A referência, talvez a mais antiga, ao nome Itapemirim (do tupi: ita — pedra; pé — caminho; mirim — pequeno, ou: itapé — laje; mirim — pequ...

Batismo que ficou


A referência, talvez a mais antiga, ao nome Itapemirim (do tupi: ita — pedra; pé — caminho; mirim — pequeno, ou: itapé — laje; mirim — pequena), encontramo-la na carta de confirmação dos limites das Capitanias do Espírito Santo e São Tomé, posteriormente Paraíba do Sul, datada de 12 de março de 1543.

Como perdurassem dúvidas sobre o local exato dos Baixos dos Pargos, que deviam servir de limite às terras dos dois donatários, Vasco Fernandes Coutinho e Pedro de Góis, estes resolveram, em boa harmonia, como bons amigos que eram, mudar o nome do rio que os índios chamavam Tapemery, para Santa Catarina, e convencionaram que esse rio ficaria como limite das duas Capitanias.

O nome Santa Catarina era uma homenagem à esposa do Rei D. João III, de Portugal, mas não durou nem vinte anos. Em 1559, prevalecia a toponímia tupi. Nesse ano, escrevia um jesuíta, do Espírito Santo: “… estando ainda os da vila [Vitória] dentro da nau, e eles [os franceses] fora, deram à vela e foram-se a Tapimiri, que está abaixo, como fica dito, algumas vinte léguas, para ali carregarem de Brasil”. Foi nessa oportunidade que os homens do Donatário resolveram travar uma escaramuça com os franceses; seguiram-se-lhes as pegadas, e o destemido Maracajaguaçu, valente cacique emigrado com a sua tribo da Guanabara, adiantou-se-lhes, indo aprisionar uns vinte homens que já estavam em terra, duas chalupas, “uma ferraria e muito resgate e roupas, de maneira que quase todos os negros vinham vestidos”.

Noutra carta, escrita no Colégio de Vitória e datada do mesmo ano, informando sobre desavenças e contrariedades havidas entre os padres e Maracajaguaçu, o jesuíta Antônio de Sá escreveu: “… disse [o índio] que se o padre Brás Lourenço se fosse para a Bahia ele se iria para Tapemiri”.

Documento da mesma época faz referência à povoação de Santa Catarina das Mós, que o filho e herdeiro de Pero de Góis levantou ao sul do rio, mas que não vingou, sendo arrasada pelos ferozes goitacás. Situava-se, segundo notícia das “Cartas de Vilhena”, datadas de 1802, à latitude de 21 graus, 20 minutos e 18 segundos, conforme observações dos matemáticos régios: P. P. Diogo Soares e Domingos Cappacci, feitas em 1730 e 1731. Quando Francisco Gil de Araújo tomou posse da Capitania do Espírito Santo, ver-se-iam, ainda, naquele local, alguns vestígios de igreja e casas que ali houve.

Em 1556, o viajante francês, Jean de Léry, colheu estas impressões, reproduzidas no seu pitoresco e informativo relato: Viagem à Terra do Brasil: “… costeando sempre a terra, passamos pelo lugar denominado Tapemiry, onde se encontram pequenas ilhas na entrada da terra firme e que me pareceram habitadas por selvagens aliados dos franceses”.

A ilhota Taputera (do tupi: pedra fora d’água), que bifurca o desaguadouro do rio, e a Ilha dos Ovos, um pouco à frente, são muito pequenas para serem habitadas. É mais provável que Léry estivesse fazendo confusão com a Ilha dos Franceses, no mesmo roteiro, entre Itaoca e Itapemirim.

Gabriel Soares de Souza, português e senhor de engenho, na Bahia, escreveu, em 1587, no seu Tratado Descritivo do Brasil, de cujo apógrafo castelhano preferi: “…De Larevite hasta Pamerim, hay 4 o cinco leguas corriendo la Costa Noroeste Sudeste, la qual está em 20 grados e ¾. De Tapamarim a Manage…”

Curiosa, a transformação do nome do rio, em trecho tão curto de descrição: exemplifica que os antigos não se preocupavam muito com a grafia dos nomes próprios…

Saltemos ao século dezessete: No mapa geral, colorido como os demais, do Livro da Rezão, datado de 1612, cujo original, relíquia do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tive a emoção de manusear, vê-se bem assinalado o rio Tapemery.

Outro cimélio: Reys-boeck (holandês), acervo da Biblioteca Nacional, impresso em Amsterdão, em 1624, registra no mapa do Brasil que estampa: Tampomeni.

João Teixeira, cosmógrafo do Rei, no desenho que fez do Mapa de Todo o Estado do Brasil, em Lisboa, no ano de 1627, escreveu: Itapemeri.

Alberto Lamego, um campista grande desentocador de documentos raros, que vieram aclarar muitos pontos obscuros da nossa História, inseriu na sua alentada obra: A Terra Goitacá, um mapa, datado de 1630, no qual consta idêntica grafia: Itapemiri.

Uma grafia italianada encontramos no mapa do Brasil, inserto na Istoria delle Guerre Del Regno Del Brasile, pelo carmelita Giovanni Giuseppe di Santo Tereza, editado em 1698: Tapemerini.

Um desbravador das vertentes do rio, Pedro Bueno Cacunda, escrevia, do Arraial de Santana, em 1734: “… Desta aldeia [Reritiba] para o sul, fica hum rio chamado Itapemery: a sua barra he de areias, mal entram canoas e lanchas e com perigo. Ahi fiz o primeiro assento e por elle acima as primeiras entradas. Abre este rio as serras e tem boa passagem”.

A Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro publicou as observações que o Desembargador Luís Tomás de Navarro constatou, em 1808, das quais ressalto: “… De Piúma continuei, e depois de andar 4 léguas, cheguei ao rio Itapemirim, que está ao norte da povoação deste mesmo nome. A sua passagem pertence à Câmara de Vila de Guaraparim; acima dito rio está a povoação chamada Caxanga, que também se chama de Itapemirim; esta povoação se deve erigir em vila por ter já muitos moradores, e ficar em grande distância da Vila de Guaraparim”.

Na História do Brasil, em 12 pequenos volumes (hoje muito rara), editada em Lisboa, no ano de 1823, escreveu o seu autor, Pedro José de Figueiredo: rio Itapamerim.

Saltando com “bota de sete léguas”, através quatrocentos anos, desde o Primeiro Donatário da Capitania do Espírito Santo até os nossos tataravós, vemos que, salvo uma frustrada tentativa de mudança, o batismo indígena perdurou: rio Itapemirim.

Se tal exemplo, frutificado em diversos acidentes geográficos da costa capixaba, prevalecesse como norma, de grandes confusões se poupariam os que se ocupam da História.

[In Crônicas de Cachoeiro. Rio de Janeiro: Gelsa, 1966. Reprodução autorizada pela família.]


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Levy Rocha nasceu em 14 de merco de 1916, em São Felipe, então distrito de São João do Muqui. Graduado em Farmácia, residiu em Cachoeiro de Itapemirim e no Rio de Janeiro, interessando pela história de seu Estado natal. Publicou vários livros. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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