Jones: Alguns registros para a história
Christiano Dias Lopes Filho
[…] Quem quer que se detenha no estudo da problemática do desenvolvimento do Estado, seja como administrador, analista, pesquisador, estudioso diletante ou planejador, invariavelmente encontra, nas alamedas do passado, levantando e equacionando problemas ainda hoje atuais, dois estadistas capixabas, que se ombreiam aos melhores de que se orgulha o país: Jerônimo Monteiro e Jones dos Santos Neves. O primeiro, sem dúvida, admirável como homem que se antecipou, em várias décadas, na formulação de soluções para determinados problemas (urbanismo, industrialização, etc.), que ainda hoje ocupam lugar prioritário no tabuleiro das preocupações governamentais. O segundo, inexcedível na visão universal dos problemas e na extraordinária capacidade de programar o desenvolvimento de forma global. Sob um aspecto os dois se identificam; foram homens públicos superiores à sua época, razão por que nem sempre conseguiram a compreensão dos seus contemporâneos.
Quando, neste país, planejamento e programação na administração eram tidos como bonitas construções teóricas e utópicas, Jones propôs e executou, de 1943 a 1945, como interventor, no Estado, o plano de obras e equipamentos. E como governador eleito, seis anos depois, abriu amplas perspectivas ao nosso progresso com o plano de valorização econômica do Espírito Santo. E esse plano, executado em sua quase totalidade, continha projetos que, ainda hoje, constituiriam excelente programa de governo: ampliação e aparelhamento do porto de Vitória, energia elétrica, asfaltamento de rodovias, fomento da produção agrícola, construção naval, habitação, ensino universitário, etc. Para se perceber a extensão aproximada da extraordinária visão administrativa de Jones, basta lembrar que, quando ainda não existia o BNH, o Espírito Santo já possuía o IBES; quando no Brasil ainda não existia Eletrobras, o Espírito Santo já possuía um plano de eletrificação e a usina de Rio Bonito representava a arrancada épica para a nossa liberação dos famigerados motores da Companhia Central Brasileira de Força Elétrica; ainda não se falava em corredores de exportação e Jones já justificava, em 1951, seu arrojado projeto de ampliação e aparelhamento do porto de Vitória com estas observações de tanta atualidade: “O crescente desenvolvimento econômico do Estado, o caudal de minério que busca o Atlântico, as vias de comunicação que se abrem, a expansão siderúrgica do Vale do Rio Doce e a interligação ferroviária direta de Vitória a Belo Horizonte, em fase de conclusão, apontam-nos o imperativo de cuidarmos seriamente do reaparelhamento portuário da Capital e adaptá-lo às necessidades do porvir.”
[…] O temperamento de Jones suscitava controvertido julgamento de sua personalidade. À primeira vista, parecia orgulhoso. A convivência, porém, mostrava ser ele atencioso, cortês, prestativo, leal na amizade e, sobretudo, um homem que se comovia com os dramas alheios. E, na intimidade, era jovial, hospitaleiro, um excelente “papo”, porque atualizado sempre, desde os assuntos de futebol (era botafoguense entusiasta) até à literatura, aos intrincados problemas econômicos do Estado e do país ou às grandes questões de política internacional. O que, porém, o caracterizava de maneira singular era a marca de respeito e autoridade que sua personalidade ostentava.
Estas observações me ocorrem juntamente com a lembrança de dois episódios de seu governo: as audiências públicas e a passagem do cargo ao sucessor.
Semanalmente, Jones recebia em audiência pública dezenas de pessoas do povo, às vezes mais de uma centena. Em pé, diante da extensa fila, que se formava, ele ouvia, um a um, e, na mesma hora, recomendava, às assistentes sociais, ao oficial de gabinete ou ao assistente militar, a solução de cada caso. Não procedia assim por exibição demagógica. Não permitia que a imprensa divulgasse esse seu compromisso de todas as quartas-feiras. Sem alarde, o governador ouvia o drama de cada um. E se comovia com o problema do garoto que não tinha dinheiro para comprar material escolar, ou com a velhinha que não tinha para onde ir, ou com a mulher largada pelo marido e que exibia os filhos andrajosos e esquálidos.
O episódio da transmissão do cargo a seu sucessor revela outro Jones: altivo, corajoso, irradiando autoridade.
Seus familiares, os amigos mais íntimos e os auxiliares mais próximos, todos nós, estávamos preocupados com a possibilidade de ser ele desfeiteado no dia da posse do Sr. Francisco Lacerda de Aguiar.
O clima emocional, em que se processou a campanha eleitoral, desdobrar-se-ia na posse, como anúncio de que o povo iria lotar o Palácio para festejar o grande evento.
