Capítulo IV
A crise italiana. Necessidade de emigrar. Quadro estatístico da entrada de estrangeiros.
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A crise italiana
O governo italiano, antes de concluir sua ambicionada unificação política, não tomara conhecimento do problema demográfico que se avolumava em muitas de suas províncias. A guerra é bandeira tecida de idealismo supersocial, principalmente quando nasce do sentimento de nacionalidade ferida. O orgulho patriótico esconde e supera dificuldades internas. A liberdade é tônico e analgésico suficiente para manter a coesão nacional sem discrepância.
Em 20 de setembro de 1870, depois de vinte anos de conspiração, alianças e guerras cruentas, Vittorio Emmanuel II, de Roma, proclama o Reino da Itália.
Realizava-se o sonho de um grande povo que perdera sua união e nacionalidade desde a queda do Império Romano.
Qual foi o preço da vitória? Campos devastados, aldeias e cidades desmanteladas, indústrias destruídas, furtos e saques perpetrados pelos inimigos desalojados, aniquilamento da fortuna pública. É a amarga ironia da liberdade readquirida: desemprego, fome e desabrigo. A salvação em perspectiva era uma só: expatriar-se para sobreviver e salvaguardar seus familiares, impossibilitados de abandonar os lares desfeitos. Eleger uma pátria adotiva entre as múltiplas que nasciam no Novo Mundo.
O Brasil engolfava-se na crise política do pós-guerra contra o Paraguai, agravada pela campanha da libertação dos escravos. Urgia o braço livre para não pôr em risco a agricultura, única fonte de renda nacional. A imigração tornou-se meta salvadora. Voltou-se o governo brasileiro para a nascente monarquia mediterrânea, como que a socorrê-la no drama de sua demografia exuberante. O Brasil surgia no firmamento das grandes aventuras onde morava a Esperança.
Uma legenda, romântica e heroica, veio reforçar, para muitos peninsulares, a opção pelo Brasil. Rocha Pombo disse: "Legenda é uma como decoração da verdade".
Giuseppe Caribaldi a simbolizou. Ele se insere honradamente nas páginas brilhantes da afirmação política dos nossos irmãos gaúchos, nas guerras dos Farrapos. Combateu san peur et sans reproche. Foi farrapo. Nasceu para a liberdade, combateu pela liberdade. Não venceu a guerra, não importa, ganhou seu grande amor, a lagunense Anita Bento Ribeiro da Silva, que a posteridade chama simplesmente de Anita Garibaldi. Ela se fez soldado, ordenança e estímulo pela sua coragem, denodo e bondade. Quando Garibaldi retornou à sua pátria, não levou só o ponche e o blusão de guerrilheiro gaúcho. Anita foi o seu arrimo. Com ela e seus mille, se associou à arrancada dos Savoias para erigir o Reino de Itália. Assim, a catarinense de Laguna tornou-se heroína de um povo que sabe amar. O nome do Brasil sorriu na alma italiana. De modo que, quando o tratado de imigração entre os dois governos foi homologado, o clima brasileiro já aquecia esperanças na Itália.
Além do mais, circunstâncias transcendentes favoreciam o evento auspicioso: mesma religião, mesmo regime político, língua afim, raça comum.
Dona Teresa Cristina, imperatriz e mãe espiritual dos brasileiros, era princesa italiana, nascida em Nápoles.
O estatuto que regulamentou a entrada dos colonos italianos no Brasil pouco se diferenciava daquele dos demais estrangeiros. O Império oferecia terras, passagem e ajuda em dinheiro, desde o embarque até sua localização, sob forma de diárias, com a obrigação de trabalharem na abertura de estradas e nos patrimônios dos núcleos coloniais. Essa ajuda terminava com a primeira colheita de cereais. Nenhuma outra obrigação específica foi pactuada. As famílias se entregavam à própria sorte. Não se lhes resguardaram o direito à assistência médica e farmacêutica, instrução, orientação agrícola, meios de se equiparem: moinhos de fubá, descascadores de café, animais domésticos etc.
O tratado imigratório, analisado à luz dos direitos humanos, hoje consagrados, é um monstruoso atentado às mínimas condições de vida. Trocou-se homem por terra! Não lhes foi resguardada ao menos a igualdade às máquinas operatrizes. A estas os fabricantes recomendam manutenção específica e os adquirentes cumprem com desvelo os preceitos indicados.
O homem, além da terra, não teve outra prerrogativa senão trabalhá-la e pagar tributos. Saiu do Egito e caiu no deserto. Resignou-se somente à proteção de Deus.
Porém a necessidade gera a força, cria o engenho, supera o sacrifício, estimula a inteligência, e a terra, generosa e fértil, centuplica a boa semente.
E fartura brotou... O milagre aconteceu. O Brasil colonizou-se. A Itália expandiu sua economia interna. A tensão demográfica abrandou-se. A receita ouro crescia à medida das safras dos emigrados, porque eles não esqueciam a pátria distante. E a generosidade de seus corações acudia os mais aflitos, as noivas esperançadas, as esposas fiéis, a caridade das paróquias, a necessidade dos hospitais, do seu villaggio querido. Os imigrantes não esquecem seus hábitos e o comércio de comestíveis nasceu: o vinho, o salame, a mortadela, o parmesão, a oliva, as frutas secas tornaram-se comuns nas prateleiras das mercearias. E a Itália construiu marinha mercante, fundou bancos, empórios exportadores e milhares de novas profissões absorveram milhões de funcionários.
A imigração transformou-se em "riacho de ouro" como dizia Gino Luzzatti, ministro das Finanças.[ 10 ]
As terras devolutas pertenciam ao Império e eram administradas pela Inspetoria Geral de Terras e Colonização, a cuja jurisdição se subordinavam os núcleos coloniais. Proclamada a República, passaram as terras e os núcleos ao domínio dos Estados.
