Homem do campo
Na estrada, próximo a Água Doce do Norte. Foto Gilson Soares, 2014. |
Saí de Ecoporanga, na primeira hora da manhã da terça-feira, 10 de junho de 2014.
Qualquer viajante normalmente rumaria, dali, diretamente para Barra de São Francisco.
É o caminho mais curto, lógico e funcional.
Mas não foi o que fiz.
Não que eu queira ser ou seja, mesmo, anormal. Não.
Essa minha, aparentemente obtusa, decisão se deu por um motivo que o costumeiro leitor já deve estar cansado de saber: o meu empenho em seguir margeando a linha que faz o desenho cartográfico do Torreão. Por conta daquela admoestação que me foi feita pelo Costura de Ponto Belo – naquela noite amena de domingo (você se lembra, leitor?) em que por lá, dubitativo, vadiava e bebia –, tive que me afastar, um pouco, da borda e transpor o coração do Torreão (e da minha história): a cidade de Ecoporanga.
Pra retomar a marginalidade do percurso eu decidi, então – na transparente manhã de outono tropical – descambar pros lados de Água Doce do Norte, onde me propunha a dormir naquela terça-feira.
Na manhã seguinte transporia os costados da fronteiriça Serra dos Aimorés, passaria por Mantena – um dos contestados enclaves mineiros em solo historicamente capixaba – e só então retornaria ao Espírito Santo, em Barra de São Francisco.
Assim fiz.
Na estrada entre Ecoporanga e Água Doce. Foto Gilson Soares, 2014. |
A extensão do tempo que me foi oferecido para permanecer em Água Doce permitiu que eu realizasse com folga as três importantes tarefas que eu tinha pra cumprir ali.
Primeiro localizei a Biblioteca Pública Municipal da cidade e ofereci um exemplar de Minério para o seu acervo.
Depois procurei (e achei com facilidade) uma oficina de bicicletas.
É que a pretinha já pedia há algum tempo uma atenciosa revisão. Deixei-a aos cuidados do cara da oficina por toda a tarde.
Ele trabalhou muito bem e, o que é melhor, por um preço aquém do que eu supunha que iria gastar.
E por fim – talvez o mais importante –: fui procurar saber como sair de Água Doce do Norte, na manhã seguinte, transpondo as bordas da Serra dos Aimorés, passando por Mantena e retornando ao Espírito Santo, em Barra de São Francisco.
Que é o que eu queria fazer.
E fiz.
Se entre Ecoporanga e Água Doce do Norte eu transitei entre o conjunto de montanhas de pedra que mais me chamou a atenção durante toda esta viagem, agora, nesta manhã de quarta-feira, 11 de junho de 2014, logo depois de sair de Água Doce, eu subi (e desci) a mais extensa e íngreme serra que me foi imposta no decorrer deste pedal pelo Arco Norte capixaba.
Transpondo a Serra dos Aimorés no extremo Noroeste do Espírito Santo. Foto Gilson Soares, 2014. |
E assim, caminhando de mãos dadas com a magrela por aquelas escarpas pude ouvir toda a sonoridade da mata e ver cores, flores, árvores e pássaros que nunca vira.
E se não fosse assim, eu não teria visto, também, um recado – de alguém, pra não sei quem – colado ao mourão de madeira de uma cerca lateral.
– Vamos tentar ser homem do campo? Eu disse homem do campo. Campo.
Numa folha arrancada de uma agenda, um pai ou um amigo – ou um desafeto? – deixou ali uma carta aberta (tanto que eu pude ler) estrategicamente postada para o seu destinatário.
Eu, que não tinha nada com isso, li, entendi o recado, fiz o registro fotográfico seduzido pelo inusitado daquele sistema de comunicação e prossegui o trajeto anormal de percurso que escolhi para aquele dia.
Carta aberta postada à beira da estrada. Foto Gilson Soares, 2014. |
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Gilson Soares é poeta e nasceu em Ecoporanga, no extremo noroeste do Estado do Espírito Santo, em 10 de fevereiro de 1955. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)
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