Mostrando postagens com marcador Geografia. Mostrar todas as postagens
11/17/2016
Apresentação
Nesse manuscrito do século XVII padre Simão de Vasconcelos faz uma pequena introdução de natureza histórica sobre a capitania do Espírito Santo para depois abordar o assunto principal, descrevendo algumas espécies botânicas aqui encontradas que, segundo ele, eram muito apreciadas e valorizadas pela medicina da época.
Está esta vila em lugar igualmente defensável e cômodo para a vida humana: cercado de água, armado de penedia, horrível por natureza, habitável por arte: junto ao rio, perto da barra, senhor de pescarias, e mariscos sem número. Seus arredores são terra fértil, capaz de grandes canaviais, e engenhos; seus campos amenos, retalhados de rios e fontes; suas matas recendem, são delícias dos cheiros, bálsamos, copaíbas, almécegas, sassafrases; seus montes estão prenhes de minas de vária forte de pedrarias, de prata, e de ouro. São altíssimas as árvores do bálsamo, de troncos grossos, e estendidas ramas, que excedem muito às do célebre bálsamo da Palestina. Um gênero delas chamam os naturais cabureíba,[ 2 ] de cor cinzenta, folhas à maneira de mirto, e casca de grossura de um dedo. Esta casca, pois, golpeada no mês de fevereiro, ou março, em conjunção de Lua cheia, lança pelas feridas em vez de sangue, cópia de licor amarelo fragantíssimo, e preciosíssimo, a que chamamos bálsamo, em tanta quantidade, que corre o mundo todo, ou como sai da árvore, ou feito em obra de bolas, vasos, contas, e semelhantes peças cheirosas.
É admirável sua virtude medicinal: ele já supre uma botica de remédios humanos; resolve, digere, e conforta por intenção cálida, e seca. Duas gotas dele levadas em jejum pela boca, desfazem a asma, e cruezas do ventre e conforta as entranhas. Com ele mesmo esfregado o peito se desfazem as opilações frias; e esfregada a cabeça, e pescoço, com pano vermelho, corrobora o cérebro, preserva de apoplexia, e espasmo. Tem eficácia grande para sarar feridas e mordeduras de animais peçonhentos. Os próprios [brutos?] levados pelo instinto natural, quando estão feridos correm a esta árvore e mordendo-lhe a casca [ilegível] remédio ao seu mal. Em diversas partes do Brasil nascem estas árvores, como no Rio de Janeiro, São Vicente, e Pernambuco, porém nem em tão grande cópia nem de tão fino bálsamo, como nesta capitania.
Ao outro gênero chamam os naturais copaíba. É também [de] grandes árvores, também cinzentas, porém são maiores as folhas. Ferido o tronco até a medula, especialmente em conjunção de Lua cheia, recebem-se de licor grandes [ilegível] chamam-lhe - como à árvore - copaíba: e quando [palavras perdidas] o buraco por outro, ou mais dias; quando depois se [palavras perdidas], sai com a mesma liberalidade. O cheiro [palavras perdidas] é tão precioso, mas é igualmente medicinal que [palavras perdidas].
_____________________________
---------
© 2001 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
---------
Índios Tupiniquins. Autor: Pe. Simão de Vasconcelos Transcrição, comentários e atualização do texto: Maria Clara Medeiros Santos Neve...
Brasil (Descrição de vários arvoredos frutíferos do Brasil) e seus préstimos; Descrição da costa do Brasil e das capitanias do Espírito Santo, Pernambuco, Bahia, São Vicente, Porto Seguro e Ilhéus pelo padre Simão de Vasconcelos
![]() |
Índios Tupiniquins. |
Autor: Pe. Simão de Vasconcelos
Transcrição, comentários e atualização do texto: Maria Clara Medeiros Santos Neves
Apresentação
Nesse manuscrito do século XVII padre Simão de Vasconcelos faz uma pequena introdução de natureza histórica sobre a capitania do Espírito Santo para depois abordar o assunto principal, descrevendo algumas espécies botânicas aqui encontradas que, segundo ele, eram muito apreciadas e valorizadas pela medicina da época.
* * *
Está esta capitania em altura de 20 graus e 1/3º; distante 120 léguas da Bahia, e de São Vicente outras tantas. Foi fundada no ano de 1551 por Vasco Fernandes Coutinho, fidalgo de igual valor e nobreza, dos mais ilustres, e antigos solares de Portugal. Concedeu-lhe o Senhor Rei D. João 3º 50 léguas [ilegível] começando donde acabasse a data de Pedro de Campos, donatário de Porto Seguro, correndo ao sul, pelos serviços que na Índia fizera. Na armada que preparou e aprontou à sua custa veio ao porto que hoje chamamos de Espírito Santo, e entrando da barra para dentro à mão esquerda, junto ao monte de Nossa Senhora, lançou-se a gente naquelas praias e nelas se começou a fundar a vila, que agora tem o nome de Vila Velha, com a invocação de Espírito Santo, que foi depois o de toda a capitania. Por motivo das apertadas guerras que tiveram estes novos povoadores com os índios da nação dos guaianás, e de tupinaquis,[ 1 ] que ficaram vencidos, alguns não persistiram naquela primeira situação, mas logo depois das vitórias alcançadas contra os índios inimigos, foi mudado o sítio para outro mais seguro, e forte, onde vemos [ilegível] com a invocação da Vitória, por respeito de uma que antes se alcançou considerável, pela numerosidade de bárbaros que acometeram.![]() |
Cabureíba (Myrocarpus frondosus). |
Está esta vila em lugar igualmente defensável e cômodo para a vida humana: cercado de água, armado de penedia, horrível por natureza, habitável por arte: junto ao rio, perto da barra, senhor de pescarias, e mariscos sem número. Seus arredores são terra fértil, capaz de grandes canaviais, e engenhos; seus campos amenos, retalhados de rios e fontes; suas matas recendem, são delícias dos cheiros, bálsamos, copaíbas, almécegas, sassafrases; seus montes estão prenhes de minas de vária forte de pedrarias, de prata, e de ouro. São altíssimas as árvores do bálsamo, de troncos grossos, e estendidas ramas, que excedem muito às do célebre bálsamo da Palestina. Um gênero delas chamam os naturais cabureíba,[ 2 ] de cor cinzenta, folhas à maneira de mirto, e casca de grossura de um dedo. Esta casca, pois, golpeada no mês de fevereiro, ou março, em conjunção de Lua cheia, lança pelas feridas em vez de sangue, cópia de licor amarelo fragantíssimo, e preciosíssimo, a que chamamos bálsamo, em tanta quantidade, que corre o mundo todo, ou como sai da árvore, ou feito em obra de bolas, vasos, contas, e semelhantes peças cheirosas.
![]() |
Sassafrás ( Ocotea odorifera). |

_____________________________
NOTAS
[ 1 ] Tupiniquins.
[ 2 ] Cabreúva ou cabriúva.
---------
© 2001 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
---------
Simão de Vasconcelos nasceu em 1597, em Portugal, e veio para o Brasil em 1615, tornando-se jesuíta. Padre e professor de Humanidades, Teologia Escolástica e Moral, em 1643 assumiu a vicereitoria do Colégio da Bahia, cargo em que permaneceu por dois anos. Em 1646 toma posse como reitor do Colégio do Rio de Janeiro, reassumindo a mesma reitoria em 1670. Entre suas obras está a Vida do Venerável Padre José de Anchieta; Vida do Pe. João de Almeida da Companhia de Jesus, na província do Brasil (1658); Crônica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil e do que obraram seus filhos nesta parte do novo mundo (1663); Sermão que pregou na Bahia em o primeiro de janeiro de 1659 (1663); Notícias curiosas e necessárias das coisas do Brasil (1668).
Maria Clara Medeiros Santos Neves, coordenadora do site ESTAÇÃO CAPIXABA, é museóloga formada pela Universidade do Rio de Janeiro e pós-graduada em Biblioteconomia pela UFMG, autora do projeto do Museu Vale e de diversas publicações. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)
11/11/2016
PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO
1. Limites
A província do Espírito Santo, compreendida entre os rios Itabapoana e São Mateus nas latitudes austrais 21° 23' e 18° 45', contém, com pouca diferença, cinqüenta léguas[ 1 ] de costa de mar, que a limita pelo leste; é separada da província de Minas Gerais por uma linha de norte a sul entre os rios Guandu e Manhuaçu, uns dos que engrandecem o rio Doce. A primeira divisão e demarcação da província principiou na ponta austral do rio Mucuri até Santa Catarina das Mós, meia légua ao sul do rio Itabapoana, compreensão da carta de doação do Senhor D. João III a Vasco Fernandes Coutinho em 1525 pelos seus serviços feitos na Índia. Foi possuída pelos seus descendentes até que o Senhor D. João V a comprou a Cosme de Moura Rolim por escritura de 6 de abril de 1718, a quem pertenceu por sentença da Relação[ 2 ] da Bahia pelo falecimento do donatário Manuel Garcia Pimentel.
Por auto, celebrado em 8 de outubro de 1800, de acordo entre os governadores de Minas e desta província se regulou os limites dela pelo rio Doce e pela dita linha de norte a sul que passa pelo sertão entre ambas as províncias, o que foi aprovado por carta régia de 4 de dezembro de 1816; ignora-se, porém, a longitude desta dita linha.
Por portaria de 10 de abril de 1823 da Secretaria dos Negócios do Império ficou pertencendo São Mateus a esta província até a decisão da Assembléia, estando desligada [da província da Bahia] pela dita carta régia.
2. Atmosfera
A sua atmosfera podia passar por saudável se não aparecessem na primavera e outono febres de diferentes caracteres[ 3 ] , cuja causa se pode atribuir aos muitos lagos, ao alimento salgado, e às matas vizinhas que contornam as povoações, o que em parte se podia corrigir com esgoto daqueles e decote destas. O máximo de calor e frio nos quatro anos mais próximos não tem excedido a 88° e 63° do termômetro de Fahrenheit na cidade da Vitória, capital da província. Os ventos dominantes desde março até setembro são sul, sueste e su-sueste, e desde setembro até março são norte, nordeste e leste com algumas variações para outros quadrantes, sendo os mais prejudiciais em toda a costa [os ventos] sueste, leste e su-sueste chamados travessia[ 4 ] pelos marítimos, sendo os do mar úmidos e frios e os outros pelo contrário. As marés têm o seu máximo e mínimo nos meses de março e agosto, e a sua elevação seis para sete palmos. As geadas e neblinas são raríssimas, e de mui poucas horas, e só aparecem nas vizinhanças das montanhas com os ventos sul e leste nos meses de junho e julho. A seis para sete anos a esta parte rara é a trovoada, tendo sido, aliás, mui freqüentes. As chuvas quase têm faltado nos anos desde 1820 até 1826, o que fez tornar em pastagens o que antes eram terrenos impraticáveis, e secou regatos, aliás, em outros tempos perenes; ignoram-se as causas, sendo certo ser uma delas as contínuas derribadas de matos virgens, deixando os montes escalvados.[ 5 ] Os tempos das chuvas eram desde setembro até dezembro, mas em 1827 parece ter passado de outubro para janeiro.
3. Aspecto do país
É montanhoso, desigual, alto, cortado de rios, o terreno em geral é argiloso e areento sobre pedra quartzosa[ 6 ] e micácea,[ 7 ] oca e cascalho; [os solos são] úmidos e leves enquanto novos, mas compactos e secos depois de trabalhados e estragados pelos fogos, do qual método se não afastam. A grossura média da terra vegetal é quatro palmos.
4. Serras e montes
A costa toda da província é acompanhada por uma cordilheira de montanhas, de que como espinha dorsal fazem de vértebras todas as mais, havendo, contudo, isoladas como a serra do Mestre Álvaro, utilíssima aos navegantes por ter a propriedade de apresentar por todos os lados o mesmo aspecto, o monte Moreno, a Penha e outros muitos. Esta cordilheira se aproxima mais a Guarapari que a outro ponto da costa, e dela distará talvez oito léguas. Não consta que curioso algum investigasse a altura de algum deles, à exceção do da Penha que está acima do nível do mar 100 varas.[ 8 ] São raras as montanhas descobertas, suposto que todas em geral são riquíssimas de pedras, e talvez bem preciosas, como a serra das Esmeraldas, de que ninguém do país[ 9 ] dá notícia, mas que de fato existem. As que são cobertas e ainda incultas possuem excelentes madeiras de construção.
5. Fontes
A pouca cultura da província por pessoas de instrução tem, sem dúvida, obstado ao conhecimento das fontes e da natureza de suas águas. De maneira que apenas consta por tradição que em uma fazenda denominada Santana, pouco mais de légua distante da Cidade,[ 10 ] há um pequeno regato de águas férreas, tais asseveradas pelo ex-governador, o ilustríssimo Antônio Pires da Silva Pontes, sendo comuns as de que se servem os habitantes. A cidade da Vitória contém três: a da Capixaba, a Fonte Grande e a da Lapa, pequenos regatos que vertem entre morros contíguos, aproveitados por canos que rematam em chafarizes, mas tão pobres em tempo seco que têm chegado os moradores a mandá-las buscar em canoas no rio Marinho, quarto de légua distante da Cidade. Os mais habitantes das vilas e povoações ou se servem dos rios e regatos contíguos ou de fontes denominadas cacimbas. As águas da cidade passam por boas, não obstante principiarem ao terceiro dia de guardadas a alterarem-se, adquirindo um gosto aluminoso[ 11 ] ou nitroso.
6. Rios
A província é toda cortada de rios, em geral piscosos em abundância, tendo as suas vertentes pelos sertões de Minas e desaguando ao mar, onde tomam os nomes seguintes principiando da parte do sul.
Itapaboana – vindo da serra do Pico ou dos Guarulhos perto de Muriaé, é na sua barra de três a nove palmos[ 12 ] no máximo baixa-mar e preamar; seu fundo e margens areentas e variáveis e de largura na barra de 24 braças;[ 13 ] para cima tem mais largura e fundo, e corre de oeste a leste.
Itapemirim – formado dos rios do Castelo e Muqui, é na sua barra de 4 a 11 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar; seu fundo e margem esquerda de areia e a direita de pedra, de largura na barra de seis a sete braças, tem para cima mais largura e fundo.
Piúma – formado pelo Piúma propriamente e rio Iconha; é na sua barra de natureza do Itabapoana, é célebre pelas ilhas que tem fora da barra, que abrigam com todos os ventos todos os navios de porte; as suas matas contêm excelentes madeiras de construção e sem moradores, e por isso próprias para uma colônia.
Benevente – é na sua barra de 5 a 10 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar; sua margem direita de pedra, a esquerda de areia dura e seu fundo de lama e areia solta, a sua largura dezoito braças; corre de oeste a leste e é formado dos rios Três Barras, Pongal e Quatinga.
Guarapari – é na sua barra de 34 a 40 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar; margem de pedras e fundo de areia, de largura de trinta e cinco braças, corre de nordeste a sudoeste.
Perocão – de 3 a 9 palmos na sua barra no seu máximo baixa-mar e preamar, de largura de quatro braças, fundo e margem de areia, quinhentas braças acima tem uma ponte de madeira sobre pegões[ 14 ] de pedra e cal.
Jucu – tem a sua barra de 3 a 10 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar, de largura de quatro braças, fundo e margens de pedra, e cinqüenta braças acima tem muito maior largura e fundo; sempre tem tido ponte de madeira, mas atualmente está desconsertada.
Espírito Santo[ 15 ] – braço de mar, é um dardanelo[ 16 ] até a cidade da Vitória distante uma légua da sua barra, que tem de fundo 17 a 24 palmos no seu baixa-mar e preamar; recebe as águas do rio Santa Maria que é formado dos rios Mangaraí, Caioaba, Curubixá Mirim e Açu, São Miguel, Tauá e Jaculû, e as águas do Cariacica, e um braço do rio Jucu que é formado dos rios Tanque, Santo Agostinho, Pimentas, Manducongo e Araçatiba.
Rio da Passagem – braço de mar com ponte de pegões de pedra e cal e madeira sobreposta, de largura de vinte braças que com o rio Espírito Santo forma a ilha onde está a capital da província.
Jacaraípe – pequeno rio cuja barra se seca todas as vezes que há falta d'águas, ou ventos do mar que a entulhem d'areias, mas navegável para o sertão por espaço de cinco léguas.
Nova Almeida – recebe o rio Sauanha, é de 10 a 16 palmos de fundo na sua barra no máximo baixa-mar e preamar, margem e fundo d'areia, de largura de 25 braças, corre de sudoeste a nordeste, acima tem mais largura e fundo.
Aldeia Velha – de largura de 90 braças, de 10 a 16 palmos de fundo na sua barra no máximo baixa-mar e preamar, fundo e margem de areia, e corre de oeste a leste, e é formado do Piraquê-açu e Piraquê-mirim, da esquerda e margem direita.
Riacho – formado do pequeno rio Comboios e das lagoas seguidas e continuadas do Campo do Riacho, de Aguiar e de Anadia, tem a sua barra de 3 a 8 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar, margens e fundo de areias e pedras, de largura de quatro braças, corre de oeste a leste.
Rio Doce – de largura de um quarto de légua pouco mais ou menos na sua barra, e de 16 a 20 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar, de muita velocidade, de margens de areia e fundo de areia e lama, cheio de baixios e ilhas acima da barra, corre de oeste a leste, recebendo da parte direita as águas dos rios Preto, Anadia, Santa Joana, rio d'Alva, e da parte esquerda dos rios Juparanã, Juparanã-mirim, Pancas, Santo Antônio, São João e Mutum, ficando todos do Porto de Souza para baixo, [local situado a] vinte léguas da barra e daí para cima recebe as águas de outros rios como Manhuaçu, Guandu no território desta província, o ribeirão do Carmo, etc. da província de Minas.
Barra Seca – pequeno rio que nasce no rio Mariricu, um dos que deságuam em São Mateus, e da mesma natureza do Jacaraípe respeito à barra.
São Mateus – formado do rio Mariricu, que vem da lagoa Juparanã, e dos rios Itaúnas, São Domingos e Santana, sendo o primeiro da parte direita; tem na sua barra 6 a 12 palmos d'água no máximo baixa-mar e preamar, margens e fundo de areia, e mudável o seu canal de largura de seis braças; a largura do rio é de 25 braças, e corre do oeste a leste.
Cada um destes rios, nos quais nada tem a arte feito em benefício seu, serão talvez formados por muitos outros, cujo número, situação e nomes se ignoram, bem como os seus produtos pouco ou nada explorados até esta época.
7. Portos e enseadas
Todos os rios acima oferecem portos de desembarque mais ou menos consideráveis em razão do fundo das suas barras, havendo nalgumas delas enseadas, bem como a enseada de Itapemirim cheia de baixios e pedras; de Piúma excelente abrigo para todas as embarcações e com todos os ventos; a de Benevente de pouco fundo; a de Guarapari não abrigada, mas de bom fundo para entrar a barra, excetuando de noite, pelo que se verá no número oito; a de Perocão inabrigável[ 17 ] pelas pedras ocultas e baixios; a de Nova Almeida de baixios e pouco fundo; a de Aldeia Velha de bom fundo, mas de pedras e baixios; a do rio Doce, de nome Concha, boa para fundear toda a qualidade de barcos, mas com bonança ou nordeste; a de São Mateus de bom fundo, onde se espera para entrar ventos ou enchentes.[ 18 ]
Há além destas as seguintes enseadas: a de Itabapoana, três léguas ao norte da barra deste rio, espaçosa, mas de baixios e pedras, podendo fundear quaisquer barcos na distância de duas léguas da praia; a de Ubu, duas léguas ao norte de Benevente, insignificante e de pouco fundo; a de Meaípe duas léguas ao sul de Guarapari, mas de pouco fundo e inabrigável com vento sul; a de Una duas léguas ao norte de Guarapari e a da Ponta da Fruta quatro léguas; a da Costa meia légua ao sul do Espírito Santo; a de Piraém uma légua ao norte do Espírito Santo; a de Carapebus duas léguas; a de Jacaraípe cinco; a de Capuba seis léguas ao norte do Espírito Santo; a de Flecheiras uma légua ao norte de Nova Almeida — são todas insignificantes por cheias de baixios e pedras. Em geral, todas as enseadas acima se não podem demandar sem risco, sem prático[ 19 ] delas.
8. Ilhas
Em Itapemirim há duas ilhas fora da barra, uma denominada dos Ovos fronteira a ela, e outra denominada Escalvada ao norte dela. Três léguas ao norte do rio Itabapoana, meia légua distante da praia, há a ilha das Andorinhas, pequena, mas agricultada pelo destacamento das Barreiras, que está defronte aquartelado. Neste lugar constantemente aparecia gentio e fazia estrago nos passageiros, o que se corrigiu com este destacamento, do qual saem dois soldados armados a encontrar com quem avistam, tanto de uma parte como de outra, e o acompanham até ficar livre de perigo.
Piúma tem duas ilhas defronte da barra, e a ilha do Francês ao sul dela. Esta ilha continha um poço natural e de mui boa água, e foi mandada atulhar em 1827 pelo Comandante de Itapemirim por se terem dela servido os piratas que infestaram a costa este ano. Guarapari tem a Rasa, Escalvada, outra à terra dela de nome Raposa, e duas pedras alagadas que se descobrem com a maré ao nordeste da Escalvada denominadas Feiticeiras, por causa das quais se não pode à noite demandar este porto. Perocão, ao norte, tem três ilhas e muitas pedras descobertas. Jucu tem uma ilha a leste da barra e entre esta e a barra do Espírito Santo existem as seguintes: Tanguetá, Itatiaia, Pitauã, Jorge Fernandes e Pacotes. O Espírito Santo tem as ilhas do Boi e dos Frades e pelo rio acima se encontram várias; a dos Frades é agricultada. Nova Almeida tem quatro ilhas defronte da barra; a que está à terra se denomina Raposa e as outras mais ao mar, Três Irmãos. Todas estas ilhas são inabitadas[ 20 ] e de pouca consideração pela sua grandeza e produtos, sendo a maior parte de pedras e não produzindo mais que pequenas matas, cardos e musgos.
9. Lagos e pântanos
Sendo os lugares cultos[ 21 ] da província a costa do mar, de que talvez se não tenham apartado os moradores três léguas, e pelas margens do rio acima quando muito em alguns lugares dez léguas, só se conhecem os lagos que nestes sítios estão, e são os seguintes. Lagoa Salgada ao sul de Itabapoana, junto ao mesmo rio. Morobá, duas léguas ao norte de Itabapoana, junto ao mar. Tabua, meia légua ao norte de Morobá. Tiririca, meia légua ao norte de Tabua. Cocolocage, quarto de légua ao norte de Tiririca. Campinho, quarto de légua distante da Cocolocage ao norte. Siri, quarto de légua distante do Campinho ao norte. Lagoa d'Anta, perto de meia légua do Siri para o norte. Lagoa Funda, quarto de légua distante da antecedente da parte do norte. Piabanha, meia légua ao norte de Itapemirim. Iriri, meia légua ao norte de Piúma. Maimbá, duas léguas ao norte de Benevente. Abaí, meia légua ao norte de Maimbá. Lagoa de Meaípe, quarto de légua ao norte de Abaí. Graçaí, meia légua ao norte de Meaípe. Lagoa do Campo do Riacho, quatro léguas ao norte de Aldeia Velha, e duas distante do mar; esta se comunica com a lagoa de Aguiar, meia légua para o oeste. Juparanã, sete léguas distante do mar e uma do rio Doce da parte do norte é a mais célebre pela sua grandeza, que tem pelo menos uma légua e meia de diâmetro. Juparanã-mirim, distante desta três léguas [para o lado contrário] do mar e contígua ao rio Doce. Lagoa de Aviz, meia légua ao norte do rio Doce, e oito distante da barra. Lagoa dos Patos, na mesma margem e para o mar distante da antecedente um quarto de légua. Juparanã da Praia, contígua ao mar e duas léguas ao norte do rio Doce.
Todos estes lagos abundam de peixe e nunca secam; é bem provável que pelo interior não haja poucos, os quais inda são desconhecidos, sendo todos acima de água comum, à exceção de Juparanã, que se diz conter muito antimônio.
Não há pântanos memoráveis mais que algumas pequenas margens destas lagoas; há porém alguns lugares paludosos em terrenos tão balofos que qualquer corpo, entrando neles de súbito, quase desaparece; tais são as vertentes do rio Mariricu e rio Preto, e a margem do meio-dia[ 22 ] da lagoa Juparanã. Em geral, há imensos brejos pelas margens dos rios e lagoas e entre montes, que produzem juncos, tabuas, lírios e tiriricas, em algumas das margens, dos quais se fazem belas plantações de arroz. Nas margens do mar tais brejos estão cheios de mangues de diferentes qualidades.
