J.L.L., professora universitária
40, professora universitária. Carioca, há 10 anos no Espírito Santo, mora em Itaparica, Vila Velha, mas trabalha no campus da UFES onde passa todo o dia. (30.08.2004)
– Passo a maior parte do meu dia em Vitória, por exigência do meu trabalho. Vitória é uma cidade muito bonita, o recorte dela com o mar, os canais e os granitos, dão a Vitória um ar muito peculiar, muito interessante, fora a natureza, resquícios da Mata Atlântica, o verde da cidade, as praças, isso tudo dá uma característica muito bonita a Vitória. Ela é bem cuidada, uma cidade limpa, pelo menos nos bairros onde frequento mais, Jardim da Penha, Praia do Canto, o Centro, Cidade Alta. De uma maneira geral percebe-se que é uma cidade que tem uma atenção diferenciada da sua população sobre sua própria cidade, existe um tratamento afetivo em relação à cidade de Vitória, que parte do próprio cidadão de Vitória. Ele gosta sim, até sem saber que gosta, pelo tipo de atenção que ele dá à cidade. Valorizar é outra coisa. Tem um gostar implícito aí pela cidade.
– Não vejo muito turista por aqui. Vejo mais fora da cidade, Vila Velha, Guarapari. Aqui é mais um turismo de negócios. Se o cara passa o dia trabalhando, em congresso, não está interessado em lazer e sim num bom restaurante e um bom descanso pra continuar sua tarefa no dia seguinte. Restaurantes razoáveis em Vitória, há procura de peixe, uma boa casa italiana, pois a comida italiana já caiu no gosto popular, pois Vitória tem fama de suas massas… Tirando o Vital, que a cidade se mobiliza todos os anos e tem orgulho e virou atração turística, verdadeiramente popular no sentido de tradição, não vejo nenhuma festa popular em Vitória.
– A população é bem mestiça, uma população colorida… Existe uma tendência a você tentar embranquecer a população, uma tendência intelectual, o senso comum gosta de falar isso, “nós, os italianos”, “nós, os alemães”, como se esse “nós” fosse verdadeiramente um coletivo, e não é… O senso comum é eliminar a questão do negro em Vitória, ou colocá-lo em guetos, em bairros… O capixaba não é racista, não mais que o resto do Brasil.
– Eu tenho carro, e me locomovo muito bem por aqui. Tirando o problema de estacionamento na Cidade Alta e alguns pontos na Praia do Canto, no mais não tenho problema com o trânsito de Vitória. Dirigir em Vitória é tranquilo, comparado com outros centros. A cidade é sinalizada, facilita muito a vida do motorista, acostamentos, faixas, sinais de trânsito, tudo isso não apenas embeleza mas facilita e dá conforto a quem mora em Vitória.
– Acho difícil um tipo de consciência cidadã aqui no capixaba, é difícil perceber isso, no movimento estudantil, nos movimentos classistas, você vê um pouquinho no movimento negro, mas não sei também porque hoje em dia o movimento negro recebeu outras conotações em termos mundiais, mas de uma maneira geral os grupos que deveriam se reunir pra interferir na vida ativa da cidade você não vê muito isso não; os próprios partidos políticos organizados no município também não se diferenciam entre si não, em propostas…
– Eu acho a imprensa aqui muito ruim. Os jornais são caros, pra qualidade que eles apresentam: erros de português, feios, desagradáveis, ruins de ler. A televisão é interessante, alguns programas locais muito interessantes. Engraçado que a maioria é ligada à moda, à vida social da cidade, ou ligados à música, dirigidos aos adolescentes, mas são inovadores, são diferentes.
– O capixaba é muito fechado, a sociedade local é muito difícil de te receber, de te convidar pras coisas, ela é pouco gentil, é pouco afetiva, costumo dizer que me lembra muito a sociedade de Lisboa, muito fechada, sobretudo a falta de gentileza e a falta de situações de coletividade me surpreenderam desde quando cheguei aqui e me surpreendem ainda hoje. Eu acho que talvez, é difícil especificar, mas a história sociocultural da cidade aponta pra um provincianismo muito grande, até relacionado com a situação insular da cidade, ou falta de levas de imigrantes na cidade, os imigrantes não são de Vitória, eles estão chegando agora, via netos, vindos das colônias do interior do estado e também o fato de haver somente uma universidade na Grande Vitória não permite a formação de intelectuais que possam estar dialogando, falta uma produção intelectual do capixaba sobre si mesmo. Até a coisa da produção local da mídia, na televisão, que é muito recente, mostra que está mudando esse olhar no espelho do capixaba.
