Capítulo VIII
Incidentes curiosos, desencontros familiares e uma greve providencial Caxias do Sul.
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Os primeiros embarques de imigrantes, dois pelo menos, se fizeram pelo porto do Havre, na França. Não havia coincidência de horário entre a chegada dos trens e a saída dos vapores. A longa espera no cais do porto, a vigilância da bagagem, a alimentação das crianças, enfim, o cansaço ao relento, era o começo angustiante da viagem longa para o desconhecido destino.
Alguns navios vinham diretamente ao Rio de Janeiro e atracavam na ilha das Flores, Hospedaria da Imigração, onde se encontravam outros imigrantes, de várias nacionalidades, com destinos diversos. Quando acontecia grassarem epidemias de febre amarela ou cólera-morbo, os imigrantes eram reembarcados em trens da Central do Brasil, em vagões de carga e pranchas abertas, recebendo fumaça e fagulhas, sem água e sanitários, por muitas horas. A quarentena os aguardava em Barra do Piraí, completamente desprevenida para abrigar grandes contingentes humanos.
Muitos contraíram a peste, alguns faleceram, deixando as famílias no mais absoluto desamparo. Barra do Piraí, nessas emergências, se transformava em verdadeira Babel.
Na hora da liberação, outra trapalhada infernal. Bagagem trocada, familiares dispersos, grupos embarcados em navios de rumos diferentes. Um horror.
Quando, em 1945, eu construía, em Cresciúma, o ramal ferroviário para exploração das minas de Siderópolis, me ocorreu fato curioso. Todo o território dos municípios catarinenses, da bacia carbonífera, é composto de antigas colônias italianas. Conheci muitas famílias de sobrenomes comuns aos das colônias do Espírito Santo: Gasparini, Gaspareto, Borgo, Bonino, Silvestri etc. São sobrenomes muito comuns na Itália. Um deles, porém, me aguçou a curiosidade. Era o de ancião bem entrado no tempo, próspero, sadio e taciturno. Arrisquei:
— O senhor tem parentes no Espírito Santo, alguém chamado Angelo Cochetto?
Ele me olhou distante, e com emoção me perguntou:
— É homem de idade?
— Sim, deve regular a sua, respondi-lhe.
— É meu irmão, nos perdemos em Barra do Piraí, quando viemos da Itália!
Eu conhecia, de nome, a família em Santa Teresa, e os fiz se comunicarem.
Uma greve providencial Caxias do Sul
Como vimos, a política imigratória no Brasil se processou a la diable. Não se fez um planejamento, de modo a oferecer ao colono condições imediatas de vida. O objetivo era povoar determinadas províncias, antecipar-se à libertação dos escravos e prover a lavoura. Os núcleos coloniais, destinados aos imigrantes, não estavam aparelhados ainda para serem habitados quando o Departamento de Povoamento do Solo e Colonização começou a receber as numerosas famílias europeias. Estas eram recrutadas nem sempre por agentes escrupulosos, os quais, na maioria, desconheciam as condições peculiares das províncias e núcleos que ofereciam. Muitas levas de famílias, ao chegarem ao porto do Rio de Janeiro, eram desviadas do destino que lhes haviam prometido. Não tinham como reclamar e se conformavam com as determinações das autoridades. Essas irregularidades ocasionaram a separação de muitas famílias para sempre. Foi assim que, em janeiro de 1877, cerca de 1.600 colonos, tiroleses, lombardos e trentinos, encaminhados para Santa Teresa, colônia de Timbuí, mas que vieram da Itália recrutados para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, não se conformaram com as condições locais e se amotinaram. Protestaram. Amotinaram-se e exigiram seus direitos. Intimidou-se o vice-presidente da província, coronel Manoel Ferreira Paiva, que recorreu temeroso ao governo central. Secundaram os desejos dos descontentes os representantes diplomáticos da Áustria e da Itália. Fez o ministro Tomás Coelho, inteirado do acontecimento, seguir o engenheiro José Cupertino Coelho Cintra, inspetor-geral de Terras e Colonização, com dois transportes de guerra, o Madeira e o Purus, com cem praças do Batalhão Naval, postos à sua disposição.
Não houve violências. Constatou-se a justiça do descontentamento e os pseudo-amotinados foram embarcados e remetidos para o Rio Grande do Sul, localizados em Campo dos Bugres, hoje a rica e poderosa cidade de Caxias, orgulho da colonização italiana.[ 19 ]
O engenheiro Coelho Cintra, um dos grandes técnicos que perlustrou a engenharia nacional desde o último quarto do século passado até a primeira década deste, construtor e idealizador do primeiro túnel de Copacabana, prestou relevantes serviços ao estabelecimento da colonização no Espírito Santo. Conduziu os grevistas.
Pode-se calcular o prejuízo que representou o desfalque de 1.600 colonos na economia incipiente do Espírito Santo. E que colonos! Foram os únicos que souberam defender seus direitos.
A colônia de Campo dos Bugres prosperou logo, sob a direção do engenheiro Cintra que, sendo amigo pessoal do grande soldado pacificador, deu à colônia o nome de Caxias, quando o duque foi chefe de Gabinete.
Trocaram, estes resolutos aventureiros, o território de Santa Teresa, onde quiseram localizá-los, pelas serras ensombradas de pinheiros, uma das mais belas zonas gaúchas.
O pequeno levante, encabeçado por Giugni Fernando, em Santa Teresa, em 1877, com mais uma dúzia de companheiros, não teve a mesma ventura. Foram confinados em Nova Lombardia.
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NOTAS
[ 19 ] Alarico J. Coelho Cintra, Bisbilhotando no Passado, p. 94; Carvalho Daemon, Província do Espírito Santo, p. 440.
[In DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]
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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)
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