Com bem pouco trabalho se podiam tornar estes terrenos excelentes para as lavouras e criação, o que se não faz ou por indolência, ou pela abundância de terras.
10. Planícies baldios e matas
Bem como as montanhas, possui também a província muitas planícies, sendo em geral as margens dos rios tão próprias para a agricultura como para a criação, mas as mais notáveis pela sua extensão são as seguintes. A Muribeca, de nove léguas de costa de mar e seis de largo mais ou menos, pertencente à fazenda do mesmo nome junto ao rio Itabapoana. Campo da vila do Espírito Santo,[ 23 ] baldio de duas léguas de extensão em comprimento e uma de largura, de que se servem os moradores vizinhos para a criação. Carapina, distrito da Cidade, tem um baldio de três léguas de extensão e uma de largura, de que se servem os moradores contíguos para criação. Desde o rio Doce até São Mateus há um baldio de vinte léguas, de imenso gado montado,[ 24 ] nenhuma parte dele é empregada em cultura nem criação; o Marquês de Baependi aqui possui uma sesmaria de três léguas que as houve por compra. O Campo do Riacho possui um baldio de duas léguas em quadra, de que se servem os índios tanto para plantações como criação.
À exceção do que está descrito, quase tudo o mais são matas virgens, e riquíssimas em madeiras de toda a qualidade e de outros mil produtos incógnitos até esta época, e só habitadas por feras e selvagens. [Como] muitos anos de esforço por hábeis naturalistas não seriam suficientes para a completa descrição dos produtos vegetais, referirei das madeiras indígenas as mais triviais, e geralmente conhecidas no país. Madeiras de construção da ribeira: sucupira, maraçanatiba, grapiapunha, jataí-peba, caubi, pequi, guaiti, sapucaia-mirim, guanandi-carvalho, sobro, peroba, amarelo, tapinhoã, canela, araribá, angelim, cerejeira, sapucaia-açu e camará. Madeiras de construção de edifícios civis: inhuíba de rego, dito[ 25 ] pimenta, dito cheirosa, dito funcho, dito canela, dito tapinhoã, cedro, guaticica, guarabu-roxo, dito mirim, imbiriba, ubatinga, caingá, bicuíba, paraju, maçaranduba, arariba, caixeta, jequitibá, ouri, taicica-roxa, ubapeba, pequiá de duas qualidades, ipê, paratudo, ingá, óleo, cubixá, aderno, faia, guaraná, pimentinha, brasil, tatagiba, vinhático, roxinho, jacarandás de diferentes qualidades, jiriquitim, louro, guarabu-açu semelhante ao sebastião-arruda, [mas que] em lugar de vermelho tem as ondas sobre-escuras.
11. Sesmarias
O governo, por carta régia de 17 de janeiro de 1814, é autorizado para conceder sesmarias[ 26 ] e, com efeito, as tem concedido [em número de] cento e setenta e quatro, sendo cada uma de meia légua quadrada[ 27 ] (excetuando algumas) das quais a maior parte não está nem cultivada, nem confirmada,[ 28 ] pertencendo todas a súditos brasileiros.
No rio Doce e margens de Juparanã estão concedidas oitenta e duas, das quais apenas são cultivadas duas, e nenhuma confirmada. Em Monsarás há duas não confirmadas. Em Aldeia Velha, compreendendo a povoação do Riacho e Nova Almeida, há uma toda cultivada de doze léguas [de comprimento] e seis de fundo pelo sertão, concedida a 6 de novembro de 1610 pelo donatário Manuel Garcia Pimentel aos índios destas aldeias, confirmada pelo alvará de 2 de janeiro de 1759; há dentro desta uma de meia légua concedida pelo governo em razão de não estar por eles cultivada, a qual inda não está nem cultivada, nem confirmada. Na freguesia da Serra há sete cultivadas, mas uma só confirmada. No termo da Cidade há quatorze cultivadas, mas só quatro confirmadas.
Na povoação de Viana, à esquerda do rio Santo Agostinho, há cinqüenta [sesmarias] de 112 braças de testada e 500 de fundo cada uma concedida pelo governo em 1812 aos colonos vindos das ilhas dos Açores por ordem da polícia de 17 de novembro daquele ano, as quais são cultivadas e confirmadas; há mais seis não confirmadas, porém cultivadas, pertencentes aos descendentes dos mesmos.
Em Guarapari há uma só cultivada, mas não confirmada. Em Benevente[ 29 ] há dez cultivadas, e destas só duas confirmadas. Em Itapemirim há seis cultivadas, e destas só três confirmadas. Na Estrada de Minas há uma só, de quarto de légua, cultivada e não confirmada.
O cumprimento exato das leis relativas a sesmarias talvez pusesse a maior parte delas em mãos de quem as trabalhasse e cultivasse.
Há na província porções de território denominados indivisos,[ 30 ] isto é, terrenos em que muitos têm posse sem saberem o quantum nem o ubi,[ 31 ] mas as porções lavradas deles lhes pertencem particularmente, e só as perdem passando 10 anos sem as cultivar. Desta sorte cada um dos possuidores procura lavrar muitas terras para lhes chamar suas, e com elas crescendo a ambição, e não podendo cultivar tantas, se tornam capoeiras; outro as roça com o mesmo intento — eis a origem das demandas em que se despedaçam, puxando cada um todas as pontas, que lhe subministra[ 32 ] a sua ambição e a chicana[ 33 ] ordinária. O meio de evitar tais pleitos era demarcar e dividir o indiviso na proporção do que cada um tem nele. Esta divisão não pode ser feita por juízes leigos, e só o poderia ser sendo geômetra, e por isso seria bom haver para este fim um juízo privativo, para que tais divisões se fizessem de modo que cada um tivesse igual parte nas vantagens, inconvenientes e desigualdade das terras, e no bem ou mal que produzem, sendo preciso que em terras variáveis e sujeitas a inundações as porções desiguais em quantidade difiram em qualidade: uma braça de terra, por exemplo, que produz 100 por 1 equivale a duas que produzam 50 por 1. Por tal juízo se devem fazer as medições, e não se confiar em simples pilotos[ 34 ] e infiéis bússolas e cordas.[ 35 ] Seria também muito bom que ninguém chamasse sua certa porção de terras sem ter a planta delas, registrada no mesmo juízo onde se notariam as vendas e compras; e da reunião destas cópias se formaria exata e insensivelmente a topografia do país. Para se fazer alguma idéia basta dizer que o indiviso que pertence a vários, fuão[ 36 ] tem 1$000 réis[ 37 ] e fuão tem 16$000 réis, e outro tem igual, maior ou menor parte, e com igual direito; ignora-se se em outras províncias do Império acontece o mesmo. Os indivisos mais notáveis são os seguintes: Campo Grande de 4 léguas quadradas com pouca diferença, Carapina e Laranjeiras 3 quadradas, Costa da Praia 2 léguas quadradas, Curipé e Mulundu duas quadradas, e quase todo o terreno da ilha da Vitória que contém ¾ de légua quadrada.
Além das terras ditas há as fazendas do Conde de Vila Nova de São José junto ao rio de Guarapari de 4 léguas de costa de mar; a Muribeca de 9 léguas de costa de mar e 8 de fundo; a fazenda dos Falcões denominada Araçatiba, de 2 léguas quadradas à margem do Jucu e a fazenda Jacaruaba de 2 e ½ léguas de comprimento e 2 de largura, que foram dos extintos jesuítas, e provavelmente concedidas pelos donatários, como sempre o fizeram, dando, aforando e vendendo como lhes convinha qualquer parte do território e marinhas.
As câmaras se arrogaram o direito de conceder foros sem princípio ou motivo, mas este procedimento foi mandado obstar pelo governo.
12. Agricultura
É a agricultura em que se emprega a mor parte dos habitantes da província, onde com preferência se cultiva a cana-de-açúcar, mandioca, algodão, milho, café, feijão e arroz; o único meio de preparar as terras para este fim é roçar, derribar, queimar, depois de secas suficientemente, e plantar.
Preferem-se as terras baixas e alagadiças para arroz, e matos virgens para mandioca, porque nestes são mais volumosas as raízes e se conservam mais tempo incorruptíveis quando a falta de tempo não lhes permite colher no próprio, além de que em matos virgens se faz até três plantações sem incômodo das formigas, que em terra velha não deixa vicejar a planta; quanto para as mais plantações todo o terreno é bom, com pouca diferença.
O valor das terras é mui variável e dependente do seu estado, da sua posição e do seu benefício, podendo-se computar em 500$000 réis uma sesmaria de meia légua quadrada. As primeiras plantações se fazem de março até abril, e as segundas de setembro até outubro, não esquecendo a lua nova que muitos querem que influa nelas. A sua colheita se faz sem a menor arte.
Os transportes se fazem em carros com bois, em cargas com animais cavalares e a maior parte se transporta em canoas símplices.[ 38 ]
Os instrumentos de que se servem para as plantações são enxadas, foices, facões e machados.
Os agrícolas pouco ou nada se empregam em plantas alimentárias; sem embargo fazem alguns mais curiosos suas plantações de abóboras, alfaces, batatas, couves, ervilhas, favas, mostardas, inhames, repolhos, pepinos, melões, melancias, ananases, mandubis,[ 39 ] gergelins, bananeiras de árvores frutíferas, laranjeiras, limeiras, limoeiros, cidreiras e figueiras, mangueiras, jaqueiras, romeiras, tamarindos, coqueiros de diferentes qualidades, sendo espontâneas as goiabeiras e cajueiros, agriões, beldroegas, bredos, serralhas e erva-moura.
Acham-se também muitas plantas medicinais como artemísia, alecrim, arruda, malvas, avenca, babosa, alfazema, mechoacão ou batata-de-purga, boas-noites, salsaparrilha, cardo-santo, cocleária, mastruço, chicória, dormideira, endro, saião, feto-macho, grama, erva-de-bicho ou cataia, erva-capitão, lírio-de-florença, quina, labaça-aguda, língua-de-vaca, orjevão, parietária, sabugueiro, salsa-da-praia, tanchagem, trevo-azedo, balsameira, almecegueira, fedegoso, pau-de-óleo, pariparoba ou capeba, poaia, joanésia, copaibeira, bicuíba, pinhão-purgante, jandiroba-oleoso, fumo-bravo ou saçoaiá ou erva-colégio, mentrasto, maririçó, cordão-de-frade, bucha-dos-paulistas; especiarias como a alfavaca, alhos, manjeronas, baunilha, salsa, cebolas, coentro, erva-doce, gengibre, hortelã, pimentas de todas as qualidades, pau-cravo, cuja casca tem o próprio aroma de cravo-da-índia.
Também se acham em algumas hortas as flores boninas, bem-me-queres, malmequeres, saudades, cravos, cravelins, cravos-de-defunto, esporas, jasmins, girassol, melindres, perpétuas, rosas cheirosas e da índia, suspiros, angélica, sensitivas, açucenas e alecrim.
Também se acham tinturarias como açafrão e casca de arariba que produzem escarlate com pedra-ume; urucum e a casca de aroeira, que produzem vermelho; tatagiba que produz amarelo; guaraúna, cujo cozimento é preto; pacoba que produz roxo; pau-brasil e casca do ingá que produzem vermelho; casca de sapucaia-mirim que faz roxo, e com lama faz preto; fruta do pau-ferro que é talvez a verdadeira noz-de-galha; o anil, que já aqui se fabricou muito e se desusou este ramo de comércio porque houve anos em que as folhas foram todas estragadas por nova espécie de insetos, que talvez agora não apareçam; um arbusto no Porto de Souza cuja maceração das folhas produz lindíssimo roxo, não se lhe sabe o nome e nem se descreve por falta de tempo, e não se achar com prontidão que se deseja.
Também se encontram plantas venenosas como o tingui, tipi, oficial-de-sala, esponja, aqui chamada coronha-triste[ 40 ] e outras muitas.
As de fiação são as seguintes: algodão, tucum, gravatá e piteira. O tempo de florescência é em setembro e da maturação, abril e maio. Viveiros de plantas unicamente se faz para café, que desta província não é o melhor, e de fumo, que também se cultiva no país, sendo tão pouco que é gênero que inda se importa. São nocivas às plantações a paca, o caititu, a cotia, os porcos-do-mato, os guaxinins, a maitaca, a nandaia, o papa-juá, que comem as espigas de milho e algodão antes de sazonado,[ 41 ] o grumará e a rola que arrancam o grão do milho e do arroz quando começa a nascer, o papa-arroz que o come desde que começa a granizar,[ 42 ] as lagartas de diferentes cores, a formiga, que é imensa, o grilo, o tortulho, que debaixo da terra se transforma em inseto e come a raiz das plantas, o gorgulho, de nome provisório, de figura de um percevejo preto que se cria no feijão e o arrasa, e finalmente a broca que fura todo o pau. Ora, estes inimigos, o sistema de queimar as terras depois de escalvadas, a nenhuma arte de adubá-las faz que seja módico o rendimento da lavoura que já seria nulo se não houvesse ainda muitas matas a derribar e queimar, isto é, para estragá-las.
Não há estabelecimento algum de agricultura e coudelaria.[ 43 ]
O milho produz 50 por um alqueire[ 44 ] e custa em termo médio 440. O arroz 100 por um alqueire que custa a 320. O feijão 40 por um alqueire que custa 1$200, e o algodão 25 por uma arroba[ 45 ] que custa 960 réis. O arroz se planta com palmo e meio de intervalo, o feijão com três palmos, o milho com cinco e o algodão com seis; donde se vê que há desvantagem em plantar algodão, mas é compensada porque quando se planta o milho ou feijão, se planta o algodão, e este fica quando algum daqueles se colhe. A braça quadrada dá nove covas de mandioca; dezesseis covas dão um alqueire. Um carro de cana caiana plantada dá vinte e cinco carros; cada carro de cana dá duas arrobas de açúcar. Um carro de milho descascado dá vinte alqueires. O feijão, arroz e milho dão de três meses; o algodão e mandioca de ano, e a cana de ano e meio.
Tal ou qual particular tem em sua casa dois ou três cortiços,[ 46 ] talvez só por ter. Pela Tabela da Exportação ao fim se vê que os gêneros produzidos excedem às necessidades do país.
13. Animais
Uma parte dos lavradores se emprega também na criação do gado de diferentes espécies, de maneira que há na província, com pouca diferença, oito mil cabeças de gado vacum, dos quais se mata semanalmente nos açougues 10. Nenhuns são empregados na lavoura, mas do gênero masculino, que serão três mil e quinhentos, se empregaram mil e quinhentos em fábricas de açúcar e algumas conduções em carros. O seu alimento ordinário é o capim, que nasce naturalmente nos baldios ou em prados artificiais, nos quais se têm sem separação alguma, nem de sexo, nem de idade. O preço médio de um boi é 14$000 réis e o seu peso oito arrobas; o preço de uma vaca é 12$000 e seu peso seis arrobas. As suas moléstias são a bicheira, procedente de qualquer arranhadura, onde as moscas depositam os seus ovos, donde saem as varejas[ 47 ] que, estimulando e correndo as carnes, chegam a aumentar a chaga, emagrecer e matar o animal — a sua cura ordinária é o mercúrio doce que as mata; a papeira, que é uma inflamação na mandíbula inferior que cresce e faz emagrecer o gado até morrer — a sua cura é queimar com ferro em brasa e curar a chaga resultante com algum dessecante, ou folha, ou casca adstringente como a de aroeira ou outra qualquer; o carbúnculo, que faz inchar o gado e morrer ficando com as unhas abertas — ignora-se remédio para este mal; a falta de pastos faz também que o gado sôfrego não escolha pasto e assim come com ele ervas venenosas que o matam. O gado cavalar em ambos os sexos monta a 1.060, sendo do gênero feminino 430, e o preço médio destes é a 20$000 réis e daqueles 32$000; as suas espécies são guinilhas,[ 48 ] mestiços e sendeiros;[ 49 ] o seu sustento é igual ao do gado vacum, nenhum é empregado em fábricas, tais e quais se empregam em cargas, e tal ou qual é ferrado e de estrebaria.
O gado muar em ambos os sexos não excede a 100, o seu preço médio 32$000 réis, metade se emprega em fábricas e metade em transportes. O gado caprino há 200 de ambas as espécies, nenhum se mata nos açougues e o seu preço é 1$280 [réis]. Gado ovelhum há dois mil, nenhum vai ao açougue e o seu preço é 1$000 réis. Porcos há 800, é raro o que vem ao açougue, seu preço 8$000 réis e a libra[ 50 ] a 60 réis.
As galinhas de ambos os sexos custam a 480 réis e há 4.000 cabeças, e poucas as chamadas da índia. Patos custam a 320 e há 1.000. Perus custam a 880 réis e há 200. Marrecos custam a 320 e há 1.000. Capões custam a 560 e há 100. Frangos custam a 120 e há 6.000. Pombos custam a 120 e há 300.
Há na província muitos animais de caça, sendo os mais triviais macacos de diferentes espécies, raposas, onças, quatis, lontras, ouriços, lebres, coelhos, veados, porcos-do-mato, tamanduás, preguiças, antas, tatus, cotias; araras, papagaios, garças, mergulhões, pombas; tartarugas, cágados, lagartos. Também há muitos [animais] de pesca como são a arraia, peixe-prego, lixa, tubarão, cação, moréia, peixe-rei, peixe-espada, pescadas, galos, gudião, sarda, cavala, carapiá, salmonete, cabrinha, cornuda, tainhas, sardinhas. Insetos: besouros de diferentes qualidades, carochas, baratas, gafanhotos, grilos, louva-a-deus, percevejos, borboletas de todas as qualidades, traças, vespas de diferentes qualidades, abelhas, formigas, moscas, mosquitos, piolhos, pulgas, escorpião, lagostas, camarões. Vermes: minhocas, sanguessugas, lesmas, polvos, estrelas-do-mar e ouriço-do-mar, berbigão, mexilhão, búzios, caracóis, conchas, esponjas. Répteis: sapos, rãs, cobras de diferentes qualidades. Além dos acima mencionados existem muitos cuja zoologia ocuparia muitos anos e, talvez, muitos volumes.
14. Minas e pedreiras
Ao ex-capitão-mor desta província João de Velásquez Molina em 1693 foi anunciada a existência de ouro nas margens do rio Doce, junto ao córrego do Ouro Preto, e lhe foram apresentadas três oitavas dele que, recebendo a câmara, mandou fazer duas memórias:[ 51 ] uma para o capitão-mor e outra para o anunciante Antônio Dias Arzão, natural de Taubaté, homem empreendedor, que se recolhia[ 52 ] desse sítio com cinqüenta homens de sua comitiva; nesta ocasião se lhes prestaram o que lhes era necessário para nova entrada dos sertões. Esta foi a primeira descoberta de ouro nesta província.
Pedro Bueno Cacunda descobriu as Minas do Castelo em 1732 às margens do rio Itapemirim, doze léguas da barra, e participando ao capitão-mor desta vila, este lhe mandou ali estabelecer um arraial, nomeando provedor, tesoureiro e escrivão para melhor arrecadação dos direitos, e como trabalhavam sem arte alguma, dificultando-se a extração deste metal, e sendo incomodados do gentio, se foram retirando, de sorte que atualmente nenhum morador tem. É de fato ter recebido a extinta Provedoria em 1738 cento e vinte e uma oitavas. Consta que chegaram a ter cinco povoações, cuja maior parte formaram a vila de Itapemirim.
Em 1614 Marcos de Azeredo Coutinho foi encarregado por Sua Majestade (que então governava Portugal) com promessas de mercês de descobrir as Minas das Esmeraldas de que lhe tinha pessoalmente mostrado as amostras; e em 1644 ordenou Sua Majestade Fidelíssima a Francisco do Souto Maior auxiliasse o descobrimento e entabulamento[ 53 ] das ditas minas, de cuja existência estava informado, podendo levar os dois filhos de Marcos de Azeredo, os padres Inácio de Siqueira e Francisco de Moraes, e os índios que precisassem com licença dos padres; ignora-se porém o resultado de tais comissões, e só se sabe que o dito Marcos faleceu em 1618. São estas as únicas notícias que há de minas na província, sendo certo haver muitos e muitos lugares mais ou menos ricos de ouro, especialmente nas vertentes dos rios que deságuam no Jucu, no Juparanã, nas cabeceiras de Itapemirim, nas vertentes de Santa Maria, rio Castelo, etc. e ouro muito, e muito puro.
Não consta de minas de ferro, pois alguma pedra que contém algum óxido é em tão pequena quantidade, que não faz supor existência deste metal; nem tão pouco consta de outro algum mineral. É muito provável haverem muitos produtos, e talvez abundantes, o que se não tem explorado, sendo muito triviais cristais de rocha, com algumas variedades como ametistas.
15. Curiosidades naturais
No rio Doce foi achada uma figura petrificada de homem com mãos na cintura por João Felipe de Almeida Calmon, ignora-se a sua perfeição, e o gênero de pedra, e se existe.
Em 1815 foi achado um hipopótamo da grandeza de um cavalo, e com cauda de sete varas no rio da vila nova de Almeida, encalhado com a vazante.
Em muitos lugares da província há grutas, que não têm aqui lugar por nada conterem de notável nem pela sua regularidade e forma, nem pela matéria de que são formadas, servindo até aqui de asilo de alguns escravos fugidos, bem como a conhecida no morro da Lapa denominada de Pai Inácio. Quantos destes objetos terão sido desprezados pela ignorância!
_____________________________
[Reprodução autorizada por Fernando Achiamé.]
---------
© 1978 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
---------
Fernando Achiamé
,
Geografia
,
História
,
História / Sociologia
,
Inácio Acióli de Vasconcelos
,
Memória estatística
,
0
Comentários
Vitória, 1860. Foto de Jean Victor Frond. Autor: Inácio Acióli de Vasconcelos Edição de Texto, Estudo e Notas: Fernando Achiamé...
Memória estatística da província do Espírito Santo escrita no ano de 1828
Edição de Texto, Estudo e Notas: Fernando Achiamé
Les meprises d'un impartial excitent une
discussion d'où sortira la lumière de la vérité
PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO
1. Limites
A província do Espírito Santo, compreendida entre os rios Itabapoana e São Mateus nas latitudes austrais 21° 23' e 18° 45', contém, com pouca diferença, cinqüenta léguas[ 1 ] de costa de mar, que a limita pelo leste; é separada da província de Minas Gerais por uma linha de norte a sul entre os rios Guandu e Manhuaçu, uns dos que engrandecem o rio Doce. A primeira divisão e demarcação da província principiou na ponta austral do rio Mucuri até Santa Catarina das Mós, meia légua ao sul do rio Itabapoana, compreensão da carta de doação do Senhor D. João III a Vasco Fernandes Coutinho em 1525 pelos seus serviços feitos na Índia. Foi possuída pelos seus descendentes até que o Senhor D. João V a comprou a Cosme de Moura Rolim por escritura de 6 de abril de 1718, a quem pertenceu por sentença da Relação[ 2 ] da Bahia pelo falecimento do donatário Manuel Garcia Pimentel.
Por auto, celebrado em 8 de outubro de 1800, de acordo entre os governadores de Minas e desta província se regulou os limites dela pelo rio Doce e pela dita linha de norte a sul que passa pelo sertão entre ambas as províncias, o que foi aprovado por carta régia de 4 de dezembro de 1816; ignora-se, porém, a longitude desta dita linha.
Por portaria de 10 de abril de 1823 da Secretaria dos Negócios do Império ficou pertencendo São Mateus a esta província até a decisão da Assembléia, estando desligada [da província da Bahia] pela dita carta régia.
