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Sei que me dirás Sei que me dirás: Não ouves as estrelas? E te direi: Sim, eu as ouço, de muito longe, e acendo lamparinas em meu ...



Sei que me dirás



Sei que me dirás: Não ouves as estrelas?
E te direi: Sim, eu as ouço, de muito longe,
e acendo lamparinas em meu caminho.
Tenho, por sorte, a morte, seus corredores e incógnitas,
e dela são as veias percorrendo o coração das pedras,
em intermináveis noites e dias de centelha,

onde Tântalos, Prometeus e Sísifos
dançam na fogueira fáunica dos delírios.

De pedras se fazem os dias e as noites.
A morte de cada homem é solitária.

Embora isso nos torne mais ímpares e áridos,
nessa aridez somos pares,
solitários como o deserto f1do Atacama,
solitários como todos os sepulcros
perdidos no pó das estrelas.



[In Sei que me dirás. Astorga: Sahar,  2017.]

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© 2018 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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A cidade e o tempo A hora irradia no ínfimo da teia armazenando os segundos. Instante de quem viu a cidade partir silenciosa e aliou...


A cidade e o tempo



A hora irradia no ínfimo da teia armazenando os segundos.
Instante de quem viu a cidade partir silenciosa
e aliou-se ao porto, permanecendo abrigo,
pelos que olvidam algum resquício de tradição, e líquen.
Vésper acende os rastros, na suma permanência que o espaço abriga,
compondo a paisagem de sonhos afins,
homens percorrendo a ciranda ístmica, plurissecular,
e a paisagem-lua no interior da fonte,
refletida em plenilúnio,
que a terra expulsou, sob época de estio,
estabelecendo o curso das nascentes,
e delas pariu riachos, erigiu templos,
em magníficos acordes transpondo a idade.
E à explosão das águas unificadas
emergiram a ciranda de ínsulas e os braços peninsulares.
Enquanto fio intimamente os segundos,
num gesto de ser, todo implícito,
calmo a ansiedade em que preparo o ritmo lento das palavras,
o fluídico silêncio da avidez contida;
e este é como o brado em lábios de mudo,
que necessita todo gesto  a mais que palavras
e toda a eloquência de sentido brusco.
E se me deparo com meu ritmo, através dos tempos,
este ritmo incólume, perpasso a aura que me veste,
a fiar mais rápido e continuamente, como rápido
os moinhos giram em torno do eixo
e lentamente gasta-se a corda na roldana.




Fragmento – a origem



É a tarde e a manhã o dia quinto
determinando o atropelo de pássaros, insurgidos,
que se aproxima sobre minha cabeça,
rumo oposto aos gestos que faço,
e sigo sem protestos a rumorosa dança:
vigoroso fluxo toma as árvores do continente,
e o chão do continente,
e dos rios e mares, divididas as águas,
brotam cardumes em vigoroso fluxo.
Nasço, dos séculos, na seara
em que fio os segundos de cada poema,
de cada palavra ou ideia,
como rápido os moinhos giram em torno de seus eixos
e lentamente gasta-se a corda na roldana.
Entretida na íris que descerro,
sigo o tráfego comum das borboletas.

Eis-me, agora, distanciada das palavras,
que estabeleceram a unidade;
eis-me distanciada um segundo – a memória é farta,
sobre os músculos que a sustentam na avidez do silêncio,
quando os gestos por si mesmos falam.
Dirá, agora, que irradia,
no íntimo da paisagem sua, a cidade
entre teias de uma outra cidade
espargindo seus raios multicores,
tomando ruas e avenidas, paralelas, à orla de mim,
que me converto em tempo.




O Tempo



O século dividido emerge do porto, continuamente,
à beira de canais alheios à idade
e mares acumulados nas ruas estreitas, bem dentro dos bairros;
o mar sem sentido obrando ao sabor do nada,
que bem conduz os seus seres ocos, os nadadores,
atravessando-o de braços, como Veneza se atravessa de gôndolas.

Alheia aos meus versos estabelecendo a unidade,
atravesso como um rio os continentes, rompendo a carne,
movendo das palavras o istmo permanente,
em uma réstia de vento trançada à-toa:

lanço-me, então, solidária, na partilha – seara florida e montanhas elevadas.
A bordo de seus músculos na idade do tempo
transferem-se arco-íris de um ponto a outro da cidade.


[In Poema deitado no seu peito: um jogo de amarelinha. São Paulo: Scortecci, 2012.]

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© 2018 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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O contorno só interessa aos apressados Afinal, é chegado o tempo em que o silêncio e a contemplação passaram a fazer parte do comportam...


O contorno só interessa aos apressados


Afinal, é chegado o tempo em que o silêncio e a contemplação passaram a fazer parte do comportamento de um transgressor. É o que conclama a balburdia multimidiática de nossos dias.

Na verdade, nada mais efêmero que o conceito numérico dos dias, um ou dois dígitos não preenchem o vazio do homem pós-moderno.

E os “vencedores” propõem: Falemos do caos binário, já que se tornou “feio” falar do Sol e da Lua.

O choque. O homem e o tempo, com seus instantes vendidos em módulos. Uma overdose de estímulos de duração efêmera. Eis a droga que carece ser discutida, esta que alimenta o corpo fluido e seus receptores cerebrais carentes de imagens.

