A delegacia da Chapot Presvot, 272, cerra portas e janelas. A quem interessa a notícia? Creio que apenas às suas personagens. E é em co...

À guisa de epitáfio


A delegacia da Chapot Presvot, 272, cerra portas e janelas. A quem interessa a notícia?

Creio que apenas às suas personagens.

E é em consideração a elas, que me aturaram muito mais do que eu as aturei, que faço os comentários que se seguem.

Durante vários textos, arrisquei-me a retratar o que seria o cotidiano de uma delegacia de polícia, ficando, por incompetência pessoal, muito aquém de reproduzir o dramático dia-a-dia de um ambiente policial, em sua crua e dura realidade, na ingente luta contra a criminalidade.

Foi - assim o considero -, um longo e persistente trabalho de elaboração ficcional (e aqui faço o grifo), temperado com variadas pitadas de crítica e ironia, gozações e tragédias utilizadas na movimentação das personagens (delegado, escrivães, policiais, faxineira, et caterva) e do plantel de desditosos figurantes que deram o azar de passar pela delegacia (inclusive o autor-narrador que escapou por pouco de lá ficar retido) – e tiveram a honra de merecerem acolhida no site Estação Capixaba graças à bondade de sua criadora Maria Clara Medeiros Santos Neves.

Pessoas reais serviram de base para a montagem dessa fauna humana ficcional; fatos e acontecimentos forneceram miolo para muitos textos; falas, expressões e ditos ouvidos ao acaso e registrados seletivamente foram capturados para contextualizar diálogos e cacoetes verbais de personagens, quer em sua passagem ocasional pela delegacia, quer pela presença constante como “funcionários” da casa onde “trabalhavam”; histórias e casos que me caíram no colo ou bolações nascidas de leituras em geral, inclusive situações envolvendo a Livraria Logos e a confraria de amigos que lá se reúne aos sábados, deram alimento a sortidos episódios.

De fundamental importância para a consistência da delegacia foi minha fraternal amizade com o escritor Pedro J.Nunes que, por ter sido escrivão de polícia (hoje graças a Deus aposentado), prodigalizou-me - consciente ou inconscientemente -, farto material para os textos que escrevi, tendo sido ele mesmo o protótipo humano em que me fixei para criar o escrivão Pedro – porém, nada mais do que Pedro, de anônimo sobrenome – que se fez personagem âncora da Chapot Presvot, 272.

Neste particular, confesso, agradecido, que em nenhum momento o meu fraternal amigo teceu a mais mínima restrição à apropriação de sua imagem para o personagem chave da delegacia. Ao contrário, sempre deu mostra, inclusive verbalmente, e graças à sua visão esclarecida de autor literário, que entendia perfeitamente a distinção entre o escrivão de polícia que na vida real ele foi, e o escrivão fictício, seu factóide, por mim “invencionado”.

E já que pisei o terreno das confissões, apesar de não solicitadas, mencione-se, recuando-se à origem da série da Chapot Presvot, 272, que quando escrevi o primeiro texto, ponto de partida da galeria que veio depois, não pensava em lhe dar desdobramento, nem continuidade.

Era para ser um conto único, e ponto final. Haja vista que qualquer comparação entre aquele primeiro escrito e os que o seguiram mostra o descasamento de concepção existente entre eles, numa demonstração de que a ideia de criar e consolidar a delegacia como antro ficcional das ficções que nela se passaram somente se configurou no espírito do autor depois do texto de partida, embora contenha este algumas características que o tornaram o embrião da série.

Lá está, para citar um só exemplo, a descrição da casa-sede da delegacia, já então dada como funcionando numa antiga residência térrea da rua Chapot Presvot, na Praia do Canto, em Vitória, mas sem indicação do número 272, que apareceria no segundo texto (número que, na realidade não existe naquela rua).

Posteriormente, já com vários episódios escritos e divulgados pelo site Estação Capixaba, identifiquei uma casa no mesmo estilo arquitetônico que eu havia imaginado para a delegacia, situada, porém, na rua Cândido Portinari, bairro Santa Luiza, em Vitória, (Delegacia da Mulher), que elegi emblematicamente para sede da Chapot Presvot, 272.

