Na manhã seguinte pude constatar que Montanha estava pertinho, mesmo. E a estrada, como tinham me informado os taquarinhenses (ou tricor...

Encontro marcado

Na manhã seguinte pude constatar que Montanha estava pertinho, mesmo.

E a estrada, como tinham me informado os taquarinhenses (ou tricordianos?) é realmente muito tranquila.

Naquela via, pela qual retornei a solo capixaba depois de um rápido e inusitado rodeio por vaquejadas mineiras – sem ao menos ter conseguido sonhar, como sonhara, com a ronronante musa cafuza, filha da terra – encontrei pelo menos uma coisa que me chamou a atenção: o maior trecho em linha reta que me lembro de ter transitado nessas minhas idas e vindas ciclísticas: foram mais de seis quilômetros – a partir do momento em que me dei conta da singularidade geométrica do trecho – de uma reta que parecia não ter fim.

Por aclives e declives que se sucediam retilíneos, pedalei por mais de uma légua sem encontrar nem um aceno, sequer, de curva.

Era ainda bem cedo quando, depois desse agradável pedal matinal pela Estrada da Reta Grande – ES-130, soube depois – cheguei a Montanha. A cidade me recebeu com uma indiferença sabática.

Antes de procurar hospedagem fiquei circulando à toa pela urbe distante. Fui identificando as suas peças, a sua constituição social e a sua personalidade arquitetônica.

Montanha – comprovei e votei – se destaca, com louvor, no Campeonato Brasileiro de Arquitetura Residencial Pequeno-burguesa-quase-rural, concurso que eu, inspirado pela cidade indiferente, acabara de instituir.

Em meio a seus palacetes – quase todos situados entre o moderno e o modernoso – localizei o Teatro Municipal, onde aconteceria, às oito da noite, o meu encontro com um dos meus grandes ídolos: Sérgio Sampaio. Agora explico: eu ia assistir ali ao show Sérgio Samba Sampaio, com o cantor paraibano radicado no Rio de Janeiro, Chico Salles.

É que eu não quis ver esse show quando de sua estreia capixaba no Theatro Carlos Gomes, em Vitória, no dia 20 de abril de 2014, um domingo.

Qualquer leitor que me conhece deve estar achando estranho eu dizer que não quis ver um show só com canções de Sérgio Sampaio, um poeta que marcou com versos, músicas e atitudes a minha juventude.

Mas eu posso informar para esse leitor que tal show em Vitória aconteceu exatamente uma semana depois da realização da oitava edição do Festival Sérgio Sampaio.

Sim, e daí? Estará perguntando, com um dedinho de deboche, o tal leitor que me conhece (mas nem tanto, percebo).

Daí, meu caro, que esta homenagem ao velho bandido, o Festival, é uma iniciativa do Clube Capixaba do Vinil que é realizada, a cada ano, em torno do dia 13 de abril, data de nascimento do artista cachoeirense. Como sou o coordenador do Clube, fico totalmente envolvido com todo o processo de produção – amadora e, consequentemente tensa, por culpa minha – do Festival.

Nessa oitava edição, nós realizávamos o melhor Festival, até ali, da série. Contando com a extrema boa-vontade do, então, subsecretário de Cultura do Estado, Joelson Fernandes, conseguimos trazer do Rio de Janeiro o filho de Sérgio, João Sampaio e o biógrafo do artista, Rodrigo Moreira. Foram dois dias de Festival – 12 e 13 de abril, sábado e domingo – e o encerramento aconteceu com um show, Sampaiada Capixaba, no Teatro Universitário, na Ufes, que reuniu um bando de jovens artistas locais, com direção musical de André Prando e apresentação de Mariana Gotardo.

Então, no domingo seguinte, o tal dia do Sérgio Samba Sampaio, no Carlos Gomes, eu estava ainda me recuperando da ressaca física e, principalmente, emocional que se apossou de mim assim que o bloco do Festival parou de botar pra gemer.

Por isso – por conta desse fastio do espírito – não quis ir ao show no Carlos Gomes.

Quando vi o programa da circulação que Chico Salles faria pelo estado, percebi que poderia me recuperar desse desleixo, entrecruzando o meu Giro pelo arco norte com o último show da temporada capixaba, na noite de 7 de junho, em Montanha.

E assim, estava eu ali, no centro do platô que comporta a curiosa feição daquela cidade extrema, para cumprir esse segundo – e último! – compromisso assumido no meu giro.

A partir de então, estaria, sim, totalmente à disposição do que desse e do que viesse.

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Gilson Soares é poeta e nasceu em Ecoporanga, no extremo noroeste do Estado do Espírito Santo, em 10 de fevereiro de 1955. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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