CALIGRAFIA INCANDESCENTE (ou visão de malabar) Para Douglas 1. Deserto Estava seco o chão e nulo e feio. Nada acendia a eira...

Caligrafia de fogo


CALIGRAFIA INCANDESCENTE
(ou visão de malabar)


Para Douglas


1. Deserto

Estava seco
o chão
e nulo e feio.

Nada acendia
a eira,
por mesquinha.

Assim, o veio
de fogo, depois,
chama e tinta:

ígnea manifestação.


2. Epifania

O fio
de magma
a desenhar
o rubro.

A chama
a riscar
a beira
do escuro.

A teia
de flama
a seduzir
o percurso

da claridade

no sopro
em fogo
de um homem.



3. Malabar

O rubro,
em ruivo;
o turvo

mesclado na eira
do olhar assombrado
com os raios de brasa.

O lábio,
o cálido,
o mágico

no nome
que doma
e habita
em sopro
a faísca:

um homem; um lobo: um renome.


4. Efeito

O ruído da luz
doura a gaze
da vontade.

O olhar se fecha;
se abre o hálito;
os dedos fremem

à lâmpada
que doma, louva, masca
a falta de luz.

Incandescência.


5. Malabarino

Chamusca o ar
o cheiro do fogo
que
acende a barba
e a voz de lobo
e
ruivo.

Estraçalha o ar
o desenho da quentura
que
enrubesce o pelo
e a voz de lobo
e
fluido.

Rápido
cede quem olha o ar em fogo
abocanhado pelo fulgor do lobo
fúlvido

e belo.


6. Sedução

Seco o chão, e inóspito,
até que o ruivo
fogo lupino [e terno]
adejasse a poeira
e comovesse,
humano, a eira dos olhos.

Célere, a tinta da chama
umedece o pátio ínfimo,

e instala o fogo em fluxo
no corpo verde do olhar,

e clareia, ele,
breve, leve,
o mapa do escuro.


7. Salamandra

Magma, em fluido e flama,
aflora ao nervo da luz...

Lupino o homem, em zelo,
luminescência tanta
vocifera: faça-se lux.

Entro com um eu
lagártil, lânguido,

e as labaredas
abraçam cada palmo

da carne, do gesto, do som
que cedo
[túmido
de lume]
aos dentes
do fogo, do festo, do ardor

em sopro.


8. Auto de luz

Enquanto ardo
sob as garras da luz
que o lobo fluido
espalha sobre o corpo,

as lanternas dançam.

Enquanto inflamo,

as chamas nomeiam
da alegria o caminho

sob a voz da luz
que o homem ruivo
ordena, conduz, domina

lupinante e lúcido:
vibrante lamparina.


9. Fortuna

O chão, incendido
de inúmeras faíscas,
ignora o ímã do risco:

lobos mordem o abandono
e criam estepes de sombra.

O térreo iluminado, assim,
nubla-se, neblina-se
diante do destino:

a marca do lobo
doma, doura, desgasta
a falta de lume,

mas ensombra o triste
inflamado chão-corpo,
e subtrai-se, em eclipse.


10. Passagem

Belo, rubro, terno
[em pele de homem,
emblema de lobo]
ele doma o chão

túrgido de fagulhas.

Ruivo, leve, fluido,
[em olhos de lobo,
esquema de homem]
ele louva a eira

impregnada de lúmen.

Sobre o pátio, sobre o terreiro
as patas, o pelo, o porte
de um lobo iluminado e exato
a soprar o incêndio líquido:

feixe de luz, fado de lume,
feito fluxo frutífero de homem.


Vitória, 
5 de setembro de 2014


[Poema inédito reproduzido com autorização do autor.]

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Paulo Roberto Sodré, nascido em Vitória em 1962, é poeta, escritor, pesquisador e professor universitário de Literatura na Ufes, com vários livros e artigos publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui.)

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