora melhor:
...as coisas necessárias à vida se fazem todos os dias mais raras: os negociantes estão angustiados e continuando este estado agora em tempo breve, tenho medo que a fome pode produzir excesso, talvez muito lamentáveis. |
Não só a quantidade de comida era insuficiente, somo também a qualidade era deficiente, segundo os relatórios de 1860 e 1864 dos médicos da colônia:
...lançam mão da alimentação ordinária não obstante alguns terem à sua disposição o arroz, as aves, etc... A opilação é a moléstia que mais frequentemente afeta aos colonos por causa da alimentação insuficiente de que usam constantemente. |
Outros fatores iriam também desempenhar condições negativas, tais como a dificuldade de atender aos colonos doentes, negligência e ignorância dos enfermos, falta de higiene e de medicamentos.
Sendo a colônia muito grande, o médico não podia, segundo o dispositivo do regulamento, percorrê-la pelo menos uma vez por semana e visitar diariamente aos enfermos em seus domicílios. Estando muito disseminados os colonos, examinava o médico particularmente os que necessitavam de seus serviços: "...deixando que me procurem na estrada em dias determinados, ou em meu domicílio a qualquer hora, os que possam fazê-lo por si ou por pessoa informante."
Assim muitas vezes o doente só procurava médico quando a doença já se tinha agravado e progredido: "...não de propósito, mas quando minha presença ou a do ajudante lhes oferecia ocasião para isso."
A morosidade e imperfeição de cura de certas enfermidades era devida à negligência dos enfermos que não seguiam as prescrições do facultativo:
...o resguardo e dieta que exigem certos medicamentos e moléstias não se pode conseguir dos enfermos, pois apesar das prescrições minhas, por uma economia mal entendida tomam os remédios mesmo no lugar do trabalho, e não se preservam de chuvas, de umidade, e de embates ao vento. |
Junte-se a isso a falta de higiene dos colonos. Para ilustrá-la, transcrevemos um trecho de um relatório médico.
...as bicheiras de pés, que lavram em grande escala é devido à incúria, falta de asseio e preguiça dos colonos acometidos, pois que sendo tão fácil de tirar o bicho (pulga perfurante) pouco depois de entrado, deixam que ele forme grande saco, onde são aninhados e criados esses animálculos que por seu turno se propagam aos tecidos vizinhos, e bem depressa a quase toda a superfície e planta dos pés, das mãos e em seguida aos joelhos e cotovelos e em alguns até ao rosto lançando-a por isso em estado de não poderem dar um passo a procurar meios de subsistência!!! Não para aqui sua incúria e indolência, sendo ao final acometidos de vareja que pousa sobre partes ulceradas, determinados pela coçadura, aí se desenvolvem os bichos, chamados de vareja, que não sendo extraídos em tempo e prevenida sua reprodução pelo mercúrio doce, que se deve lançar nas partes ofendidas, correm todos os tecidos e chegam mesmo a ficar a descoberto os ossos dessas partes, dando lugar à cárie, como desgraçadamente já aqui se manifestou um holandês que por falta de específicos foi transportado para o Hospital de Misericórdia dessa capital. |
Como vemos, também a falta de medicamentos adequados era outro obstáculo para o tratamento dos doentes: "...alguns dos quais não se acham em tratamento por falta de medicamentos apropriados e aconselhados para seu curativo."
O diretor Rudio que por ocasião da demissão médico, J. Braun, toma a seu cargo o tratamento dos doentes, também reclama a mesma coisa e faz sugestões:
...por exemplo recebi 18 vidros de esta caro Opodeldok, mas a cânfora me falta, dando-me um pedacinho de cânfora e um pouco de amônia líquida e uma garrafa e mandando aos colonos ajuntar cachaça e um pouco de sabão, eu estou certo que não custa mais como o preço de um vidro de Opodeldok e economizaremos ao menos 17$000. |
Apesar desses inconvenientes todos, o estado sanitário era considerado satisfatório pelos diretores da colônia. Em 1860, 432 pacientes das 912 pessoas existentes foram tratadas, tendo morrido 27. Há a inclusão ainda de dois que morreram afogados e de uma colona que pereceu perdida no mato. A lista segundo as idades era a seguinte:
13 pessoas de 1 a 10 anos
1 pessoa de 10 a 20 anos
6 pessoas de 20 a 30 anos
4 pessoas de 30 a 40 anos
3 pessoas de 40 a 50 anos
2 pessoas de 50 a 60 anos
1 pessoa de 60 a 70 anos
Segue a lista das doenças:
187 – disenteria e diarréia
48 – febres gástricas
42 – atrofia
19 – febres nervosas
13 – febre intermitente
11 – hidropsias
112 – moléstias várias
Em 1861 a colônia tinha 1.075 habitantes, dos quais morreram nesse ano 18. Dois anos depois, número de habitantes se elevou para 1.187, diminuindo o número de mortes para 13 (8 crianças de menos de 2 anos e um adulto assassinado). Em 1865, a população era de 1.279 almas e o número de óbitos foi 21.