Mas deveríamos contestar a sutileza do instante e a beleza do efêmero? Faz-se necessário então conceitualizar o que costumamos chamar de instante e de efêmero.

O adjetivo efêmero é derivado do grego ephêmeros, - os, - on, que dura um dia. Em sua origem, a palavra efêmero nos diz da poesia das águas perenes dos riachos que só existem durante o degelo ou a estação das chuvas; da flor da noite que desabrocha e fenece ao longo da madrugada. Efêmero é a imensa amplidão da transitoriedade fugidia.

Daí, se dizemos: Está suspensa a transitoriedade das insignificâncias, não é uma imposição, é muito mais, é uma exposição. Nos expomos ao deixar transparecer o desespero por resgatar o sentimento do homem pelo efêmero; dizer do que repica no peito, da percepção da urgência de que o homem reaprenda a aquaplanar o momento, ocupando com silêncio e reflexão o espaço que sucede à transitoriedade do instante.

É isso - buscar no instante o paradoxo da pausa.

Mas é outra a definição de instante que nos coloca à deriva. E os dicionários são precisos, diria premonitórios, quando nos apresentam o adjetivo instante (derivado do latim instans, - antis, - are) como aquele que insta, que insiste com obstinação, que vai logo, iminente, URGENTE – que diz uma necessidade premente. O sufixo – are diz da soberba humana, da vontade de poder, estar de pé, erguer-se (o deus bípede, que se aproxima – ameaçador). Quando utilizado como substantivo masculino, a palavra instante traduz-se no “menor espaço apreciável de tempo, momento, ocasião”.

E eis o homem colocado à deriva no mar da pós-modernidade, sujeito às intempéries dos instantes impostos e desejados. E esse ser fluido, partícula em suspensão nesse mar batido de uma sociedade de consumo, torna turvas as águas do

Planeta.

Onde encontrar tempo para o espasmo diante de uma imagem fulgurante, não a imagem digitalizada, pixelada no écran da mídia de bolso, mas a imagem efêmera, construída pacientemente, pela evolução do deus Darwin?

Quando jovens, aprendemos com nossos ídolos a valorizar o momento, o agora. Vivificar o instante se mostrou a melhor forma de ter uma vida saudável e feliz. E o homem “sábio” incorporou, em graus variáveis, essa máxima.

Acontece que o mercado e as grandes corporações sempre estiveram atentas a esse fato e se desdobraram, e continuam se desdobrando, para ampliar e diversificar as “ofertas de instantes”.

Mas o que acontece quando o instante se fluidifica demasiadamente, se torna cada vez mais instantâneo, insatisfatório? Quando o instante passa veloz; quando um piscar de olhos nos impõe uma limitação fisiológica para vivenciá-lo? Ocorre a desertificação da vida, pois uma frustação insustentável passa a dominar o indivíduo.

E é com essa noção insalubre do instante e esperançosa do efêmero que devemos observar o homem que se adentra no século XXI.

Jorge Elias Neto (1964) é capixaba, cardiologista e poeta residente em Vitória – ES. Tem vários livros publicados é colaborador em vários blogs e revistas literárias.
(Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

Coisa curiosa: a poesia que a burguesia pede é mesmo a prosa. [publicado originalmente no site em 2004] Lino Mach...



Coisa curiosa:

a
poesia
que a burguesia
pede
é
mesmo
a
prosa.


[publicado originalmente no site em 2004]

Lino Machado é poeta e professor universitário. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

"Trago boas novas: eu vi a cara da morte e ela estava viva." "Brasil, mostra a tua cara. Quero ve...

"Trago boas novas:
eu vi a cara da morte
e ela estava viva."

"Brasil, mostra a tua cara.
Quero ver quem paga
pra gente ficar assim"

"Disparo contra o sol
minha metralhadora
cheia de mágoas,
eu sou um cara"

_

Pagamento
muito caro
de
quem
on the rocks
psico
trópicos
teve que estar
cara
a
cara
com a morte

com algum
te
mor
ou
sem
de ficar como
o seu
depressivo
refém
?

Não sei.

Sei somen
te
(antes
de sumir de
repente
sem me
des
mentir)
o que é
o dia de hoje
ou
a boa nova
daqui:

a
era
parada,
do mero zero
à
esquerda, meu caro
ex-garoto
de muitas
paradas;
a hora
por enquanto
eterna
do que antes
já era
bem menos
que merda
(digo:)
que nada;
o
agora
per
manente
de um tempo
com taras
sem porra
como
por ex.
o de revista(s)
CARAS;
o
esgoto
abissal
por onde não pára
de escoar
lucro
para um
escrotal
bando de es
pertíssimos
caras
de
pau. 


[publicado originalmente no site em 2004]

Lino Machado é poeta e professor universitário. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

Quem disse que (eu que vos falo  francamente não diria) minorias muitas vezes (estranha) esmagam (numero) ...



Quem disse
que

(eu que vos
falo

 francamente
não diria)

minorias
muitas vezes

(estranha)
esmagam

(numero)
esmagadoras

(logia)
maiorias?

2

Do alto do
seu
posto

algum
Heródoto desta hora
ousaria escrever

que nem só
com muito mau
gosto

maio
mino
rias

mostram
seu
rosto?


[publicado originalmente no site em 2004]

Lino Machado é poeta e professor universitário. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)