2. Atmosfera
A sua atmosfera podia passar por saudável se não aparecessem na primavera e outono febres de diferentes caracteres[ 3 ] , cuja causa se pode atribuir aos muitos lagos, ao alimento salgado, e às matas vizinhas que contornam as povoações, o que em parte se podia corrigir com esgoto daqueles e decote destas. O máximo de calor e frio nos quatro anos mais próximos não tem excedido a 88° e 63° do termômetro de Fahrenheit na cidade da Vitória, capital da província. Os ventos dominantes desde março até setembro são sul, sueste e su-sueste, e desde setembro até março são norte, nordeste e leste com algumas variações para outros quadrantes, sendo os mais prejudiciais em toda a costa [os ventos] sueste, leste e su-sueste chamados travessia[ 4 ] pelos marítimos, sendo os do mar úmidos e frios e os outros pelo contrário. As marés têm o seu máximo e mínimo nos meses de março e agosto, e a sua elevação seis para sete palmos. As geadas e neblinas são raríssimas, e de mui poucas horas, e só aparecem nas vizinhanças das montanhas com os ventos sul e leste nos meses de junho e julho. A seis para sete anos a esta parte rara é a trovoada, tendo sido, aliás, mui freqüentes. As chuvas quase têm faltado nos anos desde 1820 até 1826, o que fez tornar em pastagens o que antes eram terrenos impraticáveis, e secou regatos, aliás, em outros tempos perenes; ignoram-se as causas, sendo certo ser uma delas as contínuas derribadas de matos virgens, deixando os montes escalvados.[ 5 ] Os tempos das chuvas eram desde setembro até dezembro, mas em 1827 parece ter passado de outubro para janeiro.
3. Aspecto do país
É montanhoso, desigual, alto, cortado de rios, o terreno em geral é argiloso e areento sobre pedra quartzosa[ 6 ] e micácea,[ 7 ] oca e cascalho; [os solos são] úmidos e leves enquanto novos, mas compactos e secos depois de trabalhados e estragados pelos fogos, do qual método se não afastam. A grossura média da terra vegetal é quatro palmos.
4. Serras e montes
A costa toda da província é acompanhada por uma cordilheira de montanhas, de que como espinha dorsal fazem de vértebras todas as mais, havendo, contudo, isoladas como a serra do Mestre Álvaro, utilíssima aos navegantes por ter a propriedade de apresentar por todos os lados o mesmo aspecto, o monte Moreno, a Penha e outros muitos. Esta cordilheira se aproxima mais a Guarapari que a outro ponto da costa, e dela distará talvez oito léguas. Não consta que curioso algum investigasse a altura de algum deles, à exceção do da Penha que está acima do nível do mar 100 varas.[ 8 ] São raras as montanhas descobertas, suposto que todas em geral são riquíssimas de pedras, e talvez bem preciosas, como a serra das Esmeraldas, de que ninguém do país[ 9 ] dá notícia, mas que de fato existem. As que são cobertas e ainda incultas possuem excelentes madeiras de construção.
5. Fontes
A pouca cultura da província por pessoas de instrução tem, sem dúvida, obstado ao conhecimento das fontes e da natureza de suas águas. De maneira que apenas consta por tradição que em uma fazenda denominada Santana, pouco mais de légua distante da Cidade,[ 10 ] há um pequeno regato de águas férreas, tais asseveradas pelo ex-governador, o ilustríssimo Antônio Pires da Silva Pontes, sendo comuns as de que se servem os habitantes. A cidade da Vitória contém três: a da Capixaba, a Fonte Grande e a da Lapa, pequenos regatos que vertem entre morros contíguos, aproveitados por canos que rematam em chafarizes, mas tão pobres em tempo seco que têm chegado os moradores a mandá-las buscar em canoas no rio Marinho, quarto de légua distante da Cidade. Os mais habitantes das vilas e povoações ou se servem dos rios e regatos contíguos ou de fontes denominadas cacimbas. As águas da cidade passam por boas, não obstante principiarem ao terceiro dia de guardadas a alterarem-se, adquirindo um gosto aluminoso[ 11 ] ou nitroso.
6. Rios
A província é toda cortada de rios, em geral piscosos em abundância, tendo as suas vertentes pelos sertões de Minas e desaguando ao mar, onde tomam os nomes seguintes principiando da parte do sul.
Itapaboana – vindo da serra do Pico ou dos Guarulhos perto de Muriaé, é na sua barra de três a nove palmos[ 12 ] no máximo baixa-mar e preamar; seu fundo e margens areentas e variáveis e de largura na barra de 24 braças;[ 13 ] para cima tem mais largura e fundo, e corre de oeste a leste.
Itapemirim – formado dos rios do Castelo e Muqui, é na sua barra de 4 a 11 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar; seu fundo e margem esquerda de areia e a direita de pedra, de largura na barra de seis a sete braças, tem para cima mais largura e fundo.
Piúma – formado pelo Piúma propriamente e rio Iconha; é na sua barra de natureza do Itabapoana, é célebre pelas ilhas que tem fora da barra, que abrigam com todos os ventos todos os navios de porte; as suas matas contêm excelentes madeiras de construção e sem moradores, e por isso próprias para uma colônia.
Benevente – é na sua barra de 5 a 10 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar; sua margem direita de pedra, a esquerda de areia dura e seu fundo de lama e areia solta, a sua largura dezoito braças; corre de oeste a leste e é formado dos rios Três Barras, Pongal e Quatinga.
Guarapari – é na sua barra de 34 a 40 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar; margem de pedras e fundo de areia, de largura de trinta e cinco braças, corre de nordeste a sudoeste.
Perocão – de 3 a 9 palmos na sua barra no seu máximo baixa-mar e preamar, de largura de quatro braças, fundo e margem de areia, quinhentas braças acima tem uma ponte de madeira sobre pegões[ 14 ] de pedra e cal.
Jucu – tem a sua barra de 3 a 10 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar, de largura de quatro braças, fundo e margens de pedra, e cinqüenta braças acima tem muito maior largura e fundo; sempre tem tido ponte de madeira, mas atualmente está desconsertada.
Espírito Santo[ 15 ] – braço de mar, é um dardanelo[ 16 ] até a cidade da Vitória distante uma légua da sua barra, que tem de fundo 17 a 24 palmos no seu baixa-mar e preamar; recebe as águas do rio Santa Maria que é formado dos rios Mangaraí, Caioaba, Curubixá Mirim e Açu, São Miguel, Tauá e Jaculû, e as águas do Cariacica, e um braço do rio Jucu que é formado dos rios Tanque, Santo Agostinho, Pimentas, Manducongo e Araçatiba.
Rio da Passagem – braço de mar com ponte de pegões de pedra e cal e madeira sobreposta, de largura de vinte braças que com o rio Espírito Santo forma a ilha onde está a capital da província.
Jacaraípe – pequeno rio cuja barra se seca todas as vezes que há falta d'águas, ou ventos do mar que a entulhem d'areias, mas navegável para o sertão por espaço de cinco léguas.
Nova Almeida – recebe o rio Sauanha, é de 10 a 16 palmos de fundo na sua barra no máximo baixa-mar e preamar, margem e fundo d'areia, de largura de 25 braças, corre de sudoeste a nordeste, acima tem mais largura e fundo.
Aldeia Velha – de largura de 90 braças, de 10 a 16 palmos de fundo na sua barra no máximo baixa-mar e preamar, fundo e margem de areia, e corre de oeste a leste, e é formado do Piraquê-açu e Piraquê-mirim, da esquerda e margem direita.
Riacho – formado do pequeno rio Comboios e das lagoas seguidas e continuadas do Campo do Riacho, de Aguiar e de Anadia, tem a sua barra de 3 a 8 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar, margens e fundo de areias e pedras, de largura de quatro braças, corre de oeste a leste.
Rio Doce – de largura de um quarto de légua pouco mais ou menos na sua barra, e de 16 a 20 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar, de muita velocidade, de margens de areia e fundo de areia e lama, cheio de baixios e ilhas acima da barra, corre de oeste a leste, recebendo da parte direita as águas dos rios Preto, Anadia, Santa Joana, rio d'Alva, e da parte esquerda dos rios Juparanã, Juparanã-mirim, Pancas, Santo Antônio, São João e Mutum, ficando todos do Porto de Souza para baixo, [local situado a] vinte léguas da barra e daí para cima recebe as águas de outros rios como Manhuaçu, Guandu no território desta província, o ribeirão do Carmo, etc. da província de Minas.
Barra Seca – pequeno rio que nasce no rio Mariricu, um dos que deságuam em São Mateus, e da mesma natureza do Jacaraípe respeito à barra.
São Mateus – formado do rio Mariricu, que vem da lagoa Juparanã, e dos rios Itaúnas, São Domingos e Santana, sendo o primeiro da parte direita; tem na sua barra 6 a 12 palmos d'água no máximo baixa-mar e preamar, margens e fundo de areia, e mudável o seu canal de largura de seis braças; a largura do rio é de 25 braças, e corre do oeste a leste.
Cada um destes rios, nos quais nada tem a arte feito em benefício seu, serão talvez formados por muitos outros, cujo número, situação e nomes se ignoram, bem como os seus produtos pouco ou nada explorados até esta época.
7. Portos e enseadas
Todos os rios acima oferecem portos de desembarque mais ou menos consideráveis em razão do fundo das suas barras, havendo nalgumas delas enseadas, bem como a enseada de Itapemirim cheia de baixios e pedras; de Piúma excelente abrigo para todas as embarcações e com todos os ventos; a de Benevente de pouco fundo; a de Guarapari não abrigada, mas de bom fundo para entrar a barra, excetuando de noite, pelo que se verá no número oito; a de Perocão inabrigável[ 17 ] pelas pedras ocultas e baixios; a de Nova Almeida de baixios e pouco fundo; a de Aldeia Velha de bom fundo, mas de pedras e baixios; a do rio Doce, de nome Concha, boa para fundear toda a qualidade de barcos, mas com bonança ou nordeste; a de São Mateus de bom fundo, onde se espera para entrar ventos ou enchentes.[ 18 ]
Há além destas as seguintes enseadas: a de Itabapoana, três léguas ao norte da barra deste rio, espaçosa, mas de baixios e pedras, podendo fundear quaisquer barcos na distância de duas léguas da praia; a de Ubu, duas léguas ao norte de Benevente, insignificante e de pouco fundo; a de Meaípe duas léguas ao sul de Guarapari, mas de pouco fundo e inabrigável com vento sul; a de Una duas léguas ao norte de Guarapari e a da Ponta da Fruta quatro léguas; a da Costa meia légua ao sul do Espírito Santo; a de Piraém uma légua ao norte do Espírito Santo; a de Carapebus duas léguas; a de Jacaraípe cinco; a de Capuba seis léguas ao norte do Espírito Santo; a de Flecheiras uma légua ao norte de Nova Almeida — são todas insignificantes por cheias de baixios e pedras. Em geral, todas as enseadas acima se não podem demandar sem risco, sem prático[ 19 ] delas.
Tábua das Latitudes e Longitudes dos Lugares mais Notáveis da Costa da
Província do Espírito Santo referidas ao Meridiano da Capital do Império do Brasil
Lugares | Latitude Sul | Longitude a Leste |
Barra de Campos | 21° 35' 40" | 2° 26' 55" |
Riacho Guaxindiba | 21° 35' 00" | |
Santa Catarina das Mós | 21° 24' | |
Barra de Itabapoana | 21° 23' | |
Barra do Siri | 21° 13' | |
Barra de Itapemirim | 21° 10' 30" | 2° 31' 45" |
Ilha do Francês | 21° 07' 30" | 2° 31' 45" |
Barra de Piúma | 21° 00' 00" | |
Barra de Benevente | 20° 56" 00" | 2° 35' 25" |
Barra de Guarapari | 20° 45' | 2° 39' 25" |
Barra de Perocão | 20° 50' 00" | 2° 39' 55" |
Ponta da Fruta | 20° 28' 00" | 2° 43' 55" |
Barra do Espírito Santo | 20° 10' 00" | 2° 42' 25" |
Colégio da Cidade da Vitória | 20° 17' | 2° 42' 25" |
Ponta do Tagano | 19° 52' | 2° 44' 25" |
Barra de Almeida | 19° 49' 30" | 2° 41' 45" |
Barra de Aldeia Velha | 19° 43' | 2° 42' 05" |
Rio Doce | 19° 30' | 2° 40' 45" |
Barra Seca | 19° 09' 30" | 2° 40' 45" |
São Mateus | 18° 45' | 2° 40' 45" |
8. Ilhas
Em Itapemirim há duas ilhas fora da barra, uma denominada dos Ovos fronteira a ela, e outra denominada Escalvada ao norte dela. Três léguas ao norte do rio Itabapoana, meia légua distante da praia, há a ilha das Andorinhas, pequena, mas agricultada pelo destacamento das Barreiras, que está defronte aquartelado. Neste lugar constantemente aparecia gentio e fazia estrago nos passageiros, o que se corrigiu com este destacamento, do qual saem dois soldados armados a encontrar com quem avistam, tanto de uma parte como de outra, e o acompanham até ficar livre de perigo.
Piúma tem duas ilhas defronte da barra, e a ilha do Francês ao sul dela. Esta ilha continha um poço natural e de mui boa água, e foi mandada atulhar em 1827 pelo Comandante de Itapemirim por se terem dela servido os piratas que infestaram a costa este ano. Guarapari tem a Rasa, Escalvada, outra à terra dela de nome Raposa, e duas pedras alagadas que se descobrem com a maré ao nordeste da Escalvada denominadas Feiticeiras, por causa das quais se não pode à noite demandar este porto. Perocão, ao norte, tem três ilhas e muitas pedras descobertas. Jucu tem uma ilha a leste da barra e entre esta e a barra do Espírito Santo existem as seguintes: Tanguetá, Itatiaia, Pitauã, Jorge Fernandes e Pacotes. O Espírito Santo tem as ilhas do Boi e dos Frades e pelo rio acima se encontram várias; a dos Frades é agricultada. Nova Almeida tem quatro ilhas defronte da barra; a que está à terra se denomina Raposa e as outras mais ao mar, Três Irmãos. Todas estas ilhas são inabitadas[ 20 ] e de pouca consideração pela sua grandeza e produtos, sendo a maior parte de pedras e não produzindo mais que pequenas matas, cardos e musgos.
9. Lagos e pântanos
Sendo os lugares cultos[ 21 ] da província a costa do mar, de que talvez se não tenham apartado os moradores três léguas, e pelas margens do rio acima quando muito em alguns lugares dez léguas, só se conhecem os lagos que nestes sítios estão, e são os seguintes. Lagoa Salgada ao sul de Itabapoana, junto ao mesmo rio. Morobá, duas léguas ao norte de Itabapoana, junto ao mar. Tabua, meia légua ao norte de Morobá. Tiririca, meia légua ao norte de Tabua. Cocolocage, quarto de légua ao norte de Tiririca. Campinho, quarto de légua distante da Cocolocage ao norte. Siri, quarto de légua distante do Campinho ao norte. Lagoa d'Anta, perto de meia légua do Siri para o norte. Lagoa Funda, quarto de légua distante da antecedente da parte do norte. Piabanha, meia légua ao norte de Itapemirim. Iriri, meia légua ao norte de Piúma. Maimbá, duas léguas ao norte de Benevente. Abaí, meia légua ao norte de Maimbá. Lagoa de Meaípe, quarto de légua ao norte de Abaí. Graçaí, meia légua ao norte de Meaípe. Lagoa do Campo do Riacho, quatro léguas ao norte de Aldeia Velha, e duas distante do mar; esta se comunica com a lagoa de Aguiar, meia légua para o oeste. Juparanã, sete léguas distante do mar e uma do rio Doce da parte do norte é a mais célebre pela sua grandeza, que tem pelo menos uma légua e meia de diâmetro. Juparanã-mirim, distante desta três léguas [para o lado contrário] do mar e contígua ao rio Doce. Lagoa de Aviz, meia légua ao norte do rio Doce, e oito distante da barra. Lagoa dos Patos, na mesma margem e para o mar distante da antecedente um quarto de légua. Juparanã da Praia, contígua ao mar e duas léguas ao norte do rio Doce.
Todos estes lagos abundam de peixe e nunca secam; é bem provável que pelo interior não haja poucos, os quais inda são desconhecidos, sendo todos acima de água comum, à exceção de Juparanã, que se diz conter muito antimônio.
Não há pântanos memoráveis mais que algumas pequenas margens destas lagoas; há porém alguns lugares paludosos em terrenos tão balofos que qualquer corpo, entrando neles de súbito, quase desaparece; tais são as vertentes do rio Mariricu e rio Preto, e a margem do meio-dia[ 22 ] da lagoa Juparanã. Em geral, há imensos brejos pelas margens dos rios e lagoas e entre montes, que produzem juncos, tabuas, lírios e tiriricas, em algumas das margens, dos quais se fazem belas plantações de arroz. Nas margens do mar tais brejos estão cheios de mangues de diferentes qualidades.
Com bem pouco trabalho se podiam tornar estes terrenos excelentes para as lavouras e criação, o que se não faz ou por indolência, ou pela abundância de terras.
10. Planícies baldios e matas
Bem como as montanhas, possui também a província muitas planícies, sendo em geral as margens dos rios tão próprias para a agricultura como para a criação, mas as mais notáveis pela sua extensão são as seguintes. A Muribeca, de nove léguas de costa de mar e seis de largo mais ou menos, pertencente à fazenda do mesmo nome junto ao rio Itabapoana. Campo da vila do Espírito Santo,[ 23 ] baldio de duas léguas de extensão em comprimento e uma de largura, de que se servem os moradores vizinhos para a criação. Carapina, distrito da Cidade, tem um baldio de três léguas de extensão e uma de largura, de que se servem os moradores contíguos para criação. Desde o rio Doce até São Mateus há um baldio de vinte léguas, de imenso gado montado,[ 24 ] nenhuma parte dele é empregada em cultura nem criação; o Marquês de Baependi aqui possui uma sesmaria de três léguas que as houve por compra. O Campo do Riacho possui um baldio de duas léguas em quadra, de que se servem os índios tanto para plantações como criação.
À exceção do que está descrito, quase tudo o mais são matas virgens, e riquíssimas em madeiras de toda a qualidade e de outros mil produtos incógnitos até esta época, e só habitadas por feras e selvagens. [Como] muitos anos de esforço por hábeis naturalistas não seriam suficientes para a completa descrição dos produtos vegetais, referirei das madeiras indígenas as mais triviais, e geralmente conhecidas no país. Madeiras de construção da ribeira: sucupira, maraçanatiba, grapiapunha, jataí-peba, caubi, pequi, guaiti, sapucaia-mirim, guanandi-carvalho, sobro, peroba, amarelo, tapinhoã, canela, araribá, angelim, cerejeira, sapucaia-açu e camará. Madeiras de construção de edifícios civis: inhuíba de rego, dito[ 25 ] pimenta, dito cheirosa, dito funcho, dito canela, dito tapinhoã, cedro, guaticica, guarabu-roxo, dito mirim, imbiriba, ubatinga, caingá, bicuíba, paraju, maçaranduba, arariba, caixeta, jequitibá, ouri, taicica-roxa, ubapeba, pequiá de duas qualidades, ipê, paratudo, ingá, óleo, cubixá, aderno, faia, guaraná, pimentinha, brasil, tatagiba, vinhático, roxinho, jacarandás de diferentes qualidades, jiriquitim, louro, guarabu-açu semelhante ao sebastião-arruda, [mas que] em lugar de vermelho tem as ondas sobre-escuras.
11. Sesmarias
O governo, por carta régia de 17 de janeiro de 1814, é autorizado para conceder sesmarias[ 26 ] e, com efeito, as tem concedido [em número de] cento e setenta e quatro, sendo cada uma de meia légua quadrada[ 27 ] (excetuando algumas) das quais a maior parte não está nem cultivada, nem confirmada,[ 28 ] pertencendo todas a súditos brasileiros.
No rio Doce e margens de Juparanã estão concedidas oitenta e duas, das quais apenas são cultivadas duas, e nenhuma confirmada. Em Monsarás há duas não confirmadas. Em Aldeia Velha, compreendendo a povoação do Riacho e Nova Almeida, há uma toda cultivada de doze léguas [de comprimento] e seis de fundo pelo sertão, concedida a 6 de novembro de 1610 pelo donatário Manuel Garcia Pimentel aos índios destas aldeias, confirmada pelo alvará de 2 de janeiro de 1759; há dentro desta uma de meia légua concedida pelo governo em razão de não estar por eles cultivada, a qual inda não está nem cultivada, nem confirmada. Na freguesia da Serra há sete cultivadas, mas uma só confirmada. No termo da Cidade há quatorze cultivadas, mas só quatro confirmadas.
Na povoação de Viana, à esquerda do rio Santo Agostinho, há cinqüenta [sesmarias] de 112 braças de testada e 500 de fundo cada uma concedida pelo governo em 1812 aos colonos vindos das ilhas dos Açores por ordem da polícia de 17 de novembro daquele ano, as quais são cultivadas e confirmadas; há mais seis não confirmadas, porém cultivadas, pertencentes aos descendentes dos mesmos.
Em Guarapari há uma só cultivada, mas não confirmada. Em Benevente[ 29 ] há dez cultivadas, e destas só duas confirmadas. Em Itapemirim há seis cultivadas, e destas só três confirmadas. Na Estrada de Minas há uma só, de quarto de légua, cultivada e não confirmada.
O cumprimento exato das leis relativas a sesmarias talvez pusesse a maior parte delas em mãos de quem as trabalhasse e cultivasse.
Há na província porções de território denominados indivisos,[ 30 ] isto é, terrenos em que muitos têm posse sem saberem o quantum nem o ubi,[ 31 ] mas as porções lavradas deles lhes pertencem particularmente, e só as perdem passando 10 anos sem as cultivar. Desta sorte cada um dos possuidores procura lavrar muitas terras para lhes chamar suas, e com elas crescendo a ambição, e não podendo cultivar tantas, se tornam capoeiras; outro as roça com o mesmo intento — eis a origem das demandas em que se despedaçam, puxando cada um todas as pontas, que lhe subministra[ 32 ] a sua ambição e a chicana[ 33 ] ordinária. O meio de evitar tais pleitos era demarcar e dividir o indiviso na proporção do que cada um tem nele. Esta divisão não pode ser feita por juízes leigos, e só o poderia ser sendo geômetra, e por isso seria bom haver para este fim um juízo privativo, para que tais divisões se fizessem de modo que cada um tivesse igual parte nas vantagens, inconvenientes e desigualdade das terras, e no bem ou mal que produzem, sendo preciso que em terras variáveis e sujeitas a inundações as porções desiguais em quantidade difiram em qualidade: uma braça de terra, por exemplo, que produz 100 por 1 equivale a duas que produzam 50 por 1. Por tal juízo se devem fazer as medições, e não se confiar em simples pilotos[ 34 ] e infiéis bússolas e cordas.[ 35 ] Seria também muito bom que ninguém chamasse sua certa porção de terras sem ter a planta delas, registrada no mesmo juízo onde se notariam as vendas e compras; e da reunião destas cópias se formaria exata e insensivelmente a topografia do país. Para se fazer alguma idéia basta dizer que o indiviso que pertence a vários, fuão[ 36 ] tem 1$000 réis[ 37 ] e fuão tem 16$000 réis, e outro tem igual, maior ou menor parte, e com igual direito; ignora-se se em outras províncias do Império acontece o mesmo. Os indivisos mais notáveis são os seguintes: Campo Grande de 4 léguas quadradas com pouca diferença, Carapina e Laranjeiras 3 quadradas, Costa da Praia 2 léguas quadradas, Curipé e Mulundu duas quadradas, e quase todo o terreno da ilha da Vitória que contém ¾ de légua quadrada.
Além das terras ditas há as fazendas do Conde de Vila Nova de São José junto ao rio de Guarapari de 4 léguas de costa de mar; a Muribeca de 9 léguas de costa de mar e 8 de fundo; a fazenda dos Falcões denominada Araçatiba, de 2 léguas quadradas à margem do Jucu e a fazenda Jacaruaba de 2 e ½ léguas de comprimento e 2 de largura, que foram dos extintos jesuítas, e provavelmente concedidas pelos donatários, como sempre o fizeram, dando, aforando e vendendo como lhes convinha qualquer parte do território e marinhas.
As câmaras se arrogaram o direito de conceder foros sem princípio ou motivo, mas este procedimento foi mandado obstar pelo governo.
12. Agricultura
É a agricultura em que se emprega a mor parte dos habitantes da província, onde com preferência se cultiva a cana-de-açúcar, mandioca, algodão, milho, café, feijão e arroz; o único meio de preparar as terras para este fim é roçar, derribar, queimar, depois de secas suficientemente, e plantar.
Preferem-se as terras baixas e alagadiças para arroz, e matos virgens para mandioca, porque nestes são mais volumosas as raízes e se conservam mais tempo incorruptíveis quando a falta de tempo não lhes permite colher no próprio, além de que em matos virgens se faz até três plantações sem incômodo das formigas, que em terra velha não deixa vicejar a planta; quanto para as mais plantações todo o terreno é bom, com pouca diferença.
