Urbanismo é a preocupação máxima das cidades civilizadas. Não há muito que surgiu a noção precisa do problema. Le Corbusier, notável ar...

Urbanismo


Urbanismo é a preocupação máxima das cidades civilizadas.

Não há muito que surgiu a noção precisa do problema.

Le Corbusier, notável arquiteto francês, foi quem primeiro teve a coragem de asseverar, naquela encantadora linguagem de blaguer, que o homem do século XX não podia mais suportar as cidades nascidas das trilhas de mulas. No seu interessante livro Urbanismo, procurando a origem de todas as grandes cidades, chegou a esta conclusão pitoresca: todas as urbs, inclusive Paris, nasceram dos caminhos feitos a pata de burro.

No Brasil há uma exceção honrosa: Belo Horizonte. As demais não fogem à regra, do cientista revolucionário, que abriu rumo definitivo ao estudo do embelezamento das cidades. Não é necessário ser especializado no assunto, para sentirmos com pesar histórico, que nossas cidades surgiram do acaso. Daí o problema transcendente dos melhoramentos, e adaptações. Vitória é o exemplo vivo ao que afirmamos.

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Cidade é um centro de educação e de trabalho. É uma das células da nacionalidade de cada povo. Ela deve obedecer ao ritmo sincronizado do progresso e das conquistas cientistas.

Não pode e não deve ser um amontoado de casas, sem lógica e sem ligação adequada.

Agache, Auburtin e Riller, são acordes em afirmar, que a cidade é um organismo vivo. Todos nós compreendemos e sentimos a profunda complexidade da vida, na traslação perpétua em busca de um ideal sublime.

Seja como for, quer considerando a cidade como organismo vivo, quer como oficina da nacionalidade, o problema está posto em equação.

A marcha para determinarmos suas raízes já foi investigada. Querer fugir a essas regras será perder-se em tentativas desastrosas de tempo e de recursos financeiros.

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Deixemos as especulações de ordem acadêmica e vamos para o exemplo concreto.

Vitória: Já muito se fez e falta quase tudo por se fazer ainda, para que nossa capital seja uma cidade na acepção moderna do termo.

Temos avenidas, temos praças, temos bairros e vias públicas. Há 30 anos passados isto seria uma cidade. Ninguém poderia contestar.

Mas com o evoluir da engenharia sanitária, da higiene domiciliar, da arquitetura, da paisagística urbana, e outros conhecimentos correlatos, sentimos, não sem constrangimento, que apenas começamos a lançar a primeira pedra para a cidade que precisamos.

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Os governos de nossa terra, sem intenção de lisonja, votaram especial carinho para a nossa capital.

Mas o problema nunca foi olhado de conjunto, de uma maneira explícita pelos técnicos responsáveis.

Henrique de Novaes, nome ilustre na engenharia nacional, e filho extremoso deste Estado, projetou uma cidade dentro do possível para a época. Votaram tal admiração a tentativa do mestre, que nem nos arquivos públicos se encontram notícias do trabalho imaginado.

Não me refiro ao emérito engenheiro Saturnino de Britto, porque este notável sanitarista teve a incumbência apenas de projetar um novo arrabalde: o Suá. E o fez com tal visão, que hoje, 37 anos passados, representa a joia que se encastoa no diadema das belezas naturais de nossa terra.

Já que me referi a esses dois vultos nacionais, não posso deixar ao esquecimento, a personalidade de Moacyr Avidos, tão cedo roubada ao convívio de todos nós.

Sua preocupação foi a avenida Capixaba, o serviço do Porto e a ligação com o hiterland. Atingiu em parte e com galhardia o plano a que se havia imposto, numa azáfama de trabalho que não teve limites.

No quatriênio de Jerônimo Monteiro, Vitória nada tinha, urgia a solução de 3 problemas vitais: evitar a morte pela sede e pelas miasmas, na escuridão terrificante das vielas.

Feita essa digressão histórica, volto ao assunto. Não é meu intuito fazer a crítica desses denodados trabalhadores do torrão capixaba, mas sim cumprir a tarefa que me impuseram de falar do urbanismo.

Vitória precisa de um plano de conjunto transformado em lei. Plano que possa preencher as finalidades num futuro que vejo próximo. Plano que se coadune com as conquistas modernas da técnica, e as belezas incomparáveis do panorama geológico.

