Vitória e o Espírito Santo no final dos anos 20
Construção da Ponte Florentino Avidos (Cinco Pontes), Vitória, ES, 22/10/1927. Acervo Codesa. |
Em 1927, ano da fundação do Instituto da Ordem dos Advogados do Espírito Santo, vivia-se, no Estado, fase de grandes transformações.
A alta no preço do café conferia ao Espírito Santo condições econômicas favoráveis. Nada fazia, então, antever o grande craque de 1929 que surpreenderia e abalaria a estrutura capitalista do Mundo Ocidental levando-o a uma das mais traumáticas crises sócio-econômicas de que se tem notícia.
Ao contrário, no Espírito Santo, o presidente Florentino Avidos aproximava-se do fim do seu quatriênio de governo (1924-1928) com uma folha de realizações poucas vezes igualada na história da administração estadual, durante a Primeira República.
Guindado ao poder como solução harmonizadora entre correntes políticas antagônicas, polarizadas em torno dos irmãos Jerônimo Monteiro e Bernardino Monteiro, ambos também com trânsito pelo Governo Estadual (1908-1912 e 1916-1920, respectivamente), Avidos representou a solução técnica, dentro da tradição oligárquica local e que caracterizou a história republicana do Brasil nas primeiras décadas deste século.
Tendo anteriormente projetado seu nome à frente da empresa de Serviços de Melhoramentos de Vitória, foi com visão larga que administrou o Estado. Pode-se dizer que no seu quatriênio de governo o Espírito Santo ingressou definitivamente no Século XX. Este período revela-se, assim, fecundo em realizações tendo em Vitória o centro irradiador desta fase de atividades febris.
O historiador e engenheiro Luiz Derenzi, em sua obra Biografia de uma Ilha (Editora Pongetti, Rio de Janeiro, 1965), assinala o período sob o título "picaretas vigorosas". Numa época em que eram desconhecidas as máquinas de terraplenagem e as escavadeiras mecânicas, o trabalho realizava-se à base de enxadas, pás e picaretas. O entulho das obras e demolições e os materiais de construção eram transportados, principalmente, em carroças puxadas a burro, já que despontava com os sacolejantes caminhõezinhos o emprego de veículos automotores para transporte de cargas. Aliás, com Florentino Avidos se iria fomentar, de forma sistemática, a abertura de estradas para o interior do Estado e a pavimentação de ruas na Capital, gerando as condições infra-estruturais voltadas para o tráfego motorizado.
Deve-se, sobretudo, a Florentino Avidos a construção, sobre a baía de Vitória, da ponte que leva o seu nome, popularmente conhecida por "Cinco Pontes", que se completa com a que liga a ilha do Príncipe à Capital. A armação e assentamento de suas estruturas metálicas constituiu proeza arrojada de engenharia.
Na região norte, Avidos construiu, em Colatina, a ponte sobre o rio Doce, facilitando assim a melhor integração Norte-Sul do Estado, vencidos os obstáculos maiores da baía de Vitória e do rio Doce.
A Secretaria de Agricultura, Terras e Obras acionou, incessantemente, os Serviços de Melhoramentos de Vitória e os de Obras do Porto. A Prefeitura Municipal de Vitória, sob a orientação do prefeito Octávio Índio do Brasil Peixoto, completaria o sistema que, com aquela Secretaria, mais intensamente alavancou as realizações da administração Florentino Avidos.
Na Capital, proliferam obras e empreendimentos numa verdadeira revolução urbana. Ruas são abertas e retificadas, com calçamentos e drenagens. Constroem-se escadarias e jardins, redes de esgotos, bairros habitacionais, edifícios públicos.
Datam desta fase a construção do viaduto sobre a rua Caramuru, a escadaria Cleto Nunes e Maria Ortiz, o edifício do Arquivo Público e Biblioteca Estadual, na cidade alta, os mercados da Capixaba e da Vila Rubim (já demolido), o Grupo Escolar Gomes Cardim, o teatro Carlos Gomes com suas colunas de ferro fundido que serviram ao teatro Melpômene. Na esquina da atual Avenida Jerônimo Monteiro com a rua Barão de Itapemirim, antiga rua do Oriente, ergueu-se o prédio que inicialmente abrigou os Serviços de Melhoramentos de Vitória.
Melhorou-se o sistema de funcionamento dos bondes elétricos, em Vitória. Abriram-se as primeiras estradas dando acesso às praias de Camburi, Carapebus e Jacaraípe. Surgiram os núcleos residenciais de Jucutuquara e das Chácaras do Mulundu e Vintém, próximas à rua Graciano Neves. Modernizam-se as condições de atracação e armazenamento no porto de Vitória. No âmbito da municipalidade da capital, aprimora-se o Código de Posturas Municipais. A observação cabe a Luiz Derenzi: generalizou-se o emprego da macadamização de ruas e do calçamento a paralelepípedos e o do concreto armado na construção civil; chegou ao fim o uso das claraboias, substituídas pela abertura de vãos internos e laterais nas residências; valoriza-se o centro comercial de Vitória sob os efeitos das atividades na área portuária.