O valor das terras é mui variável e dependente do seu estado, da sua posição e do seu benefício, podendo-se computar em 500$000 réis uma sesmaria de meia légua quadrada. As primeiras plantações se fazem de março até abril, e as segundas de setembro até outubro, não esquecendo a lua nova que muitos querem que influa nelas. A sua colheita se faz sem a menor arte.
Os transportes se fazem em carros com bois, em cargas com animais cavalares e a maior parte se transporta em canoas símplices.[ 38 ]
Os instrumentos de que se servem para as plantações são enxadas, foices, facões e machados.
Os agrícolas pouco ou nada se empregam em plantas alimentárias; sem embargo fazem alguns mais curiosos suas plantações de abóboras, alfaces, batatas, couves, ervilhas, favas, mostardas, inhames, repolhos, pepinos, melões, melancias, ananases, mandubis,[ 39 ] gergelins, bananeiras de árvores frutíferas, laranjeiras, limeiras, limoeiros, cidreiras e figueiras, mangueiras, jaqueiras, romeiras, tamarindos, coqueiros de diferentes qualidades, sendo espontâneas as goiabeiras e cajueiros, agriões, beldroegas, bredos, serralhas e erva-moura.
Acham-se também muitas plantas medicinais como artemísia, alecrim, arruda, malvas, avenca, babosa, alfazema, mechoacão ou batata-de-purga, boas-noites, salsaparrilha, cardo-santo, cocleária, mastruço, chicória, dormideira, endro, saião, feto-macho, grama, erva-de-bicho ou cataia, erva-capitão, lírio-de-florença, quina, labaça-aguda, língua-de-vaca, orjevão, parietária, sabugueiro, salsa-da-praia, tanchagem, trevo-azedo, balsameira, almecegueira, fedegoso, pau-de-óleo, pariparoba ou capeba, poaia, joanésia, copaibeira, bicuíba, pinhão-purgante, jandiroba-oleoso, fumo-bravo ou saçoaiá ou erva-colégio, mentrasto, maririçó, cordão-de-frade, bucha-dos-paulistas; especiarias como a alfavaca, alhos, manjeronas, baunilha, salsa, cebolas, coentro, erva-doce, gengibre, hortelã, pimentas de todas as qualidades, pau-cravo, cuja casca tem o próprio aroma de cravo-da-índia.
Também se acham em algumas hortas as flores boninas, bem-me-queres, malmequeres, saudades, cravos, cravelins, cravos-de-defunto, esporas, jasmins, girassol, melindres, perpétuas, rosas cheirosas e da índia, suspiros, angélica, sensitivas, açucenas e alecrim.
Também se acham tinturarias como açafrão e casca de arariba que produzem escarlate com pedra-ume; urucum e a casca de aroeira, que produzem vermelho; tatagiba que produz amarelo; guaraúna, cujo cozimento é preto; pacoba que produz roxo; pau-brasil e casca do ingá que produzem vermelho; casca de sapucaia-mirim que faz roxo, e com lama faz preto; fruta do pau-ferro que é talvez a verdadeira noz-de-galha; o anil, que já aqui se fabricou muito e se desusou este ramo de comércio porque houve anos em que as folhas foram todas estragadas por nova espécie de insetos, que talvez agora não apareçam; um arbusto no Porto de Souza cuja maceração das folhas produz lindíssimo roxo, não se lhe sabe o nome e nem se descreve por falta de tempo, e não se achar com prontidão que se deseja.
Também se encontram plantas venenosas como o tingui, tipi, oficial-de-sala, esponja, aqui chamada coronha-triste[ 40 ] e outras muitas.
As de fiação são as seguintes: algodão, tucum, gravatá e piteira. O tempo de florescência é em setembro e da maturação, abril e maio. Viveiros de plantas unicamente se faz para café, que desta província não é o melhor, e de fumo, que também se cultiva no país, sendo tão pouco que é gênero que inda se importa. São nocivas às plantações a paca, o caititu, a cotia, os porcos-do-mato, os guaxinins, a maitaca, a nandaia, o papa-juá, que comem as espigas de milho e algodão antes de sazonado,[ 41 ] o grumará e a rola que arrancam o grão do milho e do arroz quando começa a nascer, o papa-arroz que o come desde que começa a granizar,[ 42 ] as lagartas de diferentes cores, a formiga, que é imensa, o grilo, o tortulho, que debaixo da terra se transforma em inseto e come a raiz das plantas, o gorgulho, de nome provisório, de figura de um percevejo preto que se cria no feijão e o arrasa, e finalmente a broca que fura todo o pau. Ora, estes inimigos, o sistema de queimar as terras depois de escalvadas, a nenhuma arte de adubá-las faz que seja módico o rendimento da lavoura que já seria nulo se não houvesse ainda muitas matas a derribar e queimar, isto é, para estragá-las.
Não há estabelecimento algum de agricultura e coudelaria.[ 43 ]
O milho produz 50 por um alqueire[ 44 ] e custa em termo médio 440. O arroz 100 por um alqueire que custa a 320. O feijão 40 por um alqueire que custa 1$200, e o algodão 25 por uma arroba[ 45 ] que custa 960 réis. O arroz se planta com palmo e meio de intervalo, o feijão com três palmos, o milho com cinco e o algodão com seis; donde se vê que há desvantagem em plantar algodão, mas é compensada porque quando se planta o milho ou feijão, se planta o algodão, e este fica quando algum daqueles se colhe. A braça quadrada dá nove covas de mandioca; dezesseis covas dão um alqueire. Um carro de cana caiana plantada dá vinte e cinco carros; cada carro de cana dá duas arrobas de açúcar. Um carro de milho descascado dá vinte alqueires. O feijão, arroz e milho dão de três meses; o algodão e mandioca de ano, e a cana de ano e meio.
Tal ou qual particular tem em sua casa dois ou três cortiços,[ 46 ] talvez só por ter. Pela Tabela da Exportação ao fim se vê que os gêneros produzidos excedem às necessidades do país.
13. Animais
Uma parte dos lavradores se emprega também na criação do gado de diferentes espécies, de maneira que há na província, com pouca diferença, oito mil cabeças de gado vacum, dos quais se mata semanalmente nos açougues 10. Nenhuns são empregados na lavoura, mas do gênero masculino, que serão três mil e quinhentos, se empregaram mil e quinhentos em fábricas de açúcar e algumas conduções em carros. O seu alimento ordinário é o capim, que nasce naturalmente nos baldios ou em prados artificiais, nos quais se têm sem separação alguma, nem de sexo, nem de idade. O preço médio de um boi é 14$000 réis e o seu peso oito arrobas; o preço de uma vaca é 12$000 e seu peso seis arrobas. As suas moléstias são a bicheira, procedente de qualquer arranhadura, onde as moscas depositam os seus ovos, donde saem as varejas[ 47 ] que, estimulando e correndo as carnes, chegam a aumentar a chaga, emagrecer e matar o animal — a sua cura ordinária é o mercúrio doce que as mata; a papeira, que é uma inflamação na mandíbula inferior que cresce e faz emagrecer o gado até morrer — a sua cura é queimar com ferro em brasa e curar a chaga resultante com algum dessecante, ou folha, ou casca adstringente como a de aroeira ou outra qualquer; o carbúnculo, que faz inchar o gado e morrer ficando com as unhas abertas — ignora-se remédio para este mal; a falta de pastos faz também que o gado sôfrego não escolha pasto e assim come com ele ervas venenosas que o matam. O gado cavalar em ambos os sexos monta a 1.060, sendo do gênero feminino 430, e o preço médio destes é a 20$000 réis e daqueles 32$000; as suas espécies são guinilhas,[ 48 ] mestiços e sendeiros;[ 49 ] o seu sustento é igual ao do gado vacum, nenhum é empregado em fábricas, tais e quais se empregam em cargas, e tal ou qual é ferrado e de estrebaria.
O gado muar em ambos os sexos não excede a 100, o seu preço médio 32$000 réis, metade se emprega em fábricas e metade em transportes. O gado caprino há 200 de ambas as espécies, nenhum se mata nos açougues e o seu preço é 1$280 [réis]. Gado ovelhum há dois mil, nenhum vai ao açougue e o seu preço é 1$000 réis. Porcos há 800, é raro o que vem ao açougue, seu preço 8$000 réis e a libra[ 50 ] a 60 réis.
As galinhas de ambos os sexos custam a 480 réis e há 4.000 cabeças, e poucas as chamadas da índia. Patos custam a 320 e há 1.000. Perus custam a 880 réis e há 200. Marrecos custam a 320 e há 1.000. Capões custam a 560 e há 100. Frangos custam a 120 e há 6.000. Pombos custam a 120 e há 300.
Há na província muitos animais de caça, sendo os mais triviais macacos de diferentes espécies, raposas, onças, quatis, lontras, ouriços, lebres, coelhos, veados, porcos-do-mato, tamanduás, preguiças, antas, tatus, cotias; araras, papagaios, garças, mergulhões, pombas; tartarugas, cágados, lagartos. Também há muitos [animais] de pesca como são a arraia, peixe-prego, lixa, tubarão, cação, moréia, peixe-rei, peixe-espada, pescadas, galos, gudião, sarda, cavala, carapiá, salmonete, cabrinha, cornuda, tainhas, sardinhas. Insetos: besouros de diferentes qualidades, carochas, baratas, gafanhotos, grilos, louva-a-deus, percevejos, borboletas de todas as qualidades, traças, vespas de diferentes qualidades, abelhas, formigas, moscas, mosquitos, piolhos, pulgas, escorpião, lagostas, camarões. Vermes: minhocas, sanguessugas, lesmas, polvos, estrelas-do-mar e ouriço-do-mar, berbigão, mexilhão, búzios, caracóis, conchas, esponjas. Répteis: sapos, rãs, cobras de diferentes qualidades. Além dos acima mencionados existem muitos cuja zoologia ocuparia muitos anos e, talvez, muitos volumes.
14. Minas e pedreiras
Ao ex-capitão-mor desta província João de Velásquez Molina em 1693 foi anunciada a existência de ouro nas margens do rio Doce, junto ao córrego do Ouro Preto, e lhe foram apresentadas três oitavas dele que, recebendo a câmara, mandou fazer duas memórias:[ 51 ] uma para o capitão-mor e outra para o anunciante Antônio Dias Arzão, natural de Taubaté, homem empreendedor, que se recolhia[ 52 ] desse sítio com cinqüenta homens de sua comitiva; nesta ocasião se lhes prestaram o que lhes era necessário para nova entrada dos sertões. Esta foi a primeira descoberta de ouro nesta província.
Pedro Bueno Cacunda descobriu as Minas do Castelo em 1732 às margens do rio Itapemirim, doze léguas da barra, e participando ao capitão-mor desta vila, este lhe mandou ali estabelecer um arraial, nomeando provedor, tesoureiro e escrivão para melhor arrecadação dos direitos, e como trabalhavam sem arte alguma, dificultando-se a extração deste metal, e sendo incomodados do gentio, se foram retirando, de sorte que atualmente nenhum morador tem. É de fato ter recebido a extinta Provedoria em 1738 cento e vinte e uma oitavas. Consta que chegaram a ter cinco povoações, cuja maior parte formaram a vila de Itapemirim.
Em 1614 Marcos de Azeredo Coutinho foi encarregado por Sua Majestade (que então governava Portugal) com promessas de mercês de descobrir as Minas das Esmeraldas de que lhe tinha pessoalmente mostrado as amostras; e em 1644 ordenou Sua Majestade Fidelíssima a Francisco do Souto Maior auxiliasse o descobrimento e entabulamento[ 53 ] das ditas minas, de cuja existência estava informado, podendo levar os dois filhos de Marcos de Azeredo, os padres Inácio de Siqueira e Francisco de Moraes, e os índios que precisassem com licença dos padres; ignora-se porém o resultado de tais comissões, e só se sabe que o dito Marcos faleceu em 1618. São estas as únicas notícias que há de minas na província, sendo certo haver muitos e muitos lugares mais ou menos ricos de ouro, especialmente nas vertentes dos rios que deságuam no Jucu, no Juparanã, nas cabeceiras de Itapemirim, nas vertentes de Santa Maria, rio Castelo, etc. e ouro muito, e muito puro.
Não consta de minas de ferro, pois alguma pedra que contém algum óxido é em tão pequena quantidade, que não faz supor existência deste metal; nem tão pouco consta de outro algum mineral. É muito provável haverem muitos produtos, e talvez abundantes, o que se não tem explorado, sendo muito triviais cristais de rocha, com algumas variedades como ametistas.
15. Curiosidades naturais
No rio Doce foi achada uma figura petrificada de homem com mãos na cintura por João Felipe de Almeida Calmon, ignora-se a sua perfeição, e o gênero de pedra, e se existe.
Em 1815 foi achado um hipopótamo da grandeza de um cavalo, e com cauda de sete varas no rio da vila nova de Almeida, encalhado com a vazante.
Em muitos lugares da província há grutas, que não têm aqui lugar por nada conterem de notável nem pela sua regularidade e forma, nem pela matéria de que são formadas, servindo até aqui de asilo de alguns escravos fugidos, bem como a conhecida no morro da Lapa denominada de Pai Inácio. Quantos destes objetos terão sido desprezados pela ignorância!
_____________________________
NOTAS
[ 1 ] Antiga unidade brasileira de medida itinerária, equivalente a 3.000 braças, ou seja, 6.600m.
[ 2 ] Antiga denominação comum aos tribunais de justiça de segunda instância.
[ 3 ] Qualidades.
[ 4 ] Vento que sopra em direção normal à costa, ou em direção normal ao rumo seguido pela embarcação.
[ 5 ] Faltos de vegetação; áridos, estéreis, calvos, descalvados.
[ 6 ] Relativa ao quartzo, ou que tem a natureza dele.
[ 7 ] Que contém mica ou é da natureza dela.
[ 8 ] Antiga unidade de medida de comprimento, equivalente a cinco palmos, ou seja, 1,10m.
[ 9 ] Região, terra, território.
[ 10 ] Quando o autor escreve a palavra Cidade com inicial maiúscula refere-se a Vitória, única localidade espírito-santense possuidora deste atributo na época em que o texto foi produzido, o que recomenda manter esta grafia.
[ 11 ] Que contém alúmen.
[ 12 ] Antiga unidade de medida de comprimento, equivalente a oito polegadas , ou seja, 22cm.
[ 13 ] Antiga unidade de medida de comprimento equivalente a dez palmos, ou seja, 2,2m.
[ 14 ] Grandes pilares de alvenaria.
[ 15 ] Atual baía de Vitória.
[ 16 ] Estreito.
[ 17 ] Que não oferece abrigo para embarcações.
[ 18 ] Fase da maré entre a baixa-mar e a preamar seguinte.
[ 19 ] Homem que conhece minuciosamente os acidentes hidrográficos de áreas restritas, e que com esses conhecimentos conduz embarcação através dessas áreas.
[ 20 ] Desabitadas.
[ 21 ] Cultivados, habitados.
[ 22 ] O ponto cardeal Sul.
[ 23 ] Atual município de Vila Velha.
[ 24 ] Com muitos animais a esmo?
[ 25 ] Mencionado, referido.
[ 26 ] Lote de terra inculto ou abandonado, que os reis de Portugal cediam a sesmeiros que se dispusessem a cultivá-lo.
[ 27 ] Légua de sesmaria – antiga unidade de medida de superfície agrária, equivalente a um quadrado de 3.000 braças de lado, ou seja, 4.356ha.
[ 28 ] Os sesmeiros só recebiam do governo a confirmação de suas terras após ocupá-las e cultivá-las.
[ 29 ] Atual município de Anchieta.
[ 30 ] Não dividido; que pertence cumulativamente a vários indivíduos.
[ 31 ] Sem saberem o tamanho e a localização exata.
[ 32 ] Fornece, ministra.
[ 33 ] Sutileza capciosa, em questões judiciais.
[ 34 ] Agrimensores, medidores de terras.
[ 35 ] Antiga unidade de medida de comprimento equivalente a 15 palmos, ou seja, 3,3m. Por extensão, instrumento de medição que tinha esta medida ou múltiplos dela.
[ 36 ] Forma sincopada de fulano.
[ 37 ] O sistema monetário da época pode ser assim exemplificado: 1 real, 10 réis, 100 réis (ou um tostão), 1$000 (mil-réis), 100$000 (cem mil réis), 1:000$000 (um conto de réis).
[ 38 ] Simples.
[ 39 ] Amendoins.
[ 40 ] Existe dicionarizada a palavra coroa-crísti.
[ 41 ] Pronto para se colher (fruto); maduro, amadurecido.
[ 42 ] Dar forma de grãos a.
[ 43 ] Haras – campo ou fazenda de criação de cavalos de corrida; caudelaria.
[ 44 ] Antiga unidade de medida de capacidade para secos, equivalente a quatro quartas, ou seja, 36,27 litros.
[ 45 ] Antiga unidade de medida de peso, equivalente a 32 arráteis, ou seja, 14,7kg, aproximadamente.
[ 46 ] Caixas cilíndricas, de cortiça, nas quais as abelhas se criam e fabricam o mel e a cera; colméias.
[ 47 ] Designação vulgar dos ovos da mosca-varejeira, antes de atingirem a fase de larva.
[ 48 ] Cavalos de andadura pesada, ou que andam pouco.
[ 49 ] Diz-se de, ou os cavalos de carga, robustos, mas de corpulência escassa.
[ 50 ] Unidade de medida de massa, igual a 0,45359237kg, utilizada no sistema inglês de pesos e medidas.
[ 51 ] Anéis comemorativos.
[ 52 ] Que voltava para casa.
[ 53 ] Início de exploração.
[Reprodução autorizada por Fernando Achiamé.]
---------
© 1978 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
---------
Inácio Acióli de Vasconcelos foi o primeiro presidente da província do Espírito Santo e governou de 1824 a 1829, período em que a província atravessava grande dificuldade econômica e decadência geral das instituições. A partir de 1858, como primeiro tenente, foi comandante do navio de guerra Ibicuí, da Marinha do Brasil.
Fernando Achiamé nasceu em Colatina, ES, em 22/02/1950 e fixou-se em Vitória a partir de 1955. Formado em história pela Universidade Federal do Espírito Santo e em língua e literatura francesas pela Universidade de Nancy II (Pela Aliança Francesa do Brasil). Especialista em arquivos pela Ufes. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)
10/04/2016
Segundo a primeira divisão de capitanias neste continente, principiava na ponta do Sul da barra do rio Mucuri, e com 50 léguas de costa de mar para o Sul, findava em Santa Catarina das Mós. Hoje a jurisdição de seu governo abrange 6 vilas e 6 povoações mais notáveis principiando pelo Norte no distrito do rio Doce que fica ao Sul das vilas de Mucuri e São Mateus terreno compreendido na sua demarcação.
Sua principal vila é a da Vitória; cabeça da comarca, tem seu assento em uma ilha montuosa quase duas léguas da barra; dentro forma uma baía estreita, mas capaz de navios grandes; na entrada há 8, 7, 6 braças; mais dentro 5; e acima da vila, junto à ilha do Príncipe, onde está a casa da pólvora, 30 e 40 braças. Seus ares são benignos; o terreno fértil produz todos os gêneros próprios do reino e da Europa, além de outros o trigo, e o trigo mourisco é de excelente qualidade, provado por repetidas experiências de 1813 em diante; 10 rios principais banham seu terreno; os campos alegres; as matas, ricas de toda a qualidade de madeiras de lei; nelas se encontram as delícias dos bálsamos, copaíbas, almocegas, e sassafrases que perpetuamente recendem. O ouro das minas de Santa Maria, vulgarmente chamadas do Castelo, é de superior quilate; há vestígios em diferentes lugares de minas de ferro; e na serra denominada do Mestre Álvaro, termo da vila da Vitória, minas de salitre e enxofre, assim como vulgarmente se diz que nas cachoeiras do rio Jeuí.[ 1 ] para o sertão se encontram pedras preciosas.
Por carta de doação e sucessão do sr. dom João III, rei de Portugal, foi dado o senhorio desta capitania a Vasco Fernandes Coutinho pelos bons serviços que havia feito na Índia, com obrigação de a povoar e aproveitar seu terreno em lavouras e fábricas.
Passou de Portugal, abordou a esta no domingo do Espírito Santo do ano de 1525, e por motivo do dia assim a denominou. Ancorou na primeira enseada, meia légua acima da barra e o gentio da nação Aimoré, armado de arco e frecha se ajuntou em grande número para defender o desembarque na praia; porém o fogo de duas peças de artilharia que guarneciam as lanchas os fez retirar para o interior. Esta nação descendo da cordilheira de montes, que começando na capitania dos Ilhéus com o nome de serra dos Aimorés, e atravessando as de Porto Seguro, e desta vão por perto de 150 léguas acabar na enseada do Rio de Janeiro, onde lhes chamam serra dos Órgãos, a conquistaram a seus primeiros possuidores os gentios Tupinanquins e Tupinais, e as ficaram possuindo até ao tempo da nossa conquista.
Feito o desembarque, se fortificou e fundou a vila do Espírito Santo, não consta em que ano, nem do tempo que nela fez sua residência, nem da fundação do convento dos religiosos Beneditinos, santa casa da misericórdia o alfândega. Hoje destes edifícios apenas se vêm os alicerces. Consta, por tradição, que Vasco Fernandes Coutinho vendo-se de contínuo inquietado pelo gentio, ajuntara suas forças, expulsara-o da maior ilha que havia na baía, uma légua acima da vila, e nela se estabelecera e fundara a vila denominada da Vitória, tendo neste lugar alcançado a maior vitória o por isso como em troféu assim a denominou. Não consta o ano destes acontecimentos, porém sim, que no ano de 1551 o padre Afonso Brás, da companhia de Jesus, um dos quatro mandados por dom João III para a Bahia em 1550, deu princípio a fundar o colégio na vila da Vitória, no qual foi sepultado o venerável padre José de Anchieta em 9 de Julho de 1597, e hoje serve de casa da residência do governador, o que prova já neste ano estar fundada a vila.
O convento de Nossa Senhora da Penha, assentado no morro vizinho da vila do Espírito Santo, teve princípio em 1558, vindo a esta, frei Pedro Palácios,[ 2 ] religioso leigo da província da Arrábida de Portugal, nacional de Medina do Rio Seco, cidade do reino de Leão na Espanha. Este edificou uma capelinha no cume do morro, colocando nela a imagem da Senhora, que consigo trouxera, criou uma confraria, faleceu em 1570, e foi sepultado debaixo do alpendre. Consta que estando os moradores desta em grande aperto pelo cerco em que os tinha o gentio, e de quem recebiam grandes hostilidades e temiam maiores ruínas, Vasco Fernandes Coutinho pedira auxílio a Mem de Sá, governador e capitão-general do estado, e este lho enviou por seu filho Fernando de Sá que, vencendo os bárbaros e assegurando estes moradores, perdeu a vida.
Contudo, a muita perda de gente que lhe havia causado as guerras com o gentio fez retirar a Vasco Fernandes Coutinho para Portugal no ano de 1559, ficando esta capitania quase despovoada; porém não consta se voltou e só sim que seu filho Vasco Fernandes Coutinho já estava de posse desta em 1565, pois neste ano deu auxílio de gente o mantimento a Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, governador e capitão-general do estado, para expelir os Franceses e os índios Tamoios seus aliados da enseada e ilha de Villegagnon. Desta gloriosa ação se seguiu o fundar-se a cidade de S. Sebastião no Rio de Janeiro. Tornou a dar a quem logo os aproveitasse os terrenos concedidos por seu pai de sesmaria, que se achavam devolutos por causa das surpresas do gentio. Levantaram-se grandes fábricas de açúcar, das quais hoje existem vestígios: floresceu muito o comércio direto com Portugal. Faleceu nesta em 1589 sem sucessão. Sua mulher dona Luísa Grinalda ficou governando com seu adjunto Miguel de Azevedo, capitão de ordenanças. Seu marido havia pedido para Pernambuco ao padre Custódio da província de Santo Antônio de Portugal frei Belchior de Santa Catarina lhe mandasse religiosos para fundarem na vila da Vitória um convento. Chegaram no ano em que havia ele falecido; e sua mulher lhes concedeu terreno para fundarem o convento no lugar em que hoje existe. Em 6 de Dezembro de 1591 dona Luísa Grinalda e as câmaras das vilas do Espírito Santo e Vitória fizeram doação do cume do morro e capelinha de Nossa Senhora da Penha aos religiosos menores Capuchos.