A ciência trouxe uma série de princípios, fórmulas e leis cujo fim é aliviar a carga que sobre cada um de nós pesa a vida moderna. O trabalho acelerado, as agitações tumultuosas, os imprevistos eletrizantes da era em que vivemos, nos obriga a um grande dispêndio de energia. E a cidade é nossa oficina.

Pelas teorias modernas, conseguiu-se subordinar o êxito das indústrias à organização científica do trabalho. Foi a missão paciente de Taylor abrindo caminho ao mecanismo racional de Ford, que simplificou o trabalho das grandes empresas.

E, hoje ninguém se atiraria a novos empreendimentos sem um estudo prévio, em que todas as eventualidades fossem admissíveis e previstas. O urbanismo ciência e arte, nascida de observação, agirá como organizador das aglomerações humanas.

Teve sua aplicação satisfatória, quando do reerguimento das cidades destruídas pela grande Guerra.

A cidade deve ser olhada como uma grande oficina. Da sua boa distribuição de peças, departamentos e interdependências gradual resultará o todo harmônico. E assim teremos uma cidade digna da pujança do solo, digna da tradição de trabalho e da inteligência daqueles que aqui labutam.

Mas como conseguiremos essa cidade se ela está presa a fórmulas tão transcendentes?

O esboço está feito. É a planta cadastral. Sobre ela, com os dados estatísticos, geográficos e econômicos podemos avaliar-lhe a potência comercial.

O regime climático, a predominância dos ventos e a latitude, nos oferecerão dados positivos sobre a ventilação, orientação e regime das águas. A situação privilegiada de porto espírito-santense e mineiro nos dirá da extensão de seus bairros.

A tarefa torna-se sensivelmente simplificada. Simplificada em parte, porque a natureza topográfica, se bela como paisagem luxuriante, não deixa de apresentar dificuldades de ordem material, o que fez nascer na inteligência do povo o brocardo conhecido: escapando da pedra cai-se no mangue.

Mas o problema não precisa e não deve ser resolvido de chofre. Seria una aventura financeira em que nem o poder público nem a iniciativa particular poderiam receber conselhos ditados pelo senso.

O necessário e indispensável é o programa preestabelecido. Preestabelecido e fixado compulsoriamente. Assim evitaremos os aleijões, os recuos e avanços que deram origem à célebre invenção de casas sobre macacos e rodas para satisfazer ao capricho de todos os técnicos e de todos os políticos.

Agache, o célebre urbanista francês que projetou a reconstrução de Dunkerque, a capital da Austrália, e que no Rio esteve contratado por Prado Júnior, teve uma imagem maravilhosa, quando comparou a cidade a um corpo humano.

Todos os membros e órgãos adequados. Todos capazes de acompanhar o crescimento e desempenhar suas funções.

É o todo harmônico como protótipo da imagem do Criador. Talvez desta sugestão nasceu o "Zoning", e a divisão da cidade em bairros. Cada um destes núcleos destinados a uma só finalidade.

A disposição da nossa capital, pelo exagerado crescimento num só sentido — cerca de 15 quilômetros entre Santo Antônio e Praia Comprida, prejudica em parte o aproveitamento sistemático da ideia racional. Mas a ortodoxia é quase sempre monótona, e poderíamos tirar partido num ecletismo ligeiro, em que as diferentes atividades urbanas ficassem praticamente seriadas conforme a importância de cada uma.

Assim delimitaríamos a cidade em:

a) Zona portuária — com o comércio importador e exportador. Trapiches e agências de navegação.

b) Zona fiscal — que compreenderia: alfândega, capitania, polícia marítima, saúde do porto, correio e telégrafo, recebedoria do Estado e fiscalização.

c) Zona administrativa — com as demais repartições estaduais, federais e municipais.

d) Zona do comércio varejista.

e) Zona residencial.

f) Zona industrial.

g) Zona de residência proletária.

h) Zona militar.

i) Zona universitária.

j) Zona hospitalar.

O estudo detalhado de cada uma dessas células urbanas, prefixadas em posturas racionais, dando a cada zona o aparelhamento necessário ao conforto da vida, aliviaria fortemente o trabalho físico e moral numa harmonia de beleza, de ordem e de progresso.

Numa simples palestra como a que proferimos não pretendemos projetar a cidade capixaba mas traçar-lhe o esqueleto indispensável ao seu porte de princesa.


[DERENZI, Luiz Serafim. Urbanismo. Conferência realizada no Club Victoria, em setembro de 1938. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]

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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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