Um pouco da história de Vitória
Dia da cidade
Vitória comemora hoje seu centésimo quadricentésimo vigésimo terceiro ano de sua fundação. A oito de setembro de 1551, os portugueses alcançaram a última vitória contra a investida dos goitacás. Assim teve origem a Vila Nova, sede da Capitania inconquistável. Nasceu pobre, dos despojos da batalha. Não teve festividade, marco fundamental, predicamentos ou missa. Nova, porque sucedeu ao primeiro acampamento, levantado ao sopé do "Moreno", não porque fosse mais bonita. Lutou pela sobrevivência, resistiu às invasões, curou-se das epidemias, remediou a pobreza.
Seus capitães-mores ocultam-se nos segredos dos arquivos, heroicos uns, tiranos poucos, mas persistentes todos. A Vila não conheceu os fastígios da era dos senhores do engenho, nem dos sertanistas que se sentavam em arcas de jacarandá, armadas de cintas de ferro e taxas de cobre. As casas de taipá, pouco a pouco, se transformaram em sobrados, construídos sobre esteios. As cimalbas toscas não emolduraram monogramas nem cartelas com escudos heráldicos. São todos lavradores, pequenos negociantes, pescadores, e agentes do fisco. Moravam em grupos distanciados por chácaras, grimpadas nas encostas do morro do "Colégio," e arredores.
Depois de l700, aparecem as casas de tijolos e cobertas de telha e varandas ou sacadas guarnecidas por gradis de ferro, materiais estes vindos como tara das caravelas reinos. Dos "barreiros" de Guarapari, escavavam os ocres naturais, para a caiação das paredes. O óleo de linhaça, o azul da Prússia ou o verde Paris, para pintar as portas e janelas, vinham também de Lisboa, e por que preço!
A vila toma aspecto medieval, embora sem castelos e igrejas de cantaria. As montanhas estão vestidas de matas frondosas. Esta é a moldura que se espelhava na baía, onde uma caravela ou sumaca carregava caixas de açúcar ou sacas de farinha.
O Colégio sobrepunha-se à paisagem pela majestade serena de suas alvenarias ciclópicas e a Igreja de Santiago, com suas torres, dignificava-lhe a silhueta. Do Afonso Braz se caminha para a misericórdia (Assembléia Estadual), para a casa da câmara e cadeia (Tribunal demolido), no topo da ladeira da ladeira Maria Ortiz, e matriz.
Olhando-se à esquerda da misericórdia se topa com a Igreja de São Gonçalo, sobre um penhasco aprumo, e a vista se perde na assentada do Convento de São Francisco. A capela de Santa Luzia, encravada sobre o dorso rochoso planalto, lembra a Duarte de Lemos ex-proprietário da Ilha. Descendo para a vargem, em relativa elevação, como se fora um fortim, encontra-se o Convento do Carmo com o cemitério e Ordem Terceira ao lado. No "morro da Vigia", a leste, a Igreja do Rosário, com sua sineira modesta mas sólida, onde os pardos livres ouvem sempre suas missas.
Os fortes de Santiago, Nossa Senhora do Monte do Carmo, São Maurício, guarnecem a retaguarda do de São João, na defesa do porto.
A rua Grande (José Marcelino) tem poucos chãos vazios. Tem sobrados. Alguns com cimalha e gradis de ferro com remates de pinhas de macau, adornos estes que guarnecem as casas da rua das Mangueiras (Duque de Caxias), onde o comércio lhe dá preferência.
E os palácios dos capitães-mores, do escrivão da Fazenda, do comandante das Armas, do Ouvidor? — não foram construídos, nem houve residência senhoril.
Vitória cresceu pobre mesmo, até o fim do século passado. Casario provisório à espera de melhores dias e novos senhores. Mas enfim, atingiu sua maioridade. Emancipa-se das tormentas e se torna cidade presépio. Depois supera a pequenês canhestra de cromo de folinha e veste as pantalonas do progresso.
É cidade cosmopolita, e potente: porto, comércio, indústrias, universidade, academias, institutos, imprensa. Não pede mais. É orgulhosa, exige.
[DERENZI, Luiz Serafim. Um pouco da história de Vitória. In A Gazeta, 08/9/1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]
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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)
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