Constando a dona Luísa Grinalda que se havia adjudicado o direito de senhorio si desta capitania a Francisco de Aguiar Coutinho, retirou-se para Portugal em 1593, ficando governando com patente de capitão-mor Miguel de Azevedo. Este ajuntou em 1594 toda a gente possível, e foi atacar os índios Goitacases, que tanto dano faziam com suas surpresas. Deste ataque resultou haver menos estragos de gentio. Não consta a fundação da igreja da Santa Casa da Misericórdia, porém do alvará do 1ª de Julho de 1604 de Felipe II rei de Castela, em que lhe concede os mesmos privilégios da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, se vê que sua fundação foi mais antiga. O donatário Francisco de Aguiar Coutinho tornou posse em 15 de Julho de 1620. Em Março de 1625 deu fundo na barra uma armada holandesa de 8 velas. Fizeram seu embarque e se fortificaram em diferentes portos da costa e ilhas. Nos dias 12 e 14 atacaram a vila e foram repelidos, de que resultou retirarem-se vergonhosamente. Não consta o nome do comandante holandês, detalhes destes combates, nem quais foram os Portugueses que mais se distinguiram; e só consta que a câmara por muitos anos no dia 6 de Agosto fazia uma festa em ação de graças pela vitória alcançada aos Holandeses.
Sendo capitão-mor governador João Dias Guedes, talvez por haver falecido Francisco de Aguiar Coutinho, tomou posse em 15 de Julho de 1643. No dia 27 de Outubro de 1640 deu fundo na barra o ministro holandês, João Délihi com uma esquadra de 11 velas: no dia 29 subiu com um navio, uma barcaça, dois batelões,[ 3 ] o sete lanchas guarnecidos com 800 infantes,[ 4 ] o atacaram a vila da Vitória em diferentes pontos. O capitão-mor havia disposto suas forças para os repelir, as quais consistiam em 30 armas do fogo, duas peças de artilharia, duas companhias de índios com arcos o frechas, e o resto do povo com chuços o piques. No primeiro desembarque perderam os Holandeses 200 homens; porém conseguiram entrar na vila, e o ataque se tornou geral, e durou por espaço de 4 horas com alternativas; por fim a vitória se declarou pelos Portugueses, e o resto dos Holandeses se recolheu às suas embarcações. Merece ser recomendado à posteridade o valor com que se conduziu Antônio do Couto e Almeida; motivo pelo que foi pelo governador e capitão-general Antônio Teles da Silva nomeado capitão-mor e confirmado por carta de 26 de Julho de 1643.
No dia 30 fizeram os Holandeses seu desembarque na vila do Espirito Santo. No primeiro ataque que lhe deram as ordenanças comandadas por seus capitães Adão Velho o Gaspar Saraiva perderam 26 homens; porém vendo os Portugueses que os inimigos eram em maior numero se retiraram para o interior; o que sabido pelo capitão-mor lhe mandou reforço a que se uniram; no terceiro dia deram sobre os Holandeses que os fizeram embarcar, deixando 32 prisioneiros. No dia 13 de Novembro se fizeram de vela deixando a glória aos Portugueses de os haver batido e destroçado com tão diminutas forças, o que sempre foi brasão da nação.
Na família dos Coutinhos se conservou o senhorio desta capitania até Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho, que obtendo alvará de licença para os poder renunciar, datado de 6 de Julho de 1674 o fez na pessoa de Francisco Gil de Araújo, morador na Bahia. Este teve carta de doação régia, datada de 18 de Março de 1675. Residiu alguns anos nesta, trazendo da Bahia muitos casais, doando-lhes terras para lavrarem e a todos os moradores assistiu com cabedal considerável para fornecerem os seus engenhos e lavouras que avultaram por esta causa muito naquele tempo.
Criou a vila de Guarapari junto à foz do rio do mesmo nome por carta de 1ª de Janeiro de 1679. Seu porto é só capaz para sumacas.[ 5 ]
O convento da invocação de Nossa Senhora do Carmo dos religiosos carmelitas calçados não consta da sua fundação, porém em 1682 estava fundado, e era vigário do convento frei Agostinho de Jesus.
Francisco Gil de Araújo faleceu na Bahia a 24 de Dezembro de 1685. Seu filho Manoel Garcia Pimentel teve carta de doação por sucessão de 5 de Dezembro de 1687. Não passou a esta, ocupado com as importantíssimas propriedades que lograva na Bahia.
No ano de 1693, sendo capitão-mor João de Velasco Molina, desceu à vila da Vitória da casa da Caria, nome de uma aldeia sobre a margem do Rio Doce, distrito da capitania de Minas Gerais, Antônio Rodrigues Arzão, natural da vila de Taubaté, da capitania de São Paulo, e fez perante o capitão-mor e a câmara denúncia de 3 oitavas, que por ser o 1ª denunciado no Brasil e tirado das minas se fizeram duas medalhas, ficando uma ao capitão-mor, outra ao dito Arzão. Em 1702, por ordem de dom Rodrigo da Costa, governador e capitão-general do estado, se levantou a fortaleza de São Francisco Xavier da barra da baía do Espírito Santo.
Falecendo sem sucessão legítima o donatário Manoel Garcia Pimentel, foi adjudicada por sentença da relação da Bahia a Cosme Rolim de Moura, a quem a comprou o rei dom João V, por escritura feita em Lisboa aos 6 de Abril de 1718; mandando-lhe dar por ela a quantia de 16:000$000 réis, que Francisco Gil de Araújo havia dado a Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho. Esteve a capitania em poder dos donatários 193 anos.
Sendo neste tempo governada pelo capitão-mor João de Velasco Molina, que havia tomado posse em 13 de Setembro de 1716, continuou até que lhe sucedeu, no 1ª de janeiro de 1721, Antônio de Oliveira Madail com patente de capitão-mor e governador subalterno do governo da Bahia. Por provisão do conselho ultramarino datada de 19 de Abril de 1722, ficou esta capitania sujeita à jurisdição do ouvidor do Rio de Janeiro no foro judicial.
Constando ao capitão-mor Madail que Domingos Antunes, natural da cidade do Porto, casado na vila da Vitória, se havia com sua família estabelecido próximo do rio São Mateus, distrito desta capitania, e que seu terreno era fértil; por bando de 3 de Outubro de 1722 concedeu faculdade a todo o morador desta capitania para poder ir povoar aquele lugar com sua família, e persuadido da conveniência que resultaria ao real serviço de se povoar as margem deste rio, mandou, para animar mais a ida dos novos colonos, aprontar embarcações para os conduzir grátis. Na primeira expedição foi Antônio Gomes da Fonseca com 4 pessoas da sua família, Sebastião Lopes com 6; Manoel de Souza com 3; Antônio Mendes de Vasconcelos com 10; e Antônio Borges com 1 escravo. Deu provisão de nomeação de capitão-mor, na conformidade do seu regimento, a Antônio Vaz da Silva; e a câmara da vila da Vitória nomeou juiz da vintena a Antônio da Rocha Cardoso. Consta que em 1743 ainda esta povoação estava sujeita à jurisdição deste governo. Hoje está ao governo da Bahia, pertencendo à comarca de Porto Seguro, sem que nesta conste ordem régia, ou do governador e capitão-general da Bahia para esta separação.
O conde de Sabugosa, vice-rei do estado em 1726, mandou da Bahia para esta o engenheiro Nicolau de Abreu para fazer as precisas fortificações na vila da Vitória, levantando-se a fortaleza de São João na garganta que faz a baía acima da vila do Espírito Santo, e os fortes de Nossa Senhora da Vitória, de Nossa Senhora do Carmo, Santo Inácio e São Diogo; hoje destes só existe a fortaleza de São João.
Foi criada a comarca do Espírito Santo pelo ouvidor Pascoal José de Melo, que tomou posse em 3 de Outubro de 1741, e na demarcação que lhe fez uniu as vilas de São João e São Salvador de Campos de Goitacases.
Foram criadas vilas, pelo alvará de 8 de Maio de 1758, a aldeia dos índios dos Reis Magos com a denominação — Nova Almeida; e pelo alvará de 1º de Janeiro de 1759, a aldeia dos índios de Iriritiba, com a denominação de Benevente, ambas beira-mar, sendo seus portos só capazes de pequenas embarcações.
O marquës do Lavradio, governador e capitão-General da Bahia em 1768, mandou a companhia de linha denominada do Pinto do regimento de Alvim, para que unida à infantaria desta capitania formasse uma companhia de 90 infantes. Em data de 29 de Janeiro de 1788 determinou Dom Rodrigo José de Menezes, governador e capitão-general da Bahia em virtude da carta régia de 22 de Março de 1766 se criasse nesta um regimento de infantaria de milícias, e se lhe agregasse duas companhias de cavalaria. Organizado em 1789, foi nomeado coronel-comandante Inácio João Monjardim, capitão-mor governador desta capitania. Dom Fernando José de Portugal, governador e capitão-general da Bahia, por ordem de 27 de Agosto de 1793 regulou a companhia de infantaria de linha com 114 praças. Por outra de 17 de Agosto de 1798 mandou criar o hospital militar, executada pelo capitão-mor governador Manoel Fernandes da Silveira. A este sucedeu com patente de governador subalterno do governo da Bahia em 29 de Março de 1800, Antônio Pires da Silva Pontes. Foi esta capitania governada por capitães-mores depois da compra que sua majestade fez, 82 anos.
Antônio Pires da Silva Pontes, em observância do aviso de 29 de Agosto de 1798 de dom Rodrigo de Souza Coutinho, ministro e secretário de estado dos negócios da marinha e domínios ultramarinos, que manda observar nesta a carta régia de 12 de Maio de 1798, dirigida a dom Francisco de Souza Coutinho, governador e capitão-general do estado do Pará, criou o corpo de pedestres em 4 de Abril de 1800 e formou deste o destacamento do porto de Souza no distrito do rio Doce para servir de registo, e evitar as surpresas do gentio antropófago. Regulou de acordo com o governador e capitão-general da capitania de Minas Gerais Bernardo José de Lorena pelo auto celebrado em 8 de Outubro de 1800, os limites desta capitania com a de Minas no rio Doce.
A este sucedeu em 17 de Dezembro de 1804 Manoel de Albuquerque e Tovar. Durante este governo por decreto de 4 de Junho de 1807, foi anexado o posto de coronel-comandante do regimento de infantaria de milícias ao governador desta capitania; e pela carta régia de 28 de Maio de 1809 foi criada a junta da administração e arrecadação da real fazenda, abolida a provedoria, e, no que respeita à fazenda, independente da Bahia. Em Outubro de 1809 deu a denominação de Linhares ao lugar em que se havia de levantar a povoação do rio Doce, e estabeleceu a linha de destacamentos contra o gentio em toda a capitania.
Por decreto de 18 de Agosto de 1810 foi criado um batalhão de artilharia miliciano, organizado no 1o de Dezembro do mesmo ano: e ficou esta capitania quanto ao militar independente da Bahia por decreto de 13 de Setembro de 1810.
Teve por sucessor Francisco Alberto Rubim em 6 de Outubro de 1812, com patente, sem ser sujeito ao governador e capitão-general da Bahia, sujeito ao qual haviam estado os governadores desta por espaço de 12 anos.
Durante este governo, e em 15 de Fevereiro de 1813, foram situados os primeiros casais na povoação que criou, e denominou de Viana, no sertão da margem do Norte do rio Santo Agostinho, termo da vila da Vitória, vindo os casais das ilhas dos Açores remetidos de ordem de sua majestade pelo intendente geral da polícia Paulo Fernandes Viana.
Pela carta régia de 17 de Janeiro de 1814 foi autorizado este governo para conceder terrenos por sesmarias. Em 14 de Setembro de 1814 se rompeu o sertão intermédio desta capitania com a de Minas Gerais, ficando uma estrada de comunicação da cachoeira do rio Santa Maria, termo da vila da Vitória, à Vila Rica, da capitania de Minas Gerais, para cujo rompimento havia o governador dado instruções e ordens ao capitão do corpo de pedestres Inácio Pereira Duarte Carneiro.
Pela provisão do conselho supremo militar de 14 de Agosto de 1815 foi este governo autorizado para passar patentes aos oficiais de ordenanças. Em 15 de Dezembro de 1815 lançou o governador a primeira pedra para a edificação da igreja na povoação de Viana, que dedicou a Nossa Senhora da Conceição. As cartas régias de 4 de Dezembro de 1816 dirigidas ao governador e capitão-general da capitania de Minas, e ao governador desta capitania, aprovam o auto da divisão e demarcação de 8 de Outubro de 1800, e marca a linha divisória pelo sertão entre as duas capitanias. A provisão do real erário de 5 de Março de 1817 manda fazer pelo cofre da junta a despesa para uma igreja matriz em Linhares, distrito do rio Doce, e teve princípio em 13 de Setembro do mesmo ano. Por provisão do bispo diocesano e capelão-mor dom José Caetano da Silva Coutinho, foi nomeado capelão, curado independente da igreja da povoação de Viana, frei Francisco do Nascimento Teixeira, religioso do convento de Santo Antônio da província da Conceição. Por decreto de 23 de Dezembro de 1817 foi sua majestade servida mandar criar na vila da Vitória um hospital debaixo da inspeção da mesa da Santa Casa da Misericórdia, confirmando as doações e donativos oferecidos para seu estabelecimento.
Breve estatística
Pela parte Norte do distrito do rio Doce está demarcado pelo sertão com a capitania de Minas Gerais pela carta régia de 4 de Dezembro de 1816 pelo espigão que corre de Norte Sul entre os rios Guandu e Amanaçu, sendo do dito espigão para o rio Guandu águas vertentes o distrito da capitania do Espírito Santo; servindo-lhes outrossim da parte do Norte do rio Doce de demarcação a serra que está defronte do quartel do porto de Souza.
Beira-mar com a capitania da Bahia não tem porto determinado, porque segundo a primeira divisão de capitania neste continente, principiava esta na parte Sul do rio Mucuri, onde finalizava a capitania de Porto Seguro dada por Dom Pedro II a Pedro de Campos Tourinho, ao Sul fica a vila de São Mateus, e ao Sul desta o distrito do rio Doce.[ 6 ]
O quartel do rio do porto de Souza está na parte do Sul do rio Doce, duas léguas abaixo da foz do rio Guandu que entra no mesmo por baixo do último degrau das cachoeiras das Escadinhas. O quartel se acha guarnecido com um inferior e 11 soldados do corpo de pedestres. Do quartel segue pelo sertão uma estrada para a capitania de Minas Gerais, e atravessando o rio Guandu vai até ao quartel do registo da dita capitania, denominado quartel de Lorena, cuja estrada tem de distância três léguas e nela as precisas pontes e estivas[ 7 ] por onde descem os Mineiros com os seus gêneros até junto ao quartel do porto de Souza e onde se embarcam em canoas para descer o rio Doce até à povoação de Linhares; ali fazem as suas transações e voltam com sal, descendo o rio Doce do quartel do porto de Souza até à foz do rio Santa Joana, que fica na margem do Sul a 5 léguas; desta à foz do rio Pancas que fica na margem do Norte, duas léguas e meia defronte da qual fica a ilha do mesmo nome, que tem de comprido três quartos de légua. Desta ao quartel de Anadia, situado na margem do Sul duas léguas e três quartos, cujo está guarnecido com 1 inferior e 7 soldados do corpo de pedestres. Deste à povoação de Linhares que fica na parte do Norte 11 léguas e meia.
Esta povoação está situada em uma muito alta barreira em forma de meia lua para o rio Doce, superior a todos os terrenos que a rodeiam, porque são várzeas ou planícies na distância de muitas léguas, e por isso não obstante achar-se ainda inculta por todos os lados é da mais aprazível vista que pode imaginar-se, principalmente a do rio, que por ser largo e estar cheio de grandes ilhas e outras mais pequenas representam ao longe grandes e pequenas diferentes embarcações. Todas elas são férteis como todos o terreno firme, cuja produção é tão prodigiosa que os que plantam um alqueire colhem 200, tendo mais a vantagem de que ao mesmo tempo que todos os lavradores dos mais distritos desta capitania lamentam o incalculável estrago que lhes causa a formiga, estes se alegram por não terem encontrado uma só em suas lavouras. O que se pode asseverar é que a natureza parece se esmerou em fazer apetecível todos os terrenos deste distrito, sendo de lamentar que o gentio ou índios Cuités vulgarmente chamados Botocudos ou Gamelas, pela extravagância com que furam o beiço inferior e as orelhas, em cujos buracos metem grandes rolhas, sejam os que estejam utilizando da sua formosura e da sua fertilidade. Tem a povoação 57 fogos[ 8 ] e 305 almas; nela há um hospital militar com um cirurgião-mor e os medicamentos precisos. Há 1 alferes do corpo de pedestres, comandante de toda a linha de destacamentos do distrito, e que mensalmente os visita. Está-se-lhe edificando uma igreja matriz com o orago de Nossa Senhora da Conceição. Tem 1 quartel denominado primeiro quartel de Linhares, guarnecido com 1 inferior e 18 soldados do corpo de pedestres. Há nesta povoação um grande cercado de muito bom pasto, onde os moradores lançam seu gado vacum sem prejuízo algum da parte do gentio por estar todo entrincheirado de mataria grossa derribada: esta mesma trincheira continua até ao quartel denominado segundo quartel de Linhares na distância de quase uma légua, vindo a ficar este sobre a lagoa de Juparanã.[ 9 ] Está guarnecido com um inferior, 11 soldados pedestres, cobrindo assim as plantações dos habitantes, as quais ficam igualmente defendidas por um lado com a trincheira, e pelo outro com o rio da lagoa que deságua no rio Doce, tendo ao mesmo tempo a vantagem de ficarem com a povoação em uma ponta, e com o quartel na outra, comunicando-se com uma estrada que vai atravessar pela testada de toda a plantação, e do outro lado desta estrada para o sertão se fez uma derrubada para servir de trincheira, e nela girarem as rondas militares até à povoação, a fim de que o gentio não penetre nas lavouras com facilidade. Do lado do Norte da povoação em distância de légua e meia está a grande lagoa de Juparanã abundantíssima de peixe: esta se comunica por um rio do mesmo nome com o rio Doce, e é tão grande que tem em si uma ilha em que se recolhem os pescadores todo o tempo que não gastam no exercício da pesca. Na margem do rio do lado do Sul, defronte da povoação, está a fazenda denominada Bom-Jardim, com engenho de açúcar, fábrica de farinha de guerra, olaria onde se faz famosa telha e tijolo. O dono dela é João Felipe de Almeida Calmon, branco casado e nela vive com 22 pessoas. Desta fazenda segue uma estrada que finaliza no quartel de Aguiar, a qual tem 4 léguas de comprido e 30 palmos de largo com 3 pontes fortes, e por ela podem facilmente carregar todos os gêneros de importação e exportação para saírem pela barra do Riacho, uma vez que não queiram transportá-los pela do rio Doce. Tem de mais esta estrada a vantagem para os viandantes, que da capitania seguem suas jornadas para aquele distrito ou para a capitania da Bahia, não terem de dar uma volta de 8 léguas pela praia para chegarem à povoação de Linhares. Da povoação de Linhares à barra do rio Doce na margem do Norte tem 8 léguas. Acima se acha estabelecido com lavouras e gados Antônio José Martins, homem branco, casado, com uma família de 16 pessoas. Da casa deste segue pela costa do mar a estrada geral desta capitania à da Bahia, ficando distante 4 léguas o quartel de Monsarás, guarnecido com 1 inferior e 5 soldados pedestres, o qual serve de registo.
A barra do rio Doce não tem outro embaraço mais do que a sua corrente, violenta em tempo das águas, e neste tempo por espaço de quase légua se vê correr a água clara do rio por entre o azul do mar. O rio dentro é muito largo a modo de baía e pode navegar-se por ele acima em barcos e canoas mais de 20 léguas: na barra podem entrar sumacas e maiores embarcações quando a corrente não for tão violenta. Tem piloto-mor da barra por nomeação régia de 12 de Janeiro de 1818.
Da fazenda Bom-Jardim, situada em frente de Linhares, à margem do Sul do rio Doce tem 8 léguas. Neste lugar está o quartel da Regência Augusta guarnecido com 1 inferior e 4 soldados pedestres. Deste para o Sul pela costa do mar ao quartel do Riacho são 4 léguas, e é o quartel guarnecido com 1 inferior e 4 soldados do corpo de pedestres, e serve de registo para o interior desta capitania. Dele, subindo o rio do mesmo nome, está em distância de pouco mais de 3 léguas o campo do Riacho ou aldeia dos índios com 200 almas, que ora vivem neste lugar, ora junto ao quartel de Aguiar. Seguindo 3 quartos se acha a lagoa do mesmo nome. Desta para o Sul está a lagoa Dourada em distância de duas léguas e meia da primeira da parte do Norte, e ao Sul do rio Doce está o quartel de Aguiar, o qual fica 4 léguas para o sertão, e quase na altura da povoação de Linhares, guarnecido com 1 sargento-mor de ordenanças e 16 soldados índios.
Deste principia a estrada que sai defronte de Linhares, de que acima se tratou. No mesmo rio do Riacho deságua o rio dos Comboios, e 3 léguas para o sertão se acha o quartel do mesmo título, guarnecido com 1 inferior e 2 soldados pedestres. Não há em todo este distrito igreja alguma senão a matriz que se está edificando, nem outro algum lugar ou povoação.
Conta muitas lagoas largas e extensas, que têm sido descobertas em ocasiões de entradas para atacar o gentio, assim como alguns rios; mas por falta de gente se não tem podido ver onde vão desaguar as primeiras, e a foz e direção dos segundos. Em 1817 teve 16 batizados, 18 óbitos e 6 casamentos. No Riacho, onde finda o distrito do rio Doce, começa o da vila de Nova Almeida, cujo distrito, na criação da mesma vila, foi demarcado pelos limites da sesmaria que naquele lugar fora dada aos índios pelo donatário desta capitania no ano de 1610.
Tem de Norte a Sul 12 léguas com 6 para o sertão; porém depois da formação do quartel do Riacho ficou pertencendo para o Norte ao dito destacamento. Ao Sul do Riacho 3 léguas está situada a Aldeia Velha porto de mar, que admite sumacas formado pela confluência dos rios Piraquê-açu e Piraquê-mirim, que corre mais ao Norte, os quais se unem pouco antes de chegar ao mar. De um e outro lado do rio da Aldeia Velha, e nos seus braços se acham dispersos pelas suas margens os habitantes desta aldeia. Tem somente 17 fogos e 34 almas por ficar desamparada depois que os índios passaram para Vila Nova. Na margem do rio Piraquê-açu, caminho de 4 léguas desde a barra da Aldeia Velha, está a povoação de Piraquê-açu com 59 fogos e 373 almas.
Ao Sul da Aldeia velha, duas lagoas, fica a vila de Nova Almeida, a qual dista da da Vitória 7 léguas, situada em um lugar alto, sobranceiro ao mar. Corre junto a ela um pequeno regato chamado Piraém, e pelo Norte o rio de Sananha, por cuja barra, por ser de pequeno fundo, só entram lanchas. Há na vila um convento que foi dos extintos jesuítas, cuja igreja serve de matriz e tem por orago os Reis Magos, e parte do convento serve de residência aos vigários, e parte de casa da câmara e aposentadoria. Tem 175 fogos e 579 almas. Teve em 1817 200 batizados, 180 óbitos e 53 casamentos.
À meia distância entre esta vila e Aldeia Velha fica o lugar chamado Frecheiras, onde há uma engenhoca; e para o Sul próximo à vila, a Capuba onde há outra. A estrada geral corre junto ao mar ou próximo a ele. Há outra estrada desta vila para a freguesia da Serra, distrito da vila da Vitória, na qual já 3 engenhos, a saber: na Ladeira Grande, no Rio Novo e no Jacaraípe, que divide o distrito da vila de Nova Almeida do da Vitória. Da barra do rio Jacaraípe, em que só entram canoas, que, como fica dito, limita-se pelo Sul; o distrito da vila de Nova Almeida, e pelo Norte o da Vitória, a povoação da Serra são 3 léguas, e desta à margem do Norte do rio de Santa Maria, onde finda a compreensão da mesma freguesia, duas e meia, cujo orago é Nossa Senhora da Conceição da Serra, e foi esta freguesia desmembrada da de Nossa Senhora da Vitória em 1752. Esta povoação está debaixo do morro da Serra conhecido dos navegantes pelo Mestre Álvaro, o qual, por ser sobranceiro a todos os mais, lhes serve de baliza quando vindo do Norte procuram a barra da vila da Vitória. Tem de distância o distrito da freguesia desde a barra do Jacaraípe Norte Sul até a margem do Norte do rio de Santa Maria 5 léguas e meia, e de largura duas. Tem 23 engenhos de fabricar açúcar denominados Guaranhum, Cavada, Muribeca, Laje, Tabuleiro, Pesqueiro, Bettes, Dois, Campo do Morro, Morro, Calhaia, Porto de Jacaraípe, Santa Rita, Enseada das Pedras, Enseada Larga, Limeiras, Cachoeira, Prejura, Jacuí, Tacobaia, Dois, Pontal da Enseada Larga, e Vera; e 14 engenhocas denominadas Córrego das Pedras, Caiambola, Jacaraípe, Jumnem, Dois, Jum, Queimado 4, e Tramirim 4. Tem 317 fogos, com 2.422 almas. Em 1817 teve 84 batizados, 51 óbitos e 40 casamentos. Da freguesia da Serra à vila da Vitória são 7 léguas, e pela costa de mar, estrada geral, 6, desde a barra de Jacaraípe, onde há uma boa ponte, e, uma légua antes da vila, se atravessa outra chamada de Maruípe, que tem de comprimento 60 braças, construída há 18 anos sobre um braço do rio do Espírito Santo, que cerca a ilha em que está a vila da Vitória.