O grande tema da campanha tinha sido a falta d’água e de luz. E isto magoara profundamente Jones, porque toda gente sabia que o primeiro problema havia sido agravado por longa estiagem e que para dar-lhe solução definitiva o governo estava construindo a nova estação de tratamento d’água no Cobi, além de ter recuperado a barragem de Duas Bocas, que rompera. Quanto ao problema da luz, a usina de Rio Bonito, em adiantado estágio de construção, era o testemunho de que o governo lutava para se libertar dos motores da Central Brasileira.
Jones decidira fazer, no dia da transmissão do cargo, pronunciamento contendo um resumo de seu governo, em lugar de um discurso protocolar, como seria aconselhável. E todos sabiam que ele não deixaria de se referir ao tema da campanha eleitoral. E isto poderia servir de pretexto para a reação de grupos exaltados. Daí a preocupação de todos.
Quando Jones, em discurso um pouco longo para tal ambiente, referiu-se às 600 obras de seu governo, atribuindo aos seus auxiliares o mérito dos êxitos conquistados, e assumindo a responsabilidade dos possíveis erros ou desacertos, começaram a transparecer os primeiros sinais de reação no meio da massa. Fazendo-se de desentendido, Jones prosseguia dizendo que, sob o peso de tantos esforços nos quatro anos de governo, não pôde sequer defender-se das acusações que lhe atiraram. E quando se referiu aos ataques da campanha eleitoral, o mal estar aumentou, e um princípio de vaia se esboçou. Ele, porém, impassível, tirou os olhos do papel, fez leve pausa e fitou a multidão. Naqueles segundos, a aura de respeito que sua personalidade irradiava inundou o Salão Nobre do Palácio. Fez-se silêncio novamente. E com voz ainda mais forte, Jones prosseguiu: “A resposta silenciosa que demos a esses ataques foi a construção de Rio Bonito, a restauração completa de Duas Bocas e a construção da estação de tratamento d’água do Cobi, em fase final de acabamento.”
Curiosa a reação popular: em meio à pequena multidão que se aglomerara em frente do Palácio (lá dentro não cabia mais ninguém), vários aplausos saudaram Jones, quando ele desceu as escadarias e se aproximou para embarcar no automóvel, que o aguardava.
[…] Uma das marcantes características da personalidade de Jones, além das que já realçamos, era a de empolgar-se, quase aos extremos, por tudo quanto pudesse motivar sua insuperável capacidade criadora. Talvez, por isto, sempre tivesse revelado irresistível sedução pela pintura, a que se dedicou nos últimos anos.
Para um temperamento assim, pronto a alçar vôo nas asas da criatividade, a vida pública oferece inigualáveis oportunidades de motivação. Isto explica por que Jones gostava da vida pública, embora não sentisse atração alguma pelas atividades político-partidárias.
Certa vez, ao verificar que, na primeira turma da Escola de Engenharia, encontravam-se vários rapazes pobres, inclusive um sargento da Polícia Militar, os quais, provavelmente, jamais tivessem podido satisfazer sua vocação, não fosse a faculdade que ele criara e instalara, Jones revelou que uma das poucas seduções da vida pública era a oportunidade de poder influir, de maneira edificante, nos destinos humanos. E isto é, sem dúvida, uma das manifestações da ação criadora.
Não é, porém, apenas pela construção de condições capazes de influir nos destinos humanos que se realiza a ação criadora do homem público. Ela se revela também no sentido educativo dos exemplos, que prodigaliza aos mil olhos que o acompanham e o vigiam no exercício da vida pública. […]
Nesse sentido, a passagem de Jones pela vida deste Estado e do país foi exuberante em exemplos, que educam, que criam.
A total dedicação aos interesses do Espírito Santo e do Brasil, já no Palácio Anchieta ou no Senado da República; o apego ao trabalho, que o fazia esquecer as horas e virar noites em seu gabinete; o zelo quase fetichista pelas coisas do Estado; o acendrado escrúpulo no trato dos negócios públicos; a recusa enérgica a qualquer possibilidade de proveito pessoal, ou em benefício de familiares, em decorrência do exercício do Poder; o comportamento rigorosamente condicionado aos mais rígidos padrões morais, fosse em relação à família ou perante a sociedade, por maiores que fossem as seduções mundanas, tudo isto fez de Jones um homem sobre quem a História já hoje consigna: “ele educou pelo Exemplo e criou pela Educação”.
[Trechos extraídos de depoimentos publicados no jornal A Gazeta, edições de 21, 27 e 31 de dezembro de 1974.]
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Cristiano Dias Lopes Filho nasceu em Bom Jesus do Norte, ES, em 1927, e faleceu em 2007. Formado em Direito, foi Procurador do Estado e professor da Escola Técnica Federal. De 1951 a 1954 ocupou o cargo de oficial-de-gabinete do governador Jones dos Santos Neves. Em 1966 foi eleito governador do Espírito Santo pela Assembléia Legislativa em substituição a Francisco Lacerda de Aguiar, permanecendo no cargo até 1971.
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