Foto Gilson Soares, 2014. Ariranha é, pra mim, uma dessas palavras muito bonitas com que nos deparamos na língua brasileira. - Outra...

Ariranha

Foto Gilson Soares, 2014.
Foto Gilson Soares, 2014.

Ariranha é, pra mim, uma dessas palavras muito bonitas com que nos deparamos na língua brasileira.

- Outras há de igual ou superior beleza.

É isso que você está afirmando, não é, lépido leitor?

- Sim, sem dúvida. É o que te respondo, também de pronto.

E acrescento: poderia, eu mesmo, enumerar aqui muitas dessas – belas! – palavras.

Mas não vou fazer isso.

Vou é propor uma consulta em que cada um envia aqui pra Estação Capixaba uma palavra que, pra seu gosto, esteja entre as mais bonitas da Língua.

Combinado? Vai ser divertido e proveitoso.

Pode enviar a sua palavra – só uma – ali no espaço de comentários.

Depois vamos divulgar o resultado da enquete.

Vai ser um conjunto de palavras com forte sotaque de poesia, não tenho dúvida.

Posso adiantar pra você, filólogo leitor, que a maioria das palavras que compõem a minha lista é proveniente das línguas nativas – e extintas – de Pindorama.

Acho até que essa lista pessoal – se eu fosse fazê-la. Não vou – receberia a chancela radical de Policarpo Quaresma.

Mas vamos aguardar as palavras que virão de você, plural leitor.

Enquanto isso – confirmando o que declarei na primeira linha ali em cima – repito que gosto de ariranha.

Primeiro, pelo raro – e agreste – prazer auditivo que esta palavra traz.

Depois, é que ao dar de cara com uma dessas onças-d’água, passeando e caçando no regaço de um regato como este, eu, ainda que nunca tivesse ouvido esta palavra, acho que não exclamaria outra coisa que não fosse ariranha.

Mais provavelmente até, ariranha! Assim, acompanhada dessa exclamação de espanto (e alegria!).

Por isso – e por aquilo – gosto desta palavra.

E tive a sorte de tê-la incorporada ao meu vocabulário ainda na infância.

Sim: é que os meus avós maternos moravam na vila – logo ali! – de Barra do Ariranha.

Ali, meus pais – ele mineiro, ela capixaba – se conheceram e – indiferentes a todas as contestações limitantes que pipocavam então – se casaram.

E foi ali, também, que deliciei as minhas primeiras – as primeirinhas, mesmo – férias escolares.

Naquele conjunto de estranhezas, surpresas e novidades que era a – pra mim – monumental casa dos meus avós, passei, com as minhas irmãs, dias amplos, abarrotados de brincadeiras vadias, banhos de rio, apresentação de ave-marias no serviço de alto-falante da vila – que era dos meus avós – e algumas pueris aventuras noturnas.

Tudo isso ali na Barra do Ariranha.

O nome da vila, informo pro leitor, relata a atraente ocorrência natural que distingue aquele lugar: o córrego Ariranha, que vem descendo miúdo e sonoro por uma das encostas da Serra dos Aimorés, entrega, ali, a sua contribuição líquida ao já meio imponente (mas não ainda indolente, como será mais abaixo) rio São Mateus. Quer dizer, a seu braço sul.

E, foi ali, agora, descendo por aquelas escarpas que compõem o leito acidentado do córrego Ariranha, que tive que fazer o que muito poucas vezes fiz na minha história ciclística: pedi arrego a uma descida.

Sim, nas subidas é mais ou menos comum o ciclista não dar conta da escalada e se ver flagrado empurrando – às vezes um pouco, às vezes muito – o seu veículo movido a – enquanto há – energia humana.

Mas pra baixo, com a proverbial contribuição gravitacional de todos os santos do calendário religioso, não existe, geralmente, dificuldade de trânsito.

Por isso é pouco comum um ciclista optar por empurrar seu camelo quando está descendo um morro. Como era o caso.

Mas ali não teve jeito: quando o íngreme se assemelha ao perpendicular e o chão além de movediço é retalhado por uma profusão de sulcos escavados por enxurradas, é melhor apear da bicicleta e transitar a pé. E contendo, com mão firme, a magrela – e a rechonchuda bagagem – na sua ânsia irracional de desembestar pelo despenhadeiro abaixo. Ali, então, pela primeira vez naquele meu giro pelo Arco Norte, confesso, pedi arrego.

Mas fazer o quê, né?

Isso acontece, num belo dia, com qualquer um.

Seja atleta, seja poeta.




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Gilson Soares é poeta e nasceu em Ecoporanga, no extremo noroeste do Estado do Espírito Santo, em 10 de fevereiro de 1955. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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