Nem sempre os imigrantes vinham com destino determinado a tal colônia. Dependia muito da demarcação das áreas a serem colonizadas. O atraso dessa providência preliminar trouxe prejuízos incalculáveis, porque não permitiu melhor planejamento e seleção dos lotes a serem alienados. A demanda, por parte das levas migratórias, era superior à demarcação dos loteamentos. O Brasil precisava de colonos para a agricultura, mão-de-obra para construir suas estradas de ferro e obras públicas. A entrada de estrangeiros, como se constata pelas estatísticas, era crescente e precipitada depois de 1870.
Não se planejou convenientemente a localização dos imigrantes, os abastecimentos, as comunicações e assistência, primária embora, de modo a facilitar o contato do homem com a terra e a região. Foram anos de sofrimento e angústia os primeiros quinquênios de cada leva. Cada família passou por provações verdadeiramente pungentes.
Nossa finalidade é historiar a imigração italiana no Espírito Santo. Mas o fenômeno imigratório espírito-santense, como nos demais Estados, é todo entrelaçamento de várias raças. Torna-se indispensável, por coerência cronológica, enumerar os acontecimentos correlatos para melhor conhecimento de conjunto. Assim, vamos recapitular sumariamente.
Foi o presidente Luís Pedreira do Couto Ferraz quem mandou demarcar a área das serranias que se alteiam com as margens dos dois braços do Jucu, convulsionado e pedregoso. Nessas terras, em 1847, a vinte e poucos quilômetros a oeste de Viana, fundou-se a colônia de Santa Isabel, com 163 indivíduos, oriundos da Prússia Renana.
Porto de Cachoeiro de Santa Leopoldina. Pátio de tropas e embarque de café. Fotógrafo não identificado. |
Porto de Cachoeiro de Santa Leopoldina. Pátio de tropa e embarque de café. Fotógrafo não identificado.
As duas colônias se tocavam pelos divisores das duas vertentes. Vieram contingentes sucessivos de alemães, suíços, holandeses, alguns belgas e de Luxemburgo.
Na época imperial foram razoavelmente assistidos, principalmente Santa Isabel.
Da visita de D. Pedro II a essas colônias resultou o incremento à imigração para a província.
Este pequeno quadro elucida o crescimento da produção de café:
Em 1845 ............. 8.000 sacas
Em 1852 ........... 23.750 sacas
Em 1862 ........... 56.000 sacas
O número de colonos também é significativo: nesta data Santa Isabel com 600 famílias e Santa Leopoldina com 1.020.[ 11 ] A Colônia de Rio Novo, em 1877, é uma verdadeira associação de raças e abriga:
832 | italianos | |
688 | austríacos | |
122 | portugueses | |
76 | alemães | |
73 | suíços | |
31 | franceses | |
27 | belgas | |
13 | holandeses | |
8 | chins | |
Total: | 1.870 | indivíduos |
ESTRANGEIROS ENTRADOS NO BRASIL
ANO | ITALIANOS | ALEMÃES | AUSTRÍACOS | ESPANHÓIS | PORTUGUESES |
1880
|
46.934
|
35.644
|
3.245
|
2.736
|
176.104
|
1881
|
2.705
|
1.850
|
83
|
2.667
|
3.144
|
1882
|
10.562
|
2.538
|
57
|
3.738
|
10.621
|
1883
|
12.569
|
1.690
|
249
|
2.343
|
11.286
|
1884
|
7.933
|
1.240
|
598
|
576
|
8.683
|
1885
|
17.589
|
2.846
|
466
|
815
|
7.611
|
1886
|
14.336
|
2.414
|
644
|
139
|
6.287
|
1887
|
40.157
|
1.147
|
274
|
1766
|
10.205
|
1888
|
104.353
|
782
|
1.156
|
4.736
|
18.289
|
1889
|
36.124
|
1.903
|
550
|
9.012
|
11.240
|
1890
|
31.275
|
4.812
|
2.246
|
12.068
|
35.174
|
1891
|
132.324
|
1.585
|
4.244
|
22.146
|
32.349
|
1892
|
56.049
|
2.800
|
574
|
10.471
|
17.797
|
1893
|
58.552
|
1.368
|
2.737
|
38.998
|
28.986
|
1894
|
34.872
|
740
|
798
|
52.586
|
17.041
|
1895
|
47.344
|
973
|
10.108
|
16.641
|
36.055
|
1896
|
94.277
|
666
|
7.393
|
31.282
|
8.868
|
1897
|
74.560
|
607
|
3.864
|
15.828
|
4.388
|
1898
|
28.794
|
566
|
928
|
6.589
|
3.613
|
1899
|
22.557
|
252
|
1.826
|
5.811
|
4.944
|
1900
|
17.167
|
88
|
1.806
|
3.230
|
2.084
|
1901
|
56.779
|
816
|
660
|
7.493
|
5.637
|
1902
|
29.463
|
992
|
609
|
2.074
|
5.085
|
1903
|
9.886
|
903
|
367
|
2.049
|
3.761
|
1904
|
4.161
|
563
|
213
|
4.780
|
2.060
|
1905
|
3.468
|
192
|
138
|
3.115
|
14.120
|
984.690
|
66.977
|
45.033
|
253.689
|
475.432
|
Em 25 anos a entrada de estrangeiros no Brasil foi de 1.825.621, dos quais 54% de italianos, o dobro dos portugueses.
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NOTAS
[ 10 ] Apud Constantino Ianni, Homens sem paz, p. 19.
[ 11 ] Ernst Wagemann, Colonização Alemã no Espírito Santo.
[In DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]
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© 2001 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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[In DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]
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© 2001 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)
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