Até este ponto e em todo o mais terreno da ilha em torno da vila, tem uma igreja e um pomar no lugar de Carapina, 2 engenhos de açúcar, um nos Cardosos, outro em Carapina, e 4 engenhocas na parte dos Fachos, Bisanga, Camburi e Carapina. Tem 197 fogos com 2.493 almas.
A vila da Vitória, capital deste governo, terá de latitude 400 braças e de longitude 200 para 300: está situada em uma ilha de mais de 4 léguas de circunferência numa ponta do Monte Vigia, à margem do Norte do rio Espírito Santo, o qual, cercando a mesma ilha, faz barra em distância de uma légua no grande Oceano, e admite nelas galeras e bergantins;[ 10 ] oferecendo em toda esta distância que está povoada de ilhas capazes para grandes fortalezas, excelentes ancoradouros para muitas embarcações, abrigados de todos os ventos à exceção somente do Leste, que raras vezes aparece. Em toda a vila se aporta em canoas e escaleres[ 11 ] com a maior facilidade, porém seus primeiros desembarques são o cais novo das Colunas, que fica abaixo da casa do governo e do Azambuja; o cais Grande, onde até atracam sumacas; o do Santíssimo, o do Batalha, e o dos extintos jesuítas, vulgarmente chamado Porto dos Padres.
Tem esta vila uma freguesia do orago de Nossa Senhora da Vitória, que lhe dá o nome, a igreja do colégio dos extintos jesuítas contígua à casa do governo, e defronte desta a da Santa Casa da Misericórdia. Tem dois conventos, São Francisco e Carmo e 6 igrejas mais, inclusive as duas capelas das ordens terceiras dos ditos conventos. Tem uma junta de administração e arrecadação da real fazenda; duas fortalezas, Carmo e São João, e esta com 3 baterias, 2 corpos de tropa de linha, a companhia de infantaria de linha com 116 praças aquartelada na fortaleza do Carmo e o corpo de pedestres com 300 praças comandado por um tenente-coronel, cujo corpo está dividido por diferentes quartéis em todos os sertões da capitania para defender seus habitantes das incursões do gentio. Tem mais 3 corpos milicianos, o regimento de infantaria com duas companhias de cavalaria anexas, o batalhão de artilharia com um excelente parque de campanha, e a companhia de Henriques, é verdade que formados estes corpos com soldados também do termo. Tem um hospital regimental militar para a tropa de linha. Tem um professor régio de gramática latina, e outro das primeiras letras; e além destes 3 mestres mais que as ensinam. Tem 3 fontes de excelentes águas; a da Capixaba e a da Lapa, nas extremidades da vila, e a Fonte Grande quase no centro. Tem 945 fogos com 4.245 almas. Ainda que não rica é contudo assento do governo e cabeça da comarca. Sua perspectiva é bastantemente elegante, suas casas pela maior parte são de sobrado, e reformadas rodas por um só gosto à moderna. Os homens, se ocupam no comércio, para o qual possuem embarcações costeiras, e nos diferentes ofícios, e as mulheres em cozer e fiar.
Pelas costas da vila fica o rio Santa Maria, que desemboca no do Espírito Santo, povoado desde sua foz até a sua cachoeira, que são 6 léguas, compreendendo esta extensão até a barra do rio Cariaina também no do Espírito Santo, meia légua abaixo do de Santa Maria, 4 engenhos de açúcar, a saber: Pirau, Trapuchas, Asca e Una, e 10 engenhocas; e 347 fogos com 2.262 almas. Deságuam neste rio os de Mangaiari e Mulundú povoados de lavradores, e o de São Miguel nas cabeceiras do qual se estão estabelecendo vários lavradores, e já ali se acham em meia légua do terreno 17 fogos e 163 almas. Desde a cachoeira de Santa Maria, onde principia a nova estrada para Minas, desce por sua margem uma estrada que depois entranha-se pelo interior, e vem sair com 6 para 7 léguas à barra de Cariacica, de onde vai ao porto de Itacibá com pouco mais de uma légua, e ali se faz passagem para a vila, cuja estrada é aberta para facilitar a jornada daqueles Mineiros, que não querendo embarcar-se na cachoeira de Santa Maria seguem com suas tropas para o porto de Itacibá. Da barra do rio de Cariacica, pela margem do do Espírito Santo ao porto de Itacibá é pouco mais de uma légua, e deste porto pela margem do Sul, da vala que vem do rio Jem, e faz barra pouco abaixo do mesmo porto, e depois pela margem daquele à foz do rio Santo Agostinho serão 6 para 7 léguas, e tem em toda esta extensão 20 engenhos de açúcar denominados Santa Ana, dito; Maricará; Jem, dito; Buaiairas; Ladeira Grande, dito; Jacaroaba, Paú, Itapoca, dito; Campo Grande, Tanque, Caçarosa, Calabouço, Piranema Pequena, Piranema Grande, Capoeiraçu e Guaiamum e 12 engenhocas — Guaiamum, 2; Camarás, 2; Frechal, Cangaíba, Tambataí, Cariacica, Maricará, Rosas Velhas, Cachoeira, Campo Grande e Itacibá. Tem 3 igrejas de particulares, duas em Jem e uma em Piranema Grande. Tem 249 fogos com 2.341 almas.
Em distância de 4 léguas do porto de Itacibá, defronte da vila, são os sertões de Santo Agostinho, nos quais está situada a povoação do Viana, de ilhéus mandados estabelecer em culturas pelo governo, cuja povoação se acha o mais brilhante possível. É defendida por 4 quartéis, guarnecidos com 34 soldados pedestres, comandados por um alferes, dois nas suas extremidades para lhe servir de registo, e dois no sertão, em altos montes, a fim de vigiar e a defender das incursões e roubos dos gentios. Tem um cirurgião-mor para tratar das enfermidades de seus habitantes, igreja com capelão curado; um moinho d'água no meio da povoação, comum para todos, e olaria em que se fabrica telha. Seus colonos estão estabelecidos às bordas do rio Santo Agostinho da estrada nova das Pimentas, cuja testada corre a Oeste, 4ª de Norte com fundos ao Norte 4ª de Norte, até a casa do cirurgião-mor, e depois ao Norte com diferentes voltas, com fundos a Oeste até à estrada de Parobas, que segue por este rumo desde a margem do rio Santo Agostinho, e da nova estrada de Parobas que corre para Leste com fundos aos Norte até o colono Francisco Coelho Borges, donde sai a rumo de Sul a que vai para o moinho d'água e outros nas suas sobrequadras, e cada um tem de sesmaria terreno de 112 braças de testada com 500 de fundo, e lhes passa a todos quando não pelas portas, ao menos muito próximo córregos de excelentes águas. Ao presente tem esta povoação 59 fogos com 308 almas. Do interior da mesma segue uma estrada, que próximo das nascentes do rio Jem corta a estrada do cachoeiro do rio Santa Maria à Vila Rica. Da mesma povoação se vem à vila da Vitória por duas vias, primeiro embarcado saindo pelo rio Santo Agostinho ao de Jem, e deste ao do Espírito Santo 6 para 7 léguas, seguindo por terra a pé enxuto 4 léguas de Itacibá, onde se faz passagem para a vila, e atravessando esta estrada o rio Itaquari que deságua no Jem, o qual com as enchentes tornando-se às vezes invadeável se fez sobre ele a forte ponte Itaquari, obviando-se com ela qualquer inconveniente que os novos colonos de Viana, assim como os moradores d'além da mesma povoação pudessem encontrar em suas jornadas. Todo o terreno desta povoação, que terá de longitude duas léguas, e de latitude pouco mais de uma, é mui fácil, e cortado de muitos córregos. As habitações dos colonos estão todas em pequenos montes cercados de fertilíssimas várzeas capazes de todas as plantações pelo que se conservam em extremo alegres.
Teve em 1817 a freguesia 415 batizados, 276 óbitos e 76 casamentos. Em Jacaroaba defronte da povoação de Viana principia o distrito da vila do Espírito Santo pela margem do Sul do rio Jem até a fazenda de Caçaroca, e por detrás desta e direção ao esteiro Alaberi que sai um quarto de légua abaixo da vila da Vitória da parte do Sul junto ao penedo que fica oposto à fortaleza de São João, e 3 quartos de légua distante está a vila do Espírito Santo (6 léguas desde Jacaroaba) situada próximo à entrada da barra no fundo de uma pequena enseada da parte do Sul sobre outra muito pouco superior ao nível do mar. Tem ao lado do Sul uma íngreme montanha, no cume da qual está edificado o convento de Nossa Senhora da Penha. Ã entrada da vila, junto ao mar está a cadeia, e fronteira a esta, em distância de 200 passos, a matriz, cujo orago é Nossa Senhora do Rosário, ficando de um e outro lado, em distância de 50 passos, as casas bem alinhadas.
Logo imediato à matriz principia uma grande campina, que tem de extensão légua e meia, e confina com a pequena povoação de Guaranhum, cuja campina tendo sido por muitos tempos a ruína daqueles povos por causa das exalações pútridas condensadas na atmosfera, extraídas das águas que estagnadamente se conservavam na dita campina, já depositadas pelas chuvas, já pelas enchentes e inundações do rio Jem, que lhe passa próximo, é ao presente utilíssima, não só por nelas pastarem imensos gados de todas as espécies sem perigo nem temor das cheias, como por se transitar em todo o ano a pé enxuto, por se haver de novo limpado a vala aberta pelos extintos jesuítas, pela qual se esgotam ao rio da costa que sai por baixo da fortaleza de São Francisco Xavier da barra, que está entre a vila e o monte Moreno, todas as águas que pelos ditos motivos se arrojam na mencionada campina. Meia légua dela passa o rio Jem, e faz barra no Oceano, em que só entram canoas, sobre o qual há uma boa ponte de mais de 70 braças, ficando além dela, na margem do Sul do rio, a povoação da barra do Jem, cujos moradores vivem da pesca. A estrada geral segue sempre pela borda do mar, e duas léguas distante fica a Ponta da Fruta Pequena, povoação também de pescadores, e pouco adiante o Ribeiro Doce, que divide pelo Sul a vila do Espírito Santo da de Guarapari. Tem 6 engenhos de açúcar denominados Calheiras, Ilha de Óleo, Jeuma, Araçatibu, dito, e Jacaroaba, 4 engenhocas — Ponta da Fruta, Jacaraçu, Camboapina, e Ribeiro Doce. Em 1817 teve 33 batizados, 26 óbitos e 14 casamentos.
A vila de Guarapari tem por limite da parte do Norte o Ribeiro Doce, que a divide da do Espírito Santo, e da do Sul da lagoa de Maimbá, que a separa da nova Benevente. De um a outro ponto da referida divisão há 6 léguas de distância, e duas pouco mais ou menos de beira-mar até as últimas culturas para a parte do sertão. Dentro desta compreensão há uma freguesia, cuja igreja matriz tem por orago Nossa Senhora da Conceição, e outra capela filial dedicada ao Santíssimo Coração de Jesus. Além da enseada de Meaípe[ 12 ] (pequena povoação de pescadores ao Sul da vila, e estação pouco fiel para as embarcações por mais pequenas que elas sejam) não há mais que dois portos de mar, um junto da vila, e outro no distrito de Perocão; no primeiro entram sumacas grandes, no segundo só pequenas e nas marés cheias. Há 3 rios de água doce, mas nenhum deles é navegável, a saber: o do Una, que desemboca continuadamente no mar; o de Meaípe, que em alguns meses fecha a barra; e o do Engenho Velho, que se confunde com um braço salgado do rio, em cuja foz está situada a povoação principal ao Sul da entrada. Em 1817 teve a freguesia 55 batizados, 66 óbitos e 18 casamentos. A estrada geral corre ao longo da praia, e por ela se passa sobre 3 pontes: no Una, Perocão e Meaípe. Em todo o termo da vila há 5 engenhos de açúcar, denominados — Muripicoca, Adão Velho e Fazenda do Campo, duas, e 14 engenhocas — Una, Coutinho, Tabipemó, Camarugi, Rio do Engenho, Casca de Ostras, Piaura, Aldeia Velha, duas, e Lameirão quatro. Tem 283 fogos com 2.721 almas.
No lugar onde faz barra a lagoa Maimbá começa o distrito de Benevente, que tem pela costa do mar 6 léguas de extensão e outras tantas para o sertão, e finda este distrito ao Sul da praia de Piabanha perto da barra de Itapemirim. A duas léguas da lagoa Maimbá, caminho do Sul, está situada a vila de Benevente em um pequeno monte sobre o mar da parte do Norte do rio Iriritiba. A igreja e o convento, que foram dos extintos jesuítas, servem de matriz tendo por orago Nossa Senhora da Assunção, e de casa de câmara, cadeia e residência dos vigários. Este rio Iriritiba dá entrada a pequenas sumacas, e nele vêm desaguar 7 pequenos rios a saber: 4 da parte do Norte — Salina, Araraquara, Curindiba e Quatinga, e 3 do Sul — Pongá, Picoã e Jacuba. Da parte do Norte da vila até à ponta chamada dos Castelhanos há uma enseada grande e muito abrigada do vento Leste. À distância de légua e meia da vila tem sua foz o rio Piúma que corre do Norte quase paralelo ao Iriritiba, o qual não dá entrada senão a canoas e nele se perde da parte do Sul uma légua acima da sua foz, o Rio Novo, e logo acima outra légua o de Tapuã. Entre Benevente e Piúma faz a costa outra enseada na qual há algumas pequenas ilhas, e entre elas e a costa se abrigam as embarcações maiores que não podem entrar na vila de Benevente. O total da população de todo este distrito são 352 fogos com 2.017 almas. Tem 6 engenhos de açúcar — Quatinga, Itaúna, Três Barras, Monte Urubu, Boa Vista e Inhaúma: e 4 engenhocas — Taubinha, Araru, Ponta Grossa e Inhaúma. A estrada geral corre sempre junto ao mar até à praia de Piabanha, onde se limita o distrito da vila de Benevente com o de Itapemirim. Em 1817 teve 98 batizados, 124 óbitos e 46 casamentos.
Na praia do Piabanha começa o distrito de Itapemirim, e meia légua distante sai ao mar o rio do mesmo nome, em cuja barra entram lanchas, e meia légua acima está a vila de Nossa Senhora do Amparo de Itapemirim, cujo título é o orago da sua freguesia.
O primeiro cacheiro deste rio dista da vila 6 léguas; e nele se acha estabelecido um quartel da parte do Sul, guarnecido com um inferior e 30 soldados do corpo de pedestres. Suas margens até ao quartel estão povoadas de grandes fazendas com 9 engenhos reais e uma engenhoca coberta de sapê denominados — Areia, Cardoso, Cutia, Boa Vista, Barra Seca, Passo Grande, Paineira e São Gregório da Ribeira. À distância de 3 léguas fica o quartel da Boa Vista, que serve de registo à capitania pela parte do Sul. Está guarnecido com um alferes de infantaria e 18 soldados, 10 de infantaria e 8 de pedestres, Sobre uma alta barreira à borda do mar. Quatro léguas ao Sul se atravessa o rio de Itapemirim, onde há outro quartel que como não serve senão para passar os viandantes está guarnecido com 3 soldados do de Boa Vista. A grande fazenda de Muribeca dista pouco deste quartel pelo rio acima, e tem engenho de açúcar e imenso gado de produção. Meia légua ao Sul de Itabapoana fica Santa Catarina das Mós, onde faz termo pelo lado do Sul a capitania do Espírito Santo, e principia o distrito da vila de São João da Barra dos Campos de Goitacases, pertencente já à capitania do Rio de Janeiro, sendo desde o princípio do distrito da Itapemirim até este porto 8 léguas.
As belas margens do rio Itapemirim seriam incultas como outras muitas de vários rios desta capitania do Espírito Santo, se as invasões dos índios antropófagos não constrangessem aos habitantes das minas do Castelo estabelecidas nas cabeceiras do dito rio e seus confluentes (onde houveram 5 povoações denominadas Barra do Rio de Castelo, Caxixe, e Arraial Velho, Salgado e Ribeirão) a virem estabelecer-se meia légua distante do mar, trazendo para ali a imagem de Nossa Senhora do Amparo, que colocaram no dito lugar, levantando-lhe nova matriz, começando por conseqüência a atual povoação há pouco mais de 30 anos, vindo a real fazenda a perder com o abandono das povoações do Castelo, lugar hoje muito despovoado, e a ganhar no dízimo que pagam as fazendas de Itapemirim. Tem a dita vila e seu termo 147 fogos com 2.025 almas. Em 1817 teve 83 batizados, 83 óbitos e 20 casamentos.
RESUMO
Fundação desta capitania 292 anos. — Governada por donatários 192 anos. — Por capitães-mores, 83. — Por governadores ou subordinados subalternos à Bahia, 10. — Por governador independente 5. — Vilas 6. — Povoações 6. — Freguesias 8. — Capelania curada 1. — Colégios dos extintos jesuítas 3. — Santa Casa da Misericórdia 1. — Igrejas de particulares 4. — Igrejas filiais 5. — Conventos franciscanos 2. — Do Carmo 1. — Ordens terceiras 2. —Portos de mar 7. — Rios principais 10. — Engenhos 76. —Engenhocas 68. — Fogos 3.729. — Almas 24.585. — Batizados (em 1817) 1.087. —Óbitos 824. — Diferença a favor da população 263 almas. — Casamentos 273.
N.B. — A população desta capitania se considera exceder muito à que dão em mapa os comandantes dos diferentes distritos, principalmente na parte relativa à escravatura, e a experiência tem mostrado que os senhores não denunciam o número exato dos escravos que possuem; talvez que com a continuação de novas relações se possa vir no exato conhecimento do total da população.
Há nesta capitania uma espécie de Bômbix,[ 13 ] cujo casulo é muito maior que o persiano. A cor da seda é amarela escura, encontram-se alguns cor de ouro, de carne e verde. O intendente geral da polícia, Paulo Fernandes Viana, mandou fazer as precisas experiências para provar sua qualidade, reconhecendo este que o estado pudera perceber considerável interesse, porque o inseto nutre-se da folha da mamona e da laranjeira brava, que está no seu país nativo.
Vitória, 30 de Março de 1818. — Francisco Alberto Rubim.
_____________________________
Confina esta capitania pelo Norte com a Bahia, ao S. com o distrito de Campos de Goitacases, a Oeste com a capitania de Minas Gerais, a Lest...
Memória estatística da província do Espírito Santo no ano de 1817
Confina esta capitania pelo Norte com a Bahia, ao S. com o distrito de Campos de Goitacases, a Oeste com a capitania de Minas Gerais, a Leste com o oceano. Está situada na latitude Sul de 20°, 10', longitude 337°, 48'.Segundo a primeira divisão de capitanias neste continente, principiava na ponta do Sul da barra do rio Mucuri, e com 50 léguas de costa de mar para o Sul, findava em Santa Catarina das Mós. Hoje a jurisdição de seu governo abrange 6 vilas e 6 povoações mais notáveis principiando pelo Norte no distrito do rio Doce que fica ao Sul das vilas de Mucuri e São Mateus terreno compreendido na sua demarcação.
Sua principal vila é a da Vitória; cabeça da comarca, tem seu assento em uma ilha montuosa quase duas léguas da barra; dentro forma uma baía estreita, mas capaz de navios grandes; na entrada há 8, 7, 6 braças; mais dentro 5; e acima da vila, junto à ilha do Príncipe, onde está a casa da pólvora, 30 e 40 braças. Seus ares são benignos; o terreno fértil produz todos os gêneros próprios do reino e da Europa, além de outros o trigo, e o trigo mourisco é de excelente qualidade, provado por repetidas experiências de 1813 em diante; 10 rios principais banham seu terreno; os campos alegres; as matas, ricas de toda a qualidade de madeiras de lei; nelas se encontram as delícias dos bálsamos, copaíbas, almocegas, e sassafrases que perpetuamente recendem. O ouro das minas de Santa Maria, vulgarmente chamadas do Castelo, é de superior quilate; há vestígios em diferentes lugares de minas de ferro; e na serra denominada do Mestre Álvaro, termo da vila da Vitória, minas de salitre e enxofre, assim como vulgarmente se diz que nas cachoeiras do rio Jeuí.[ 1 ] para o sertão se encontram pedras preciosas.
Por carta de doação e sucessão do sr. dom João III, rei de Portugal, foi dado o senhorio desta capitania a Vasco Fernandes Coutinho pelos bons serviços que havia feito na Índia, com obrigação de a povoar e aproveitar seu terreno em lavouras e fábricas.
Passou de Portugal, abordou a esta no domingo do Espírito Santo do ano de 1525, e por motivo do dia assim a denominou. Ancorou na primeira enseada, meia légua acima da barra e o gentio da nação Aimoré, armado de arco e frecha se ajuntou em grande número para defender o desembarque na praia; porém o fogo de duas peças de artilharia que guarneciam as lanchas os fez retirar para o interior. Esta nação descendo da cordilheira de montes, que começando na capitania dos Ilhéus com o nome de serra dos Aimorés, e atravessando as de Porto Seguro, e desta vão por perto de 150 léguas acabar na enseada do Rio de Janeiro, onde lhes chamam serra dos Órgãos, a conquistaram a seus primeiros possuidores os gentios Tupinanquins e Tupinais, e as ficaram possuindo até ao tempo da nossa conquista.
Feito o desembarque, se fortificou e fundou a vila do Espírito Santo, não consta em que ano, nem do tempo que nela fez sua residência, nem da fundação do convento dos religiosos Beneditinos, santa casa da misericórdia o alfândega. Hoje destes edifícios apenas se vêm os alicerces. Consta, por tradição, que Vasco Fernandes Coutinho vendo-se de contínuo inquietado pelo gentio, ajuntara suas forças, expulsara-o da maior ilha que havia na baía, uma légua acima da vila, e nela se estabelecera e fundara a vila denominada da Vitória, tendo neste lugar alcançado a maior vitória o por isso como em troféu assim a denominou. Não consta o ano destes acontecimentos, porém sim, que no ano de 1551 o padre Afonso Brás, da companhia de Jesus, um dos quatro mandados por dom João III para a Bahia em 1550, deu princípio a fundar o colégio na vila da Vitória, no qual foi sepultado o venerável padre José de Anchieta em 9 de Julho de 1597, e hoje serve de casa da residência do governador, o que prova já neste ano estar fundada a vila.
O convento de Nossa Senhora da Penha, assentado no morro vizinho da vila do Espírito Santo, teve princípio em 1558, vindo a esta, frei Pedro Palácios,[ 2 ] religioso leigo da província da Arrábida de Portugal, nacional de Medina do Rio Seco, cidade do reino de Leão na Espanha. Este edificou uma capelinha no cume do morro, colocando nela a imagem da Senhora, que consigo trouxera, criou uma confraria, faleceu em 1570, e foi sepultado debaixo do alpendre. Consta que estando os moradores desta em grande aperto pelo cerco em que os tinha o gentio, e de quem recebiam grandes hostilidades e temiam maiores ruínas, Vasco Fernandes Coutinho pedira auxílio a Mem de Sá, governador e capitão-general do estado, e este lho enviou por seu filho Fernando de Sá que, vencendo os bárbaros e assegurando estes moradores, perdeu a vida.