– O capixaba não conhece sua história, tem dificuldade com isso. Em termos de Brasil isso acontece também, há um pressentido muito grande, é comum nas sociedades contemporâneas. Mas, além disso, aonde é que ele vai buscar essas informações? Não há produções da informação…
– Sim, tem gente que saiu daqui e nega sua origem. Recebemos há pouco na universidade um professor da UFRJ, nascido em Baixo Guandu, e que descobrimos muito tempo depois, sabe, ele chegou falando mal da cidade, falando mal de tudo, reclamando, reclamando, e nós então descobrimos que ele era de Baixo Guandu. Ele próprio não falou sua origem. Essa rejeição de sua origem acho que se deva à sua baixa autoestima, a uma pequena produção de construção de uma identidade, ao próprio ensino da História, ao currículo da História, à produção do material didático, você ver a cidade também ajuda a construção de sua autoestima… Tenho um amigo que disse que um dia vai escrever a história dos capixabas, não dos que foram, mas dos que foram e não voltaram, que fazem sucesso, não voltam, não têm nem uma casinha… Caetano tem uma casinha em Salvador, Djavan tem uma casinha em Maceió, Elba Ramalho tá sempre em Campina Grande. E o capixaba? Que é tão perto dos grandes centros? Por que ele não volta? Porque tem vergonha inclusive de falar que ele é capixaba… Quase que inexplicável isso, mas tem uma razão sim que tem que ser estudada, ser investigada.
– Se você me pergunta o que é a cara de Vitória, eu respondo: a cara de Vitória é Vila Velha. O Convento, o Penedo, o morro do Moreno, o museu ferroviário da Vale, mas tirando isso, a brincadeira, eu acho que a cara de Vitória é o capixaba. Porque ainda que fechado, pouco gentil e até mesmo antipático em muitas situações, isso, sem que o capixaba perceba, constrói o estilo capixaba de ser… Uma certa afetação, um certo deboche, uma falta de vontade de se abrir pro exterior, a espera eterna de ser reconhecido sem necessariamente querer fazer pelo que ser reconhecido. Acho que isso dá um certo ar blasé ao capixaba.
– Pra Vitória eu diria: apareça e cresça, porque Vitória tá crescendo sem aparecer. Como acontece com outros lugares, Fortaleza, Natal, investiram muito em turismo, em suas belezas naturais, mas não apareceram, pois as populações de rua continuaram crescendo… A violência cresceu, a segurança piorou, os problemas sociais cresceram, não se investe nos problemas sociais, se espera que o lucro da cidade venha através do turismo de negócios, como se chama aqui em Vitória, a CST, Vale, investem muito nos executivos, mas a cidade mesmo não aparece pois não se investe em sua produção intelectual e artística, produção esportiva também, a gente tá sempre vendo atletas capixabas brilhando no cenário nacional, e não há investimento. Não é só investimento financeiro. É o investimento da estima, a imprensa estar divulgando o que se faz… Falta um pouco de planejamento, você vê prédios sendo construídos com 30 andares, sufocando a cidade, aterros, mas eu digo mais em relação à autoestima, ao pertencimento, não basta a cidade ser bonita, você tem que sentir que pertence a ela. Você pode ser estrangeiro em Roma, mas você não se sente tão estrangeiro em Roma como pode se sentir em Vitória. Não vejo referenciais em Vitória pra que você se sinta pertencente à cidade, um entorno, pra se criar um afeto, se tornar sensível àquele entorno… As pessoas têm se distanciado de regiões de onde possam ter afetividade, mudam pra bairros sem história, tá o tempo todo criando novas memórias, teoricamente falsas, pois não se baseiam na história de Vitória, sem identidades, um pouco perigosas, pois deixam de criar vínculos verdadeiramente sentimentais, portanto verdadeiros…
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