Capítulo XVIII
O construtor de estradas: Serafim Derenzi.
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Serafim Derenzi, imigrante avesso à agricultura, porém amigo de pomares, hortas e flores, nasceu em 2 de fevereiro de 1863, em Pesaro, velha cidade na costa do Adriático, província de Le Marche, a leste da Umbria, na Itália centro-norte. Órfão de mãe aos dois e de pai aos cinco anos, foi criado por um tio padre, domiciliado em Roma. Na capital da cristandade se fez homem, ali permanecendo até a idade de servir ao exército, onde completou sua modesta instrução primária. Era bom de contas e tinha raciocínio rápido.
Sempre bem humorado. Quando deu baixa, depois de dois anos, não encontrou mais seus irmãos. Ele era o caçula, depois de Antônio, Eugênio e Annunziata. Soube pelo tio padre que todos haviam emigrado para a América. Engajou-se como ferroviário. Trabalhando nos Abruzzos, empregou-se numa cerâmica e casou-se com a filha do patrão, em 1891: Amália Sgrignoli, Dona Marieta, nascida em 13 de outubro de 1875. Não se deu bem com o sogro. Emigrou, deixando esposa e dois filhos: Amadeu e Humberto. Desembarcou em Santos e se alistou como ferroviário da Santos-Jundiaí, companhia inglesa. Procurou pelos irmãos e não os achou.
Foi logo promovido de operário a feitor de turma. Cumpriu a promessa à esposa. Foi buscá-la em 1896 e voltou, trazendo uma cunhada, Giovannina. Com passagens de terceira classe embarcaram no navio Las Palmas, viajando durante 28 dias para Santos.
Trabalhou meses na Estrada de Ferro Mogiana. Formou boa turma de patrícios e ei-lo a bordo do Maranhão, do Lóide, viajando para o Espírito Santo. Foi trabalhar na ligação Cachoeiro de Itapemirim-Campos, da Companhia Leopoldina. Ao se iniciar a construção da Estrada de Ferro Vitória a Diamantina, foi o número um. Começou sua caminhada pelo Espírito Santo, onde a família foi crescendo. Nessa empresa mourejou até 1908, tendo acampado em Cariacica, Boapaba, Alfredo Maia, Fundão, Pau Gigante, Piraquê, Baunilha, Laje (hoje Itarana), Porto de Souza etc., até próximo a Figueira do Rio Doce, a próspera Governador Valadares, quando foi dispensado por causa da greve motivada pelo atraso de dez meses no pagamento. Iniciava-se então, em 1908, a ligação Matilde-Cachoeiro de Itapemirim. Lá se foi seu Derenzi com sua turma e uma dúzia de carroças puxadas a burro, já como empreiteiro, em Matilde, batendo uns recordes de produção: Engano e Guiomar. Teve a honra de ser convidado para o trem inaugural, em cujo vagão especial vinha o presidente Nilo Peçanha. Eu viajei com meu pai nesse grande dia ferroviário para o Espírito Santo. Conheci, na minha ignorância de então, dois grandes brasileiros: Jerônimo de Souza Monteiro e Nilo Peçanha, um dos grandes da Primeira República. Serafim Derenzi estava rico! Ganhara 90 contos de réis e tinha uma bela tropa, muitas carroças e grande quantidade de material de construção: forjas, pás, picaretas, aços e tudo mais necessário. O saudoso engenheiro Ceciliano Abel de Almeida, que fora chefe de Derenzi na Vitória Minas, confiou-lhe o desmonte do morro da Santa Casa e o aterro do Parque Moscoso. Era o único habilitado pelo material de transporte de que dispunha. Serafim Derenzi adquiriu casa própria e abrigou a família em boa propriedade, à avenida José Carlos de Carvalho, hoje Marcos de Azevedo, esquina de 23 de Maio, bairro elegante que surgia no Parque Moscoso.
É o começo da prestação de serviços de Serafim Derenzi, quase exclusivamente, ao governo do Estado.
Vou enumerar as principais obras, sem encarecer as dificuldades sofridas pelas crises sucessivas por que passou o erário estadual para solver seus compromissos, em ordem cronológica, tanto quanto possível: Vila Militar, atualmente ruas Bernardino Monteiro e Marcondes de Souza; rodovias Santa Leopoldina-Santa Teresa, Itarana, Itaguaçu, Palmeira, Santa Teresa, São João Petrópolis, Santo Antônio do Mutum, no município de Colatina, inclusive as pontes em concreto armado de Santa Leopoldina e Funil.
O atual bairro de Jucutuquara era um pantanal. Serafim Derenzi fez o aterro de toda a área, canalizou o rio, e construiu as estradas, hoje ruas, para Fradinhos, Maruípe, Ponte da Passagem. Introduziu a pavimentação em concreto da avenida Vitória que resistiu, não obstante o tráfego de carroças, sem a mínima conserva, de 1929 a 1970.
O prefeito Américo Monjardim confiou-lhe a construção da estrada de contorno, de Santo Antônio a Maruípe, que recebeu seu nome, homenagem da Câmara Municipal. Estrada Serafim Derenzi, legislatura de 1957-58, proposta do vereador Athayde.
E foi assim, com pouca verba e muito atraso de pagamento, mas com entusiasmo, boa vontade e espírito público, que Serafim Derenzi, além das obras urbanas em Vitória, construiu, no tempo da carrocinha de burro e do uso da picareta e pá, cerca de 40 quilômetros de estrada de ferro e mais ou menos 300 de estradas de rodagem. Gozou da estima de todos os presidentes do Estado, de Jerônimo Monteiro ao interventor Bley. Querido pela mocidade que frequentava o Clube Vitória, do qual foi fundador e proprietário da primeira sede, tendo construído o prédio especialmente para esse fim. Com sua mulher, criou e educou numerosos filhos, todos diplomados.
Quando do seu doloroso passamento, aos 78 anos, ocorrido em 2 de dezembro de 1941, seu enterro foi feito a pé, levado pelos antigos e humildes operários, apesar da garoa. Foi um nobre imigrante esse capixaba de coração. Em seu espólio os filhos encontraram cerca de 600.000 cruzeiros em moeda de hoje, em promissórias de aceitantes diversos e por ele avalizadas, que jamais foram saldadas pelos devedores.
[In DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]
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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)
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