Contudo, a muita perda de gente que lhe havia causado as guerras com o gentio fez retirar a Vasco Fernandes Coutinho para Portugal no ano de 1559, ficando esta capitania quase despovoada; porém não consta se voltou e só sim que seu filho Vasco Fernandes Coutinho já estava de posse desta em 1565, pois neste ano deu auxílio de gente o mantimento a Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, governador e capitão-general do estado, para expelir os Franceses e os índios Tamoios seus aliados da enseada e ilha de Villegagnon. Desta gloriosa ação se seguiu o fundar-se a cidade de S. Sebastião no Rio de Janeiro. Tornou a dar a quem logo os aproveitasse os terrenos concedidos por seu pai de sesmaria, que se achavam devolutos por causa das surpresas do gentio. Levantaram-se grandes fábricas de açúcar, das quais hoje existem vestígios: floresceu muito o comércio direto com Portugal. Faleceu nesta em 1589 sem sucessão. Sua mulher dona Luísa Grinalda ficou governando com seu adjunto Miguel de Azevedo, capitão de ordenanças. Seu marido havia pedido para Pernambuco ao padre Custódio da província de Santo Antônio de Portugal frei Belchior de Santa Catarina lhe mandasse religiosos para fundarem na vila da Vitória um convento. Chegaram no ano em que havia ele falecido; e sua mulher lhes concedeu terreno para fundarem o convento no lugar em que hoje existe. Em 6 de Dezembro de 1591 dona Luísa Grinalda e as câmaras das vilas do Espírito Santo e Vitória fizeram doação do cume do morro e capelinha de Nossa Senhora da Penha aos religiosos menores Capuchos.
Constando a dona Luísa Grinalda que se havia adjudicado o direito de senhorio si desta capitania a Francisco de Aguiar Coutinho, retirou-se para Portugal em 1593, ficando governando com patente de capitão-mor Miguel de Azevedo. Este ajuntou em 1594 toda a gente possível, e foi atacar os índios Goitacases, que tanto dano faziam com suas surpresas. Deste ataque resultou haver menos estragos de gentio. Não consta a fundação da igreja da Santa Casa da Misericórdia, porém do alvará do 1ª de Julho de 1604 de Felipe II rei de Castela, em que lhe concede os mesmos privilégios da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, se vê que sua fundação foi mais antiga. O donatário Francisco de Aguiar Coutinho tornou posse em 15 de Julho de 1620. Em Março de 1625 deu fundo na barra uma armada holandesa de 8 velas. Fizeram seu embarque e se fortificaram em diferentes portos da costa e ilhas. Nos dias 12 e 14 atacaram a vila e foram repelidos, de que resultou retirarem-se vergonhosamente. Não consta o nome do comandante holandês, detalhes destes combates, nem quais foram os Portugueses que mais se distinguiram; e só consta que a câmara por muitos anos no dia 6 de Agosto fazia uma festa em ação de graças pela vitória alcançada aos Holandeses.
Sendo capitão-mor governador João Dias Guedes, talvez por haver falecido Francisco de Aguiar Coutinho, tomou posse em 15 de Julho de 1643. No dia 27 de Outubro de 1640 deu fundo na barra o ministro holandês, João Délihi com uma esquadra de 11 velas: no dia 29 subiu com um navio, uma barcaça, dois batelões,[ 3 ] o sete lanchas guarnecidos com 800 infantes,[ 4 ] o atacaram a vila da Vitória em diferentes pontos. O capitão-mor havia disposto suas forças para os repelir, as quais consistiam em 30 armas do fogo, duas peças de artilharia, duas companhias de índios com arcos o frechas, e o resto do povo com chuços o piques. No primeiro desembarque perderam os Holandeses 200 homens; porém conseguiram entrar na vila, e o ataque se tornou geral, e durou por espaço de 4 horas com alternativas; por fim a vitória se declarou pelos Portugueses, e o resto dos Holandeses se recolheu às suas embarcações. Merece ser recomendado à posteridade o valor com que se conduziu Antônio do Couto e Almeida; motivo pelo que foi pelo governador e capitão-general Antônio Teles da Silva nomeado capitão-mor e confirmado por carta de 26 de Julho de 1643.
No dia 30 fizeram os Holandeses seu desembarque na vila do Espirito Santo. No primeiro ataque que lhe deram as ordenanças comandadas por seus capitães Adão Velho o Gaspar Saraiva perderam 26 homens; porém vendo os Portugueses que os inimigos eram em maior numero se retiraram para o interior; o que sabido pelo capitão-mor lhe mandou reforço a que se uniram; no terceiro dia deram sobre os Holandeses que os fizeram embarcar, deixando 32 prisioneiros. No dia 13 de Novembro se fizeram de vela deixando a glória aos Portugueses de os haver batido e destroçado com tão diminutas forças, o que sempre foi brasão da nação.
Na família dos Coutinhos se conservou o senhorio desta capitania até Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho, que obtendo alvará de licença para os poder renunciar, datado de 6 de Julho de 1674 o fez na pessoa de Francisco Gil de Araújo, morador na Bahia. Este teve carta de doação régia, datada de 18 de Março de 1675. Residiu alguns anos nesta, trazendo da Bahia muitos casais, doando-lhes terras para lavrarem e a todos os moradores assistiu com cabedal considerável para fornecerem os seus engenhos e lavouras que avultaram por esta causa muito naquele tempo.
Criou a vila de Guarapari junto à foz do rio do mesmo nome por carta de 1ª de Janeiro de 1679. Seu porto é só capaz para sumacas.[ 5 ]
O convento da invocação de Nossa Senhora do Carmo dos religiosos carmelitas calçados não consta da sua fundação, porém em 1682 estava fundado, e era vigário do convento frei Agostinho de Jesus.
Francisco Gil de Araújo faleceu na Bahia a 24 de Dezembro de 1685. Seu filho Manoel Garcia Pimentel teve carta de doação por sucessão de 5 de Dezembro de 1687. Não passou a esta, ocupado com as importantíssimas propriedades que lograva na Bahia.
No ano de 1693, sendo capitão-mor João de Velasco Molina, desceu à vila da Vitória da casa da Caria, nome de uma aldeia sobre a margem do Rio Doce, distrito da capitania de Minas Gerais, Antônio Rodrigues Arzão, natural da vila de Taubaté, da capitania de São Paulo, e fez perante o capitão-mor e a câmara denúncia de 3 oitavas, que por ser o 1ª denunciado no Brasil e tirado das minas se fizeram duas medalhas, ficando uma ao capitão-mor, outra ao dito Arzão. Em 1702, por ordem de dom Rodrigo da Costa, governador e capitão-general do estado, se levantou a fortaleza de São Francisco Xavier da barra da baía do Espírito Santo.
Falecendo sem sucessão legítima o donatário Manoel Garcia Pimentel, foi adjudicada por sentença da relação da Bahia a Cosme Rolim de Moura, a quem a comprou o rei dom João V, por escritura feita em Lisboa aos 6 de Abril de 1718; mandando-lhe dar por ela a quantia de 16:000$000 réis, que Francisco Gil de Araújo havia dado a Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho. Esteve a capitania em poder dos donatários 193 anos.
Sendo neste tempo governada pelo capitão-mor João de Velasco Molina, que havia tomado posse em 13 de Setembro de 1716, continuou até que lhe sucedeu, no 1ª de janeiro de 1721, Antônio de Oliveira Madail com patente de capitão-mor e governador subalterno do governo da Bahia. Por provisão do conselho ultramarino datada de 19 de Abril de 1722, ficou esta capitania sujeita à jurisdição do ouvidor do Rio de Janeiro no foro judicial.
Constando ao capitão-mor Madail que Domingos Antunes, natural da cidade do Porto, casado na vila da Vitória, se havia com sua família estabelecido próximo do rio São Mateus, distrito desta capitania, e que seu terreno era fértil; por bando de 3 de Outubro de 1722 concedeu faculdade a todo o morador desta capitania para poder ir povoar aquele lugar com sua família, e persuadido da conveniência que resultaria ao real serviço de se povoar as margem deste rio, mandou, para animar mais a ida dos novos colonos, aprontar embarcações para os conduzir grátis. Na primeira expedição foi Antônio Gomes da Fonseca com 4 pessoas da sua família, Sebastião Lopes com 6; Manoel de Souza com 3; Antônio Mendes de Vasconcelos com 10; e Antônio Borges com 1 escravo. Deu provisão de nomeação de capitão-mor, na conformidade do seu regimento, a Antônio Vaz da Silva; e a câmara da vila da Vitória nomeou juiz da vintena a Antônio da Rocha Cardoso. Consta que em 1743 ainda esta povoação estava sujeita à jurisdição deste governo. Hoje está ao governo da Bahia, pertencendo à comarca de Porto Seguro, sem que nesta conste ordem régia, ou do governador e capitão-general da Bahia para esta separação.
O conde de Sabugosa, vice-rei do estado em 1726, mandou da Bahia para esta o engenheiro Nicolau de Abreu para fazer as precisas fortificações na vila da Vitória, levantando-se a fortaleza de São João na garganta que faz a baía acima da vila do Espírito Santo, e os fortes de Nossa Senhora da Vitória, de Nossa Senhora do Carmo, Santo Inácio e São Diogo; hoje destes só existe a fortaleza de São João.
Foi criada a comarca do Espírito Santo pelo ouvidor Pascoal José de Melo, que tomou posse em 3 de Outubro de 1741, e na demarcação que lhe fez uniu as vilas de São João e São Salvador de Campos de Goitacases.
Foram criadas vilas, pelo alvará de 8 de Maio de 1758, a aldeia dos índios dos Reis Magos com a denominação — Nova Almeida; e pelo alvará de 1º de Janeiro de 1759, a aldeia dos índios de Iriritiba, com a denominação de Benevente, ambas beira-mar, sendo seus portos só capazes de pequenas embarcações.
O marquës do Lavradio, governador e capitão-General da Bahia em 1768, mandou a companhia de linha denominada do Pinto do regimento de Alvim, para que unida à infantaria desta capitania formasse uma companhia de 90 infantes. Em data de 29 de Janeiro de 1788 determinou Dom Rodrigo José de Menezes, governador e capitão-general da Bahia em virtude da carta régia de 22 de Março de 1766 se criasse nesta um regimento de infantaria de milícias, e se lhe agregasse duas companhias de cavalaria. Organizado em 1789, foi nomeado coronel-comandante Inácio João Monjardim, capitão-mor governador desta capitania. Dom Fernando José de Portugal, governador e capitão-general da Bahia, por ordem de 27 de Agosto de 1793 regulou a companhia de infantaria de linha com 114 praças. Por outra de 17 de Agosto de 1798 mandou criar o hospital militar, executada pelo capitão-mor governador Manoel Fernandes da Silveira. A este sucedeu com patente de governador subalterno do governo da Bahia em 29 de Março de 1800, Antônio Pires da Silva Pontes. Foi esta capitania governada por capitães-mores depois da compra que sua majestade fez, 82 anos.
Antônio Pires da Silva Pontes, em observância do aviso de 29 de Agosto de 1798 de dom Rodrigo de Souza Coutinho, ministro e secretário de estado dos negócios da marinha e domínios ultramarinos, que manda observar nesta a carta régia de 12 de Maio de 1798, dirigida a dom Francisco de Souza Coutinho, governador e capitão-general do estado do Pará, criou o corpo de pedestres em 4 de Abril de 1800 e formou deste o destacamento do porto de Souza no distrito do rio Doce para servir de registo, e evitar as surpresas do gentio antropófago. Regulou de acordo com o governador e capitão-general da capitania de Minas Gerais Bernardo José de Lorena pelo auto celebrado em 8 de Outubro de 1800, os limites desta capitania com a de Minas no rio Doce.
A este sucedeu em 17 de Dezembro de 1804 Manoel de Albuquerque e Tovar. Durante este governo por decreto de 4 de Junho de 1807, foi anexado o posto de coronel-comandante do regimento de infantaria de milícias ao governador desta capitania; e pela carta régia de 28 de Maio de 1809 foi criada a junta da administração e arrecadação da real fazenda, abolida a provedoria, e, no que respeita à fazenda, independente da Bahia. Em Outubro de 1809 deu a denominação de Linhares ao lugar em que se havia de levantar a povoação do rio Doce, e estabeleceu a linha de destacamentos contra o gentio em toda a capitania.
Por decreto de 18 de Agosto de 1810 foi criado um batalhão de artilharia miliciano, organizado no 1o de Dezembro do mesmo ano: e ficou esta capitania quanto ao militar independente da Bahia por decreto de 13 de Setembro de 1810.
Teve por sucessor Francisco Alberto Rubim em 6 de Outubro de 1812, com patente, sem ser sujeito ao governador e capitão-general da Bahia, sujeito ao qual haviam estado os governadores desta por espaço de 12 anos.
Durante este governo, e em 15 de Fevereiro de 1813, foram situados os primeiros casais na povoação que criou, e denominou de Viana, no sertão da margem do Norte do rio Santo Agostinho, termo da vila da Vitória, vindo os casais das ilhas dos Açores remetidos de ordem de sua majestade pelo intendente geral da polícia Paulo Fernandes Viana.
Pela carta régia de 17 de Janeiro de 1814 foi autorizado este governo para conceder terrenos por sesmarias. Em 14 de Setembro de 1814 se rompeu o sertão intermédio desta capitania com a de Minas Gerais, ficando uma estrada de comunicação da cachoeira do rio Santa Maria, termo da vila da Vitória, à Vila Rica, da capitania de Minas Gerais, para cujo rompimento havia o governador dado instruções e ordens ao capitão do corpo de pedestres Inácio Pereira Duarte Carneiro.
Pela provisão do conselho supremo militar de 14 de Agosto de 1815 foi este governo autorizado para passar patentes aos oficiais de ordenanças. Em 15 de Dezembro de 1815 lançou o governador a primeira pedra para a edificação da igreja na povoação de Viana, que dedicou a Nossa Senhora da Conceição. As cartas régias de 4 de Dezembro de 1816 dirigidas ao governador e capitão-general da capitania de Minas, e ao governador desta capitania, aprovam o auto da divisão e demarcação de 8 de Outubro de 1800, e marca a linha divisória pelo sertão entre as duas capitanias. A provisão do real erário de 5 de Março de 1817 manda fazer pelo cofre da junta a despesa para uma igreja matriz em Linhares, distrito do rio Doce, e teve princípio em 13 de Setembro do mesmo ano. Por provisão do bispo diocesano e capelão-mor dom José Caetano da Silva Coutinho, foi nomeado capelão, curado independente da igreja da povoação de Viana, frei Francisco do Nascimento Teixeira, religioso do convento de Santo Antônio da província da Conceição. Por decreto de 23 de Dezembro de 1817 foi sua majestade servida mandar criar na vila da Vitória um hospital debaixo da inspeção da mesa da Santa Casa da Misericórdia, confirmando as doações e donativos oferecidos para seu estabelecimento.
Breve estatística
Pela parte Norte do distrito do rio Doce está demarcado pelo sertão com a capitania de Minas Gerais pela carta régia de 4 de Dezembro de 1816 pelo espigão que corre de Norte Sul entre os rios Guandu e Amanaçu, sendo do dito espigão para o rio Guandu águas vertentes o distrito da capitania do Espírito Santo; servindo-lhes outrossim da parte do Norte do rio Doce de demarcação a serra que está defronte do quartel do porto de Souza.
Beira-mar com a capitania da Bahia não tem porto determinado, porque segundo a primeira divisão de capitania neste continente, principiava esta na parte Sul do rio Mucuri, onde finalizava a capitania de Porto Seguro dada por Dom Pedro II a Pedro de Campos Tourinho, ao Sul fica a vila de São Mateus, e ao Sul desta o distrito do rio Doce.[ 6 ]
O quartel do rio do porto de Souza está na parte do Sul do rio Doce, duas léguas abaixo da foz do rio Guandu que entra no mesmo por baixo do último degrau das cachoeiras das Escadinhas. O quartel se acha guarnecido com um inferior e 11 soldados do corpo de pedestres. Do quartel segue pelo sertão uma estrada para a capitania de Minas Gerais, e atravessando o rio Guandu vai até ao quartel do registo da dita capitania, denominado quartel de Lorena, cuja estrada tem de distância três léguas e nela as precisas pontes e estivas[ 7 ] por onde descem os Mineiros com os seus gêneros até junto ao quartel do porto de Souza e onde se embarcam em canoas para descer o rio Doce até à povoação de Linhares; ali fazem as suas transações e voltam com sal, descendo o rio Doce do quartel do porto de Souza até à foz do rio Santa Joana, que fica na margem do Sul a 5 léguas; desta à foz do rio Pancas que fica na margem do Norte, duas léguas e meia defronte da qual fica a ilha do mesmo nome, que tem de comprido três quartos de légua. Desta ao quartel de Anadia, situado na margem do Sul duas léguas e três quartos, cujo está guarnecido com 1 inferior e 7 soldados do corpo de pedestres. Deste à povoação de Linhares que fica na parte do Norte 11 léguas e meia.
Esta povoação está situada em uma muito alta barreira em forma de meia lua para o rio Doce, superior a todos os terrenos que a rodeiam, porque são várzeas ou planícies na distância de muitas léguas, e por isso não obstante achar-se ainda inculta por todos os lados é da mais aprazível vista que pode imaginar-se, principalmente a do rio, que por ser largo e estar cheio de grandes ilhas e outras mais pequenas representam ao longe grandes e pequenas diferentes embarcações. Todas elas são férteis como todos o terreno firme, cuja produção é tão prodigiosa que os que plantam um alqueire colhem 200, tendo mais a vantagem de que ao mesmo tempo que todos os lavradores dos mais distritos desta capitania lamentam o incalculável estrago que lhes causa a formiga, estes se alegram por não terem encontrado uma só em suas lavouras. O que se pode asseverar é que a natureza parece se esmerou em fazer apetecível todos os terrenos deste distrito, sendo de lamentar que o gentio ou índios Cuités vulgarmente chamados Botocudos ou Gamelas, pela extravagância com que furam o beiço inferior e as orelhas, em cujos buracos metem grandes rolhas, sejam os que estejam utilizando da sua formosura e da sua fertilidade. Tem a povoação 57 fogos[ 8 ] e 305 almas; nela há um hospital militar com um cirurgião-mor e os medicamentos precisos. Há 1 alferes do corpo de pedestres, comandante de toda a linha de destacamentos do distrito, e que mensalmente os visita. Está-se-lhe edificando uma igreja matriz com o orago de Nossa Senhora da Conceição. Tem 1 quartel denominado primeiro quartel de Linhares, guarnecido com 1 inferior e 18 soldados do corpo de pedestres. Há nesta povoação um grande cercado de muito bom pasto, onde os moradores lançam seu gado vacum sem prejuízo algum da parte do gentio por estar todo entrincheirado de mataria grossa derribada: esta mesma trincheira continua até ao quartel denominado segundo quartel de Linhares na distância de quase uma légua, vindo a ficar este sobre a lagoa de Juparanã.[ 9 ] Está guarnecido com um inferior, 11 soldados pedestres, cobrindo assim as plantações dos habitantes, as quais ficam igualmente defendidas por um lado com a trincheira, e pelo outro com o rio da lagoa que deságua no rio Doce, tendo ao mesmo tempo a vantagem de ficarem com a povoação em uma ponta, e com o quartel na outra, comunicando-se com uma estrada que vai atravessar pela testada de toda a plantação, e do outro lado desta estrada para o sertão se fez uma derrubada para servir de trincheira, e nela girarem as rondas militares até à povoação, a fim de que o gentio não penetre nas lavouras com facilidade. Do lado do Norte da povoação em distância de légua e meia está a grande lagoa de Juparanã abundantíssima de peixe: esta se comunica por um rio do mesmo nome com o rio Doce, e é tão grande que tem em si uma ilha em que se recolhem os pescadores todo o tempo que não gastam no exercício da pesca. Na margem do rio do lado do Sul, defronte da povoação, está a fazenda denominada Bom-Jardim, com engenho de açúcar, fábrica de farinha de guerra, olaria onde se faz famosa telha e tijolo. O dono dela é João Felipe de Almeida Calmon, branco casado e nela vive com 22 pessoas. Desta fazenda segue uma estrada que finaliza no quartel de Aguiar, a qual tem 4 léguas de comprido e 30 palmos de largo com 3 pontes fortes, e por ela podem facilmente carregar todos os gêneros de importação e exportação para saírem pela barra do Riacho, uma vez que não queiram transportá-los pela do rio Doce. Tem de mais esta estrada a vantagem para os viandantes, que da capitania seguem suas jornadas para aquele distrito ou para a capitania da Bahia, não terem de dar uma volta de 8 léguas pela praia para chegarem à povoação de Linhares. Da povoação de Linhares à barra do rio Doce na margem do Norte tem 8 léguas. Acima se acha estabelecido com lavouras e gados Antônio José Martins, homem branco, casado, com uma família de 16 pessoas. Da casa deste segue pela costa do mar a estrada geral desta capitania à da Bahia, ficando distante 4 léguas o quartel de Monsarás, guarnecido com 1 inferior e 5 soldados pedestres, o qual serve de registo.
A barra do rio Doce não tem outro embaraço mais do que a sua corrente, violenta em tempo das águas, e neste tempo por espaço de quase légua se vê correr a água clara do rio por entre o azul do mar. O rio dentro é muito largo a modo de baía e pode navegar-se por ele acima em barcos e canoas mais de 20 léguas: na barra podem entrar sumacas e maiores embarcações quando a corrente não for tão violenta. Tem piloto-mor da barra por nomeação régia de 12 de Janeiro de 1818.
Da fazenda Bom-Jardim, situada em frente de Linhares, à margem do Sul do rio Doce tem 8 léguas. Neste lugar está o quartel da Regência Augusta guarnecido com 1 inferior e 4 soldados pedestres. Deste para o Sul pela costa do mar ao quartel do Riacho são 4 léguas, e é o quartel guarnecido com 1 inferior e 4 soldados do corpo de pedestres, e serve de registo para o interior desta capitania. Dele, subindo o rio do mesmo nome, está em distância de pouco mais de 3 léguas o campo do Riacho ou aldeia dos índios com 200 almas, que ora vivem neste lugar, ora junto ao quartel de Aguiar. Seguindo 3 quartos se acha a lagoa do mesmo nome. Desta para o Sul está a lagoa Dourada em distância de duas léguas e meia da primeira da parte do Norte, e ao Sul do rio Doce está o quartel de Aguiar, o qual fica 4 léguas para o sertão, e quase na altura da povoação de Linhares, guarnecido com 1 sargento-mor de ordenanças e 16 soldados índios.
Deste principia a estrada que sai defronte de Linhares, de que acima se tratou. No mesmo rio do Riacho deságua o rio dos Comboios, e 3 léguas para o sertão se acha o quartel do mesmo título, guarnecido com 1 inferior e 2 soldados pedestres. Não há em todo este distrito igreja alguma senão a matriz que se está edificando, nem outro algum lugar ou povoação.
Conta muitas lagoas largas e extensas, que têm sido descobertas em ocasiões de entradas para atacar o gentio, assim como alguns rios; mas por falta de gente se não tem podido ver onde vão desaguar as primeiras, e a foz e direção dos segundos. Em 1817 teve 16 batizados, 18 óbitos e 6 casamentos. No Riacho, onde finda o distrito do rio Doce, começa o da vila de Nova Almeida, cujo distrito, na criação da mesma vila, foi demarcado pelos limites da sesmaria que naquele lugar fora dada aos índios pelo donatário desta capitania no ano de 1610.
Tem de Norte a Sul 12 léguas com 6 para o sertão; porém depois da formação do quartel do Riacho ficou pertencendo para o Norte ao dito destacamento. Ao Sul do Riacho 3 léguas está situada a Aldeia Velha porto de mar, que admite sumacas formado pela confluência dos rios Piraquê-açu e Piraquê-mirim, que corre mais ao Norte, os quais se unem pouco antes de chegar ao mar. De um e outro lado do rio da Aldeia Velha, e nos seus braços se acham dispersos pelas suas margens os habitantes desta aldeia. Tem somente 17 fogos e 34 almas por ficar desamparada depois que os índios passaram para Vila Nova. Na margem do rio Piraquê-açu, caminho de 4 léguas desde a barra da Aldeia Velha, está a povoação de Piraquê-açu com 59 fogos e 373 almas.
Ao Sul da Aldeia velha, duas lagoas, fica a vila de Nova Almeida, a qual dista da da Vitória 7 léguas, situada em um lugar alto, sobranceiro ao mar. Corre junto a ela um pequeno regato chamado Piraém, e pelo Norte o rio de Sananha, por cuja barra, por ser de pequeno fundo, só entram lanchas. Há na vila um convento que foi dos extintos jesuítas, cuja igreja serve de matriz e tem por orago os Reis Magos, e parte do convento serve de residência aos vigários, e parte de casa da câmara e aposentadoria. Tem 175 fogos e 579 almas. Teve em 1817 200 batizados, 180 óbitos e 53 casamentos.