A foto dessa casa, que figura no cabeçalho dos textos da Estação Capixaba, custou-me, quando a estava tirando, uma abordagem de dois policiais numa viatura tipo camburão que vieram saber das intenções do fotógrafo que, de máquina em punho, fazia seus flashes com veleidades meramente literárias.

A abordagem, que felizmente não foi além de uma explicação que matou a questão sem maiores consequências, deu trigo e fermento para o texto Amigos, amigos ou um flagrante delito, um dos últimos a sair do fundo do estoque de que eu dispunha para ser divulgado na Estação Capixaba.

Já me estendi em voo largo para dizer o que foi dito sem me ser perguntado.

Mas antes de sapecar o ponto final nesta despedida, duas informações forçam passagem: os dois últimos textos que encerram a montoeira um tanto ou quanto eclética da Chapot Presvot, 272, prestam homenagem a grandes e queridos amigos que já se foram: Dores na cervical ou crime inafiançável aproveita o relato que ouvi a Ivan Borgo, vítima do fato relatado; e Fim de papo & nunca mais remete a Renato Pacheco e aos seus magníficos Cantos de Fernão Ferreiro.

Alguma coisa resta por ser acrescentado?

Sim, e quase ia me esquecendo: por que me vali de uma delegacia ficticiamente localizada na rua Chapot Presvot para travessuras imaginativas?

A resposta é, por óbvio, personalíssima: uma rua numa cidade como Vitória com o nome desse grande médico brasileiro não é para ser literariamente desprezada.

Posto isto, e nada mais havendo a tratar, cerrem-se as cortinas, apaguem-se as luzes e... fim de papo & nunca mais.


[Este texto integra a série intitulada CHAPOT PRESVOT 272, de Luiz Guilherme Santos Neves]

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Luiz Guilherme Santos Neves (autor) nasceu em Vitória, ES, em 24 de setembro de 1933, é filho de Guilherme Santos Neves e Marília de Almeida Neves. Professor, historiador, escritor, folclorista, membro do Instituto Histórico e da Cultural Espírito Santo, é também autor de várias obras de ficção, além de obras didáticas e paradidáticas sobre a História do Espírito Santo. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

3 comentários :

  1. Acompanhei durante todo o tempo as publicações de Luiz Guilherme Santos Neves reunidas sob o título CHAPOT PRESVOT 272, e pude perceber o quanto eu próprio pensava como o escrivão Pedro. LG parece haver se apropriado de meu insconsciente. Engana-se quem pense que o humor que imprime aos textos desta coluna seja gratuito. O autor foi capaz de, rindo, traçar um vívido retrato do dia a dia de uma instituição. Serei sempre grato a ele por me haver mostrado a respeito dessa instituição muito mais do que meus olhos, a olho nu, poderiam ver.

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  2. Esses contos da Chapot Presvot, 272, são o que há de melhor na literatura policial brasileira, produzida no espírito Santo. Divertimento puro, fino, coisa para degustação.

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  3. Fecha-se uma Delegacia(essa da Chapot Presvot), fecha-se outra(a da minha querida Vila Rubim), fecha-se uma outra (em algum lugar de Vitória, ou da Grande Vitória)....Enfim, fecham-se várias Delegacias. E quem precisa de Delegacia? Polícia para quem precisa de Polícia. Todas as vezes em que chamei por Polícia esta já chegou e...tarde ! E quem precisa de Polícia ? Precisamos ,sim, é de um cronista policial qual esse Escrivão da Frota capixaba capitaneada por esse site Estação Capixaba ! Cronistas assim jamais deveriam estar soltos por aí, em habeas corpus por vontade própria: deveriam, sim, estar presos e obrigados a cumprir, ad eternum, a pena de escrever acerca dos bastos bastidores, meandros todos,da corporação policial. Isso posto, já encabeço um acima-assinado "VOLTA, LUIZ GUILHERME !"(Marcos Tavares)

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