Apesar disso, em 1927, a Capital do Estado ressentia-se de uma série de carências que concorriam para torná-la uma cidade de tônus provinciano e pacato, com reduzido número de habitantes e sem escolas de nível superior — o que obrigava a mocidade da época a ir se especializar nos centros maiores nas profissões liberais, principalmente, no Rio de Janeiro. O próprio contacto com a Capital do País era demorado e difícil, fazendo-se, usualmente, por via marítima ou ferroviária, através da Estrada de Ferro Leopoldina. Quatro anos antes pousaram, na baía de Vitória (cenário habitual das disputadas regatas entre remadores dos clubes Álvares Cabral e Saldanha da Gama) os aviadores Valter Hinton e Pinto Martins, provocando aglomeração do povo para assistir ao inusitado espetáculo da amerrissagem do hidroavião de asas duplas. Numa época de ouro do Clube Vitória e dos Boêmios, ambos no Parque Moscoso, e de recitais de música e poesia apresentados para público seleto, quando o rádio mal ensaiava sua fase de predomínio no campo das comunicações, as notícias de fora chegavam via telégrafo ou pelos jornais e revistas distribuídos pela firma Copolilo e Filhos.
Neste ambiente, os cafés, os bares, as esquinas e praças convertiam-se em locais onde se divulgavam as novidades e de onde brotavam boatos e notícias. Dentre todos imperava a Praça Oito.
Deste clima eivado de provincialismo é espelho o jornal Diário da Manhã, (cujo número 466, sábado, dia 5 de março de 1927 — data da fundação do Instituto dos Advogados do Espírito Santo, cuja ata de constituição foi praticamente transcrita no número 467, do dia seguinte, 06 de março) — estampava em destaque: "Chegou a São Paulo o batalhão patriótico da Bahia". E ainda: "O Banco Comercial de São Paulo elevou o capital para 100 mil contos". Na seção de anúncios, figuravam os reclames dos Azulejos Brancos Alemães, do Cimento Excelsior, do Nutril Xavier, do Grande Hotel Central, do Ungüento Pazo, do Bromil, do Vinho Biogênico de Gffoni, da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, da Pharmácia e Drogaria Popular, do Elixir Bi-Iodado Granado, de Bronberg e Cia. — Máquinas para Tipographias e Papelarias, enquanto o Cine Theatro Central divulgava sua programação de filmes. Anúncios como estes e outros como o da Casa Verde repetiam-se nas páginas da revista Vida Capichaba.
Sublinhe-se que fazia apenas dois meses que, no dia 5 de janeiro de 1927, havia ocorrido a inauguração do Theatro Carlos Gomes, construído por André Carloni, e que vinha substituir, em importância, o antigo Theatro Melpômene, edificado em pinho-de-riga e com iluminação elétrica de gerador próprio, que marcou época de 1896 até 1924 quando um começo de incêndio assinala o início de sua decadência.
A inauguração do Carlos Gomes foi presidida por Florentino Avidos, durante o dia. À noite, a Companhia Tan-Tan estreou com a peça "Verde e Amarelo", de Patrocínio Filho, conforme registro de Maria Stella de Novais (in História do Estado do Espírito Santo, Fundo Editorial do Espírito Santo, Vitória). E acrescenta: "No dia seguinte, inaugurou-se ali o cinema, com o filme 'Que farias com um milhão?', cuja estrela principal era a saudosa Mary Carr".
Na realidade, o Teatro Carlos Gomes, pouco mais de mês e meio antes de oficialmente inaugurado, já havia sido aberto para a instalação do Congresso de Geografia, ocorrido no Espírito Santo, em novembro de 1926, sob a presidência do general Cândido Mariano da Silva Rondon. O Congresso agitou os meios culturais e sociais do Estado, envolvendo membros não só do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, existente desde 1916, como da própria Academia Espírito-santense de Letras, que data do começo da década de vinte.
A maioria dos congressistas, vinda de fora do Estado, teve o ensejo de se hospedar no recém-construído Hotel Majestic, na rua Duque de Caxias, de propriedade de José Joaquim Gomes, e para cuja edificação colaborou o Governo Florentino Avidos.
Esta, em alguns de seus aspectos típicos, a Vitória de 1927, quando no Fórum da Capital, tendo como Presidente do Tribunal de Justiça do Estado o Desembargador Manoel dos Santos Neves reuniram-se os advogados fundadores do Instituto dos Advogados do Estado do Espírito Santo para constituir a entidade hoje sexagenária.
Tratava-se de elenco de advogados com projeção crescente na vida cultural, jurídica e política do Estado.
Esposando sugestão partida de Irineu José de Farias, em torno dele se reúnem, na constituição do Instituto, Luiz Adolfo Thiers Vellozo, Manoel Clodoaldo Linhares, José Sette, Alarico de Freitas, Oswaldo Poggi de Figueiredo, João Milton Varejão, Jair Dessaune, César Lima de Magalhães, Jair Tovar, João Lordello dos Santos Souza Júnior, José Pedro Fernandes Aboudib, Raimundo Thomé Bezerra.
Ao longo de sua existência a entidade amplia o número de filiados, todos figuras da mais alta respeitabilidade com atuação destacada dentro e fora do Estado do Espírito Santo. Por uma dessas tramas especiais e caprichosas do destino, o Instituto tem hoje sua sede própria, providencialmente instalada na parte nobre e alta de Vitória, entre o prédio da Assembleia Legislativa (atualmente transferida para o novo prédio à avenida Nossa Senhora dos Navegantes) e o do Palácio do Governo, a poucos metros do Palácio da Justiça, na antiga e tradicional residência do Dr. Augusto Estelita Lins, ele próprio, membro atuante da novel entidade.
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Luiz Guilherme Santos Neves (autor) nasceu em Vitória, ES, em 24 de setembro de 1933, é filho de Guilherme Santos Neves e Marília de Almeida Neves. Professor, historiador, escritor, folclorista, membro do Instituto Histórico e da Cultural Espírito Santo, é também autor de várias obras de ficção, além de obras didáticas e paradidáticas sobre a História do Espírito Santo. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)
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