Chegamos ao fim dá presente contribuição, por não nos ter sido possível estender as pesquisas além de 1865. O clima parece não ter exercido uma influência muito nefasta na saúde dos colonos: "...a posição elevada de suas terras, o ar puro que se respira, a falta de pântanos com as exalações mefíticas, as boas águas que em todos os prazos correm."
lhes proporcionavam grandes vantagens. Há ainda a opinião de um dos médicos dizendo que: "...a proporção dos doentes entre os colonos antigos está para os mais modernos na razão de 1 para 13."
A longa permanência dos colonos no Porto, abrigados em barracões com más condições higiênicas, facilitava "...o desenvolvimento de certas endemias, que atacam de preferência aos recém-chegados, alterando por esta forma sua saúde futura."
Para reforçar esta ideia, o depoimento do francês D'Illiers: ...le cliniat de la colonie ne peut pas être plus salubre pour des travailleurs. Les maladies dont il vous est donné connaissance sont plutôt le resultat de l'imprudence et de la misère, que l'aclimatation.
Sim, o clima não teve importância tão grande quanto, a ignorância própria não só dos colonos desse rincão, mas fruto da época em que viviam. Condições sanitárias precárias, conhecimentos de assepsia nulos, alimentação mal orientada... foram fatores decisivos para a existência de grande número de colonos doentes.
[FERRARI, Ângela de Biase. Contribuição para o estudo da colonização [alemã] no Espírito Santo: estado sanitário da colônia de Santa Leopoldina no primeiro lustro de sua existência. Palestra proferida no Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, durante o I Seminário de Estudos Espírito-santenses. Reprodução autorizada pela autora.]
---------
© 2002 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
---------
Ângela de Biase Ferrari nasceu em Vitória, 1923. Graduada em História e Geografia pela Universidade Santa Úrsula-RJ, desenvolveu muitos trabalhos de pesquisa na área de Geografia, à qual se dedicou com maior intensidade. Professora aposentada da Ufes, onde lecionou de 1955 até 1985. Publicou vários artigos.
Assinar:
Postagens
(
Atom
)
Mais Lidos
Recentes
Mais Lidos
-
O povo, por simpatia ou temor por fanatismo, devoção ou sei lá o que, costuma atribuir a certos santos da corte celestial, poderes miraculo...
-
A 'Dermatologia Sanitária' foi uma designação oficial para uma área técnica do Ministério da Saúde, criada pelo Decreto Preside...
-
Venda de Karl Bullerjahn, em Santa Maria de Jetibá. [In WERNICKE, Hugo. Viagem pelas colônias alemãs do Espírito Santo . Vitória: Arquivo...
-
1. Nova Trento. — 2. Núcleo Timbuí na colônia de Santa Leopoldina. — 3. Núcleo Santa Cruz (Ibiraçu). — 4. Epidemia de febre amarela. — 5....
-
(para visualizar o sumário completo do texto clique aqui ) Capítulo II – As colônias de alemães 1. O território [ 1 ] O povoame...
-
ou Narração dos mais espantosos e extraordinários milagres de Nossa Senhora da Penha, venerada na Província do Espírito Santo, e em to...
-
Situado entre a Bahia (ao norte), o Estado do Rio (ao sul), Minas Gerais (a oeste) e o Atlântico (a leste), possui o Espírito Santo variado...
-
Vitória, 1860. Foto de Jean Victor Frond. Autor: Inácio Acióli de Vasconcelos Edição de Texto, Estudo e Notas: Fernando Achiamé...
-
Nota ao título [ 1 ] Seguiu-se aqui, com pequenas variações, a versão do Jardim poético , conforme transcrita no Panorama das letras capi...
-
Vasco Fernandes Coutinho (pai) veio como fidalgo da Corte Portuguesa. Era ele um herói lusitano, senhor dos mares e bravo soldado do Rei na...