A deusa de Ponto Belo
Chegando a Ponto Belo. Foto Gilson Soares, 2014. |
As deusas, os deuses, aterrissam de algum além, quando lhes apraz. Entendo que seja assim.
E entendo assim, porque é assim que tem acontecido comigo: os poucos contatos presenciais que tive com deuses (ou deusas!) foram inesperados e rápidos.
E não penso que isso se dê, assim, somente comigo.
Você, por exemplo, leitor – que está agora aqui – você se lembra, por acaso, de já ter ouvido relatos pessoais de convivência de humanos com deuses (ou deusas!)?
Ou você mesmo já teve, ao menos, a oportunidade de olhar nos olhos de um desses seres eternos?
Os deuses (as deusas!), posso lhe assegurar leitor, são passadiços.
Brindam o efêmero com uma surpreendente e fugaz epifania, depois retornam, rápido, para a sua eternidade.
Foi assim que fez, comigo, a deusa de Ponto Belo.
Quando ela veio ao meu encontro, ali no pátio deserto daquela escola que eu acabara de invadir, o seu olhar poderia ser apenas inquiridor. Pois nada mais exigia aquela demanda de trabalho que se lhe apresentava: perguntar – talvez só com o olhar mesmo – pro cara da bicicleta, no que ela poderia ajudar para desanuviar-me o cenho.
Mas não: ela achou de deixar que se agregasse a seu espontâneo e amistoso olhar interrogativo, uma nesga do esplendor que vadiava, àquela hora, pelo céu da sua cidade – supostamente – abandonada.
Além disso, eu pude ouvir no compasso do seu passo – quando ela veio, quando ela voltou – uma melodia muito rara: do auditório de fêmeas até o pátio vazio, os seus pés descalços – eu ouvi! – percutiram pela vereda de uma brisa breve que soprou do nada, uma singela sinfonia... inacabada.
Pude comprovar, então, ali, que os deuses (as deusas!) quando precisam se locomover, voam.
Ou quase voam, na leveza da sua divindade.
Assim ela veio, assim ela se foi.
Eu, ao retornar, depois, da fuga vespertina que empreendi pelas estradas de Cervantes, saí vadiando – cenho desassombrado – por Ponto Belo, no rastro volátil daquela deusa parda que passara – pássara! – por mim.
O que constatei, então, é que a cidade diminuta – a seu mando, por certo – me recebia agora sussurrante, gentil, amistosa.
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Gilson Soares é poeta e nasceu em Ecoporanga, no extremo noroeste do Estado do Espírito Santo, em 10 de fevereiro de 1955. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)
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