À meia distância entre esta vila e Aldeia Velha fica o lugar chamado Frecheiras, onde há uma engenhoca; e para o Sul próximo à vila, a Capuba onde há outra. A estrada geral corre junto ao mar ou próximo a ele. Há outra estrada desta vila para a freguesia da Serra, distrito da vila da Vitória, na qual já 3 engenhos, a saber: na Ladeira Grande, no Rio Novo e no Jacaraípe, que divide o distrito da vila de Nova Almeida do da Vitória. Da barra do rio Jacaraípe, em que só entram canoas, que, como fica dito, limita-se pelo Sul; o distrito da vila de Nova Almeida, e pelo Norte o da Vitória, a povoação da Serra são 3 léguas, e desta à margem do Norte do rio de Santa Maria, onde finda a compreensão da mesma freguesia, duas e meia, cujo orago é Nossa Senhora da Conceição da Serra, e foi esta freguesia desmembrada da de Nossa Senhora da Vitória em 1752. Esta povoação está debaixo do morro da Serra conhecido dos navegantes pelo Mestre Álvaro, o qual, por ser sobranceiro a todos os mais, lhes serve de baliza quando vindo do Norte procuram a barra da vila da Vitória. Tem de distância o distrito da freguesia desde a barra do Jacaraípe Norte Sul até a margem do Norte do rio de Santa Maria 5 léguas e meia, e de largura duas. Tem 23 engenhos de fabricar açúcar denominados Guaranhum, Cavada, Muribeca, Laje, Tabuleiro, Pesqueiro, Bettes, Dois, Campo do Morro, Morro, Calhaia, Porto de Jacaraípe, Santa Rita, Enseada das Pedras, Enseada Larga, Limeiras, Cachoeira, Prejura, Jacuí, Tacobaia, Dois, Pontal da Enseada Larga, e Vera; e 14 engenhocas denominadas Córrego das Pedras, Caiambola, Jacaraípe, Jumnem, Dois, Jum, Queimado 4, e Tramirim 4. Tem 317 fogos, com 2.422 almas. Em 1817 teve 84 batizados, 51 óbitos e 40 casamentos. Da freguesia da Serra à vila da Vitória são 7 léguas, e pela costa de mar, estrada geral, 6, desde a barra de Jacaraípe, onde há uma boa ponte, e, uma légua antes da vila, se atravessa outra chamada de Maruípe, que tem de comprimento 60 braças, construída há 18 anos sobre um braço do rio do Espírito Santo, que cerca a ilha em que está a vila da Vitória.
Até este ponto e em todo o mais terreno da ilha em torno da vila, tem uma igreja e um pomar no lugar de Carapina, 2 engenhos de açúcar, um nos Cardosos, outro em Carapina, e 4 engenhocas na parte dos Fachos, Bisanga, Camburi e Carapina. Tem 197 fogos com 2.493 almas.
A vila da Vitória, capital deste governo, terá de latitude 400 braças e de longitude 200 para 300: está situada em uma ilha de mais de 4 léguas de circunferência numa ponta do Monte Vigia, à margem do Norte do rio Espírito Santo, o qual, cercando a mesma ilha, faz barra em distância de uma légua no grande Oceano, e admite nelas galeras e bergantins;[ 10 ] oferecendo em toda esta distância que está povoada de ilhas capazes para grandes fortalezas, excelentes ancoradouros para muitas embarcações, abrigados de todos os ventos à exceção somente do Leste, que raras vezes aparece. Em toda a vila se aporta em canoas e escaleres[ 11 ] com a maior facilidade, porém seus primeiros desembarques são o cais novo das Colunas, que fica abaixo da casa do governo e do Azambuja; o cais Grande, onde até atracam sumacas; o do Santíssimo, o do Batalha, e o dos extintos jesuítas, vulgarmente chamado Porto dos Padres.
Tem esta vila uma freguesia do orago de Nossa Senhora da Vitória, que lhe dá o nome, a igreja do colégio dos extintos jesuítas contígua à casa do governo, e defronte desta a da Santa Casa da Misericórdia. Tem dois conventos, São Francisco e Carmo e 6 igrejas mais, inclusive as duas capelas das ordens terceiras dos ditos conventos. Tem uma junta de administração e arrecadação da real fazenda; duas fortalezas, Carmo e São João, e esta com 3 baterias, 2 corpos de tropa de linha, a companhia de infantaria de linha com 116 praças aquartelada na fortaleza do Carmo e o corpo de pedestres com 300 praças comandado por um tenente-coronel, cujo corpo está dividido por diferentes quartéis em todos os sertões da capitania para defender seus habitantes das incursões do gentio. Tem mais 3 corpos milicianos, o regimento de infantaria com duas companhias de cavalaria anexas, o batalhão de artilharia com um excelente parque de campanha, e a companhia de Henriques, é verdade que formados estes corpos com soldados também do termo. Tem um hospital regimental militar para a tropa de linha. Tem um professor régio de gramática latina, e outro das primeiras letras; e além destes 3 mestres mais que as ensinam. Tem 3 fontes de excelentes águas; a da Capixaba e a da Lapa, nas extremidades da vila, e a Fonte Grande quase no centro. Tem 945 fogos com 4.245 almas. Ainda que não rica é contudo assento do governo e cabeça da comarca. Sua perspectiva é bastantemente elegante, suas casas pela maior parte são de sobrado, e reformadas rodas por um só gosto à moderna. Os homens, se ocupam no comércio, para o qual possuem embarcações costeiras, e nos diferentes ofícios, e as mulheres em cozer e fiar.
Pelas costas da vila fica o rio Santa Maria, que desemboca no do Espírito Santo, povoado desde sua foz até a sua cachoeira, que são 6 léguas, compreendendo esta extensão até a barra do rio Cariaina também no do Espírito Santo, meia légua abaixo do de Santa Maria, 4 engenhos de açúcar, a saber: Pirau, Trapuchas, Asca e Una, e 10 engenhocas; e 347 fogos com 2.262 almas. Deságuam neste rio os de Mangaiari e Mulundú povoados de lavradores, e o de São Miguel nas cabeceiras do qual se estão estabelecendo vários lavradores, e já ali se acham em meia légua do terreno 17 fogos e 163 almas. Desde a cachoeira de Santa Maria, onde principia a nova estrada para Minas, desce por sua margem uma estrada que depois entranha-se pelo interior, e vem sair com 6 para 7 léguas à barra de Cariacica, de onde vai ao porto de Itacibá com pouco mais de uma légua, e ali se faz passagem para a vila, cuja estrada é aberta para facilitar a jornada daqueles Mineiros, que não querendo embarcar-se na cachoeira de Santa Maria seguem com suas tropas para o porto de Itacibá. Da barra do rio de Cariacica, pela margem do do Espírito Santo ao porto de Itacibá é pouco mais de uma légua, e deste porto pela margem do Sul, da vala que vem do rio Jem, e faz barra pouco abaixo do mesmo porto, e depois pela margem daquele à foz do rio Santo Agostinho serão 6 para 7 léguas, e tem em toda esta extensão 20 engenhos de açúcar denominados Santa Ana, dito; Maricará; Jem, dito; Buaiairas; Ladeira Grande, dito; Jacaroaba, Paú, Itapoca, dito; Campo Grande, Tanque, Caçarosa, Calabouço, Piranema Pequena, Piranema Grande, Capoeiraçu e Guaiamum e 12 engenhocas — Guaiamum, 2; Camarás, 2; Frechal, Cangaíba, Tambataí, Cariacica, Maricará, Rosas Velhas, Cachoeira, Campo Grande e Itacibá. Tem 3 igrejas de particulares, duas em Jem e uma em Piranema Grande. Tem 249 fogos com 2.341 almas.
Em distância de 4 léguas do porto de Itacibá, defronte da vila, são os sertões de Santo Agostinho, nos quais está situada a povoação do Viana, de ilhéus mandados estabelecer em culturas pelo governo, cuja povoação se acha o mais brilhante possível. É defendida por 4 quartéis, guarnecidos com 34 soldados pedestres, comandados por um alferes, dois nas suas extremidades para lhe servir de registo, e dois no sertão, em altos montes, a fim de vigiar e a defender das incursões e roubos dos gentios. Tem um cirurgião-mor para tratar das enfermidades de seus habitantes, igreja com capelão curado; um moinho d'água no meio da povoação, comum para todos, e olaria em que se fabrica telha. Seus colonos estão estabelecidos às bordas do rio Santo Agostinho da estrada nova das Pimentas, cuja testada corre a Oeste, 4ª de Norte com fundos ao Norte 4ª de Norte, até a casa do cirurgião-mor, e depois ao Norte com diferentes voltas, com fundos a Oeste até à estrada de Parobas, que segue por este rumo desde a margem do rio Santo Agostinho, e da nova estrada de Parobas que corre para Leste com fundos aos Norte até o colono Francisco Coelho Borges, donde sai a rumo de Sul a que vai para o moinho d'água e outros nas suas sobrequadras, e cada um tem de sesmaria terreno de 112 braças de testada com 500 de fundo, e lhes passa a todos quando não pelas portas, ao menos muito próximo córregos de excelentes águas. Ao presente tem esta povoação 59 fogos com 308 almas. Do interior da mesma segue uma estrada, que próximo das nascentes do rio Jem corta a estrada do cachoeiro do rio Santa Maria à Vila Rica. Da mesma povoação se vem à vila da Vitória por duas vias, primeiro embarcado saindo pelo rio Santo Agostinho ao de Jem, e deste ao do Espírito Santo 6 para 7 léguas, seguindo por terra a pé enxuto 4 léguas de Itacibá, onde se faz passagem para a vila, e atravessando esta estrada o rio Itaquari que deságua no Jem, o qual com as enchentes tornando-se às vezes invadeável se fez sobre ele a forte ponte Itaquari, obviando-se com ela qualquer inconveniente que os novos colonos de Viana, assim como os moradores d'além da mesma povoação pudessem encontrar em suas jornadas. Todo o terreno desta povoação, que terá de longitude duas léguas, e de latitude pouco mais de uma, é mui fácil, e cortado de muitos córregos. As habitações dos colonos estão todas em pequenos montes cercados de fertilíssimas várzeas capazes de todas as plantações pelo que se conservam em extremo alegres.
Teve em 1817 a freguesia 415 batizados, 276 óbitos e 76 casamentos. Em Jacaroaba defronte da povoação de Viana principia o distrito da vila do Espírito Santo pela margem do Sul do rio Jem até a fazenda de Caçaroca, e por detrás desta e direção ao esteiro Alaberi que sai um quarto de légua abaixo da vila da Vitória da parte do Sul junto ao penedo que fica oposto à fortaleza de São João, e 3 quartos de légua distante está a vila do Espírito Santo (6 léguas desde Jacaroaba) situada próximo à entrada da barra no fundo de uma pequena enseada da parte do Sul sobre outra muito pouco superior ao nível do mar. Tem ao lado do Sul uma íngreme montanha, no cume da qual está edificado o convento de Nossa Senhora da Penha. Ã entrada da vila, junto ao mar está a cadeia, e fronteira a esta, em distância de 200 passos, a matriz, cujo orago é Nossa Senhora do Rosário, ficando de um e outro lado, em distância de 50 passos, as casas bem alinhadas.
Logo imediato à matriz principia uma grande campina, que tem de extensão légua e meia, e confina com a pequena povoação de Guaranhum, cuja campina tendo sido por muitos tempos a ruína daqueles povos por causa das exalações pútridas condensadas na atmosfera, extraídas das águas que estagnadamente se conservavam na dita campina, já depositadas pelas chuvas, já pelas enchentes e inundações do rio Jem, que lhe passa próximo, é ao presente utilíssima, não só por nelas pastarem imensos gados de todas as espécies sem perigo nem temor das cheias, como por se transitar em todo o ano a pé enxuto, por se haver de novo limpado a vala aberta pelos extintos jesuítas, pela qual se esgotam ao rio da costa que sai por baixo da fortaleza de São Francisco Xavier da barra, que está entre a vila e o monte Moreno, todas as águas que pelos ditos motivos se arrojam na mencionada campina. Meia légua dela passa o rio Jem, e faz barra no Oceano, em que só entram canoas, sobre o qual há uma boa ponte de mais de 70 braças, ficando além dela, na margem do Sul do rio, a povoação da barra do Jem, cujos moradores vivem da pesca. A estrada geral segue sempre pela borda do mar, e duas léguas distante fica a Ponta da Fruta Pequena, povoação também de pescadores, e pouco adiante o Ribeiro Doce, que divide pelo Sul a vila do Espírito Santo da de Guarapari. Tem 6 engenhos de açúcar denominados Calheiras, Ilha de Óleo, Jeuma, Araçatibu, dito, e Jacaroaba, 4 engenhocas — Ponta da Fruta, Jacaraçu, Camboapina, e Ribeiro Doce. Em 1817 teve 33 batizados, 26 óbitos e 14 casamentos.
A vila de Guarapari tem por limite da parte do Norte o Ribeiro Doce, que a divide da do Espírito Santo, e da do Sul da lagoa de Maimbá, que a separa da nova Benevente. De um a outro ponto da referida divisão há 6 léguas de distância, e duas pouco mais ou menos de beira-mar até as últimas culturas para a parte do sertão. Dentro desta compreensão há uma freguesia, cuja igreja matriz tem por orago Nossa Senhora da Conceição, e outra capela filial dedicada ao Santíssimo Coração de Jesus. Além da enseada de Meaípe[ 12 ] (pequena povoação de pescadores ao Sul da vila, e estação pouco fiel para as embarcações por mais pequenas que elas sejam) não há mais que dois portos de mar, um junto da vila, e outro no distrito de Perocão; no primeiro entram sumacas grandes, no segundo só pequenas e nas marés cheias. Há 3 rios de água doce, mas nenhum deles é navegável, a saber: o do Una, que desemboca continuadamente no mar; o de Meaípe, que em alguns meses fecha a barra; e o do Engenho Velho, que se confunde com um braço salgado do rio, em cuja foz está situada a povoação principal ao Sul da entrada. Em 1817 teve a freguesia 55 batizados, 66 óbitos e 18 casamentos. A estrada geral corre ao longo da praia, e por ela se passa sobre 3 pontes: no Una, Perocão e Meaípe. Em todo o termo da vila há 5 engenhos de açúcar, denominados — Muripicoca, Adão Velho e Fazenda do Campo, duas, e 14 engenhocas — Una, Coutinho, Tabipemó, Camarugi, Rio do Engenho, Casca de Ostras, Piaura, Aldeia Velha, duas, e Lameirão quatro. Tem 283 fogos com 2.721 almas.
No lugar onde faz barra a lagoa Maimbá começa o distrito de Benevente, que tem pela costa do mar 6 léguas de extensão e outras tantas para o sertão, e finda este distrito ao Sul da praia de Piabanha perto da barra de Itapemirim. A duas léguas da lagoa Maimbá, caminho do Sul, está situada a vila de Benevente em um pequeno monte sobre o mar da parte do Norte do rio Iriritiba. A igreja e o convento, que foram dos extintos jesuítas, servem de matriz tendo por orago Nossa Senhora da Assunção, e de casa de câmara, cadeia e residência dos vigários. Este rio Iriritiba dá entrada a pequenas sumacas, e nele vêm desaguar 7 pequenos rios a saber: 4 da parte do Norte — Salina, Araraquara, Curindiba e Quatinga, e 3 do Sul — Pongá, Picoã e Jacuba. Da parte do Norte da vila até à ponta chamada dos Castelhanos há uma enseada grande e muito abrigada do vento Leste. À distância de légua e meia da vila tem sua foz o rio Piúma que corre do Norte quase paralelo ao Iriritiba, o qual não dá entrada senão a canoas e nele se perde da parte do Sul uma légua acima da sua foz, o Rio Novo, e logo acima outra légua o de Tapuã. Entre Benevente e Piúma faz a costa outra enseada na qual há algumas pequenas ilhas, e entre elas e a costa se abrigam as embarcações maiores que não podem entrar na vila de Benevente. O total da população de todo este distrito são 352 fogos com 2.017 almas. Tem 6 engenhos de açúcar — Quatinga, Itaúna, Três Barras, Monte Urubu, Boa Vista e Inhaúma: e 4 engenhocas — Taubinha, Araru, Ponta Grossa e Inhaúma. A estrada geral corre sempre junto ao mar até à praia de Piabanha, onde se limita o distrito da vila de Benevente com o de Itapemirim. Em 1817 teve 98 batizados, 124 óbitos e 46 casamentos.
Na praia do Piabanha começa o distrito de Itapemirim, e meia légua distante sai ao mar o rio do mesmo nome, em cuja barra entram lanchas, e meia légua acima está a vila de Nossa Senhora do Amparo de Itapemirim, cujo título é o orago da sua freguesia.
O primeiro cacheiro deste rio dista da vila 6 léguas; e nele se acha estabelecido um quartel da parte do Sul, guarnecido com um inferior e 30 soldados do corpo de pedestres. Suas margens até ao quartel estão povoadas de grandes fazendas com 9 engenhos reais e uma engenhoca coberta de sapê denominados — Areia, Cardoso, Cutia, Boa Vista, Barra Seca, Passo Grande, Paineira e São Gregório da Ribeira. À distância de 3 léguas fica o quartel da Boa Vista, que serve de registo à capitania pela parte do Sul. Está guarnecido com um alferes de infantaria e 18 soldados, 10 de infantaria e 8 de pedestres, Sobre uma alta barreira à borda do mar. Quatro léguas ao Sul se atravessa o rio de Itapemirim, onde há outro quartel que como não serve senão para passar os viandantes está guarnecido com 3 soldados do de Boa Vista. A grande fazenda de Muribeca dista pouco deste quartel pelo rio acima, e tem engenho de açúcar e imenso gado de produção. Meia légua ao Sul de Itabapoana fica Santa Catarina das Mós, onde faz termo pelo lado do Sul a capitania do Espírito Santo, e principia o distrito da vila de São João da Barra dos Campos de Goitacases, pertencente já à capitania do Rio de Janeiro, sendo desde o princípio do distrito da Itapemirim até este porto 8 léguas.
As belas margens do rio Itapemirim seriam incultas como outras muitas de vários rios desta capitania do Espírito Santo, se as invasões dos índios antropófagos não constrangessem aos habitantes das minas do Castelo estabelecidas nas cabeceiras do dito rio e seus confluentes (onde houveram 5 povoações denominadas Barra do Rio de Castelo, Caxixe, e Arraial Velho, Salgado e Ribeirão) a virem estabelecer-se meia légua distante do mar, trazendo para ali a imagem de Nossa Senhora do Amparo, que colocaram no dito lugar, levantando-lhe nova matriz, começando por conseqüência a atual povoação há pouco mais de 30 anos, vindo a real fazenda a perder com o abandono das povoações do Castelo, lugar hoje muito despovoado, e a ganhar no dízimo que pagam as fazendas de Itapemirim. Tem a dita vila e seu termo 147 fogos com 2.025 almas. Em 1817 teve 83 batizados, 83 óbitos e 20 casamentos.
RESUMO
Fundação desta capitania 292 anos. — Governada por donatários 192 anos. — Por capitães-mores, 83. — Por governadores ou subordinados subalternos à Bahia, 10. — Por governador independente 5. — Vilas 6. — Povoações 6. — Freguesias 8. — Capelania curada 1. — Colégios dos extintos jesuítas 3. — Santa Casa da Misericórdia 1. — Igrejas de particulares 4. — Igrejas filiais 5. — Conventos franciscanos 2. — Do Carmo 1. — Ordens terceiras 2. —Portos de mar 7. — Rios principais 10. — Engenhos 76. —Engenhocas 68. — Fogos 3.729. — Almas 24.585. — Batizados (em 1817) 1.087. —Óbitos 824. — Diferença a favor da população 263 almas. — Casamentos 273.
N.B. — A população desta capitania se considera exceder muito à que dão em mapa os comandantes dos diferentes distritos, principalmente na parte relativa à escravatura, e a experiência tem mostrado que os senhores não denunciam o número exato dos escravos que possuem; talvez que com a continuação de novas relações se possa vir no exato conhecimento do total da população.
Há nesta capitania uma espécie de Bômbix,[ 13 ] cujo casulo é muito maior que o persiano. A cor da seda é amarela escura, encontram-se alguns cor de ouro, de carne e verde. O intendente geral da polícia, Paulo Fernandes Viana, mandou fazer as precisas experiências para provar sua qualidade, reconhecendo este que o estado pudera perceber considerável interesse, porque o inseto nutre-se da folha da mamona e da laranjeira brava, que está no seu país nativo.
Vitória, 30 de Março de 1818. — Francisco Alberto Rubim.
_____________________________
NOTAS
[ 1 ] No original, Jeuhy.
[ 2 ] No original, Paulo.
[ 3 ] Embarcação robusta, de ferro ou de madeira, fundo chato, usada para desembarque ou transbordo de carga.
[ 4 ] Soldado da infantaria.
[ 5 ] Antigo navio à vela.
[ 6 ] Carta de doação do sr. dom Pedro II, datada de 18 de Março de 1657 a Francisco Gil de Araújo, declara fazer-lhe doação de 50 léguas de terras principiando onde acabasse as que havia concedido a Pedro de Campos Tourinho. Está registrada no livro de registo da câmara da vila da Vitória, n. 59 à fl. 105 v. [Nota original]
[ 7 ] Pontes toscas.
[ 8 ] Casas.
[ 9 ] No original, Gyparanan.
[ 10 ] Antiga embarcação à vela e remo.
[ 11 ] Pequena embarcação de proa fina e popa chata, impelida a remo ou vela, que executa serviços de um navio ou repartição marítima.
[ 12 ] No original, Mihaype.
[ 13 ] Bicho-da-seda.
Francisco Alberto Rubim da Fonseca e Sá Pereira nasceu em Lisboa, na freguesia de Santa Isabel em 13 de Abril de 1768, filho de José Pedro Bocardo Rubim e Eusébia Teresa da Fonseca Sá Pereira, e faleceu na mesma cidade, na freguesia da Encarnação, a 14 de Novembro de 1842. Comendador e Cavaleiro da Ordem de Cristo, Capitão de Mar-e-Guerra da Armada Real. Foi governador da capitania do Espírito Santo (1812—1819) e em seu governo foi criado o município de Cachoeiro do Itapemirim. Ele foi parabenizado por D. João VI pelos esforços para o desenvolvimento do Espírito santo, abrindo estradas, expandindo as lavouras, incentivando a mineração e melhoramentos da navegação. Rubim levantou importantes construções no Espírito Santo como a Casa de Misericórdia e a reforma do Forte São João, tendo sido responsável também por trazer imigrantes para o Estado. Foi também nomeado para governar a capitania do Ceará, cargo em que permaneceu de 1820 a 1821.
Assinar:
Postagens
(
Atom
)
Mais Lidos
Recentes
Mais Lidos
-
O povo, por simpatia ou temor por fanatismo, devoção ou sei lá o que, costuma atribuir a certos santos da corte celestial, poderes miraculo...
-
A 'Dermatologia Sanitária' foi uma designação oficial para uma área técnica do Ministério da Saúde, criada pelo Decreto Preside...
-
Venda de Karl Bullerjahn, em Santa Maria de Jetibá. [In WERNICKE, Hugo. Viagem pelas colônias alemãs do Espírito Santo . Vitória: Arquivo...
-
1. Nova Trento. — 2. Núcleo Timbuí na colônia de Santa Leopoldina. — 3. Núcleo Santa Cruz (Ibiraçu). — 4. Epidemia de febre amarela. — 5....
-
(para visualizar o sumário completo do texto clique aqui ) Capítulo II – As colônias de alemães 1. O território [ 1 ] O povoame...
-
ou Narração dos mais espantosos e extraordinários milagres de Nossa Senhora da Penha, venerada na Província do Espírito Santo, e em to...
-
Situado entre a Bahia (ao norte), o Estado do Rio (ao sul), Minas Gerais (a oeste) e o Atlântico (a leste), possui o Espírito Santo variado...
-
Vitória, 1860. Foto de Jean Victor Frond. Autor: Inácio Acióli de Vasconcelos Edição de Texto, Estudo e Notas: Fernando Achiamé...
-
Nota ao título [ 1 ] Seguiu-se aqui, com pequenas variações, a versão do Jardim poético , conforme transcrita no Panorama das letras capi...
-
Vasco Fernandes Coutinho (pai) veio como fidalgo da Corte Portuguesa. Era ele um herói lusitano, senhor dos mares e bravo